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Qual é a nossa?

 

Qual é a nossa?
Por Paulo de Abreu Lima

 

Paulo de Abreu Lima é Psicólogo

Qual tem sido a nossa busca neste mundo? Como tem sido essa busca? O quê temos conquistado? Qual a perspectiva que temos pela frente?

Temos buscado alimento físico, mas principalmente alimento afetivo e social, o que tem causado, ao longo de toda a história humana, muitos ganhos, é verdade, mas muitas perdas também.

Ganhamos muito no desenvolvimento cultural e social; no acúmulo e preservação de valores e conhecimento científico e tecnológico. Nunca, em tão pouco tempo, por exemplo nos últimos duzentos anos, a humanidade evolui tanto; e, parece, este quanto de evolução passou de uma proporção de décadas para horas!! Acho que podemos considerar como ganhos as aquisições de toda a tecnologia biomédica que tem contribuído muito para a saúde mundial (especialmente para aqueles que têm acesso a ela). Enfim, toda conforto urbano e doméstico é fruto deste avanço tecnológico. Os ganhos não estão só na tecnologia, mas também – com alguma precariedade – na política e outras ciências sociais. Não há dúvida que as relações democráticas, nos últimos cinquenta anos, consolidaram-se na grande maioria das nações (existem muitas exceções ainda).

Parece, no entanto, que perdemos um pouco de respeito por nós mesmos. Acho que este respeito foi perdido quando a vida numa cidade grande como São Paulo torna-se selvagem; quando o dia-a-dia nesta cidade é frenético e as pessoas perdem o olhar – porque olhar e conversar parece ser muito temeroso. É curioso, ao mesmo tempo, porque uma cidade grande como São Paulo também é fantástica e maravilhosa; pulsa, tem vida…mas também é desumana…não tem rosto. Acho que isto representa a perda social da evolução; ganhamos com o conforto material (para alguns, é claro) mas perdemos com o medo do relacionamento – nas cidade menores isto talvez seja diferente. Será?

Perda social é perda afetiva, é perda do contato; é perda da necessidade de contato e relacionamento. Por outro lado, perder faz parte do crescimento. Acho que percebemos isto mais nitidamente quando temos filhos; pois no nosso papel de educadores, dos nossos filhos, alguns valores especiais surgem como as grandes metas do nosso desafio (orgulho-me de que tais valores sejam os praticados e buscados, expressamente, pela escola onde meus filhos frequentam): respeito, criatividade, autonomia, afeto e partilha. Acho que nossa busca tem sido o exercício, normalmente sem o saber, destas referências de crescimento.

Parecem haver duas perdas diferentes, não tenho isso muito claro: a perda do crescimento, aquela que nos faz encontrar algo novo em nossa vida (quando recebo um desrespeito de alguém como resposta a uma atitude minha, originalmente desrespeitosa, tenho uma grande oportunidade de mudar, de apreciar o meu interior, minha própria atitude; e apreciar a própria atitude é pelo menos um caminho, senão, um movimento de mudança – e a perda da posse (algo como a dor muito forte, por exemplo, que sentimos quando nossos filhos sinalizam que vão embora). A perda da posse é de uma gravidade muito grande, pois toda posse sugere egoísmo, e perder algo que faz parte do meu eu é como se um pedaço deste eu estivesse morrendo, o que até faz sentido com a perda do crescimento porque morte implica renascimento (as raízes não pedem nenhum prêmio para dar flores e frutos às plantas – Tagore);que sempre estão morrendo, as plantas e suas raízes, quando são podadas – aliás elas precisam ser podadas para se fortalecerem, ou seja, precisam morrer um pouco para re-viverem.

Mas a morte que me refiro é a morte daquele pedaço de eu que não queremos dividir com ninguém; que nos agarramos a ele de forma dramática e verdadeiramente egoísta, que é um jeito infantil e impulsivo de ser, pois a criança, enquanto um ser que ainda não é adulto, tem o direito, sim, de agarrar-se ferozmente à sua posse; ao que ela conquistou – é a oralidade e imediatismo de satisfação de suas necessidades, e a criança precisa garantir esta satisfação, pois suas conquistas são grandes batalhas, ou seja, cada novo repertório ou habilidade precisam ser expressos, reconhecidos e praticados, porque apesar de buscar garantir sempre a proteção do adulto, ao mesmo tempo precisa praticar sua autonomia, ou seja, “ tenho que aprender por mim mesmo, pois sei que não será a vida toda que farão por mim ”. Acho que é esse o movimento de busca de autonomia, e mesmo não tendo consciência deste movimento, seu ego trabalho fortemente nesta direção.

A perda do crescimento, portanto, é a perda boa, a morte natural e necessária do cotidiano, são as podas que precisamos fazer para crescermos fortes e saudáveis. A perda da posse é quando o adulto não percebe que usa mecanismos de sua criança, ainda muito presente em sua ego e fragilizando-o demais na percepção de suas perdas cotidianos, ou seja, alguma perdas se tornam a morte total, e não aquela que ajuda a renascer, travando sua vida e seu crescimento.

Penso que nossa perspectiva é uma perspectiva de adulto, ou seja, não podemos ser muito impulsivos nas nossas necessidades e o caminho não pode ser outro, senão cairmos na real, ou seja, o caminho de adulto é o caminho em que perder fazer parte do jogo; a poda do nosso cotidiano é a garantia de que a bioquímica da nossa psiquê se renove permanentemente e isso significa crescimento – algo como autodesenvolvimento sustentável.

Acho que a nossa é aliar e equilibrar, como yin e yang, nossa impulsividade naturalmente infantil, que é a nossa criança interior – enquanto satisfação imediata de nossas necessidades, com o nosso ser adulto e social, onde precisamos praticar respeito, criatividade, autonomia, afeto e partilha, e isso não é fácil.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Paulo de Abreu Lima é Psicólogo

 

 

 

 

 

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