Adilson Luiz Gonçalves Colunistas

“ISMOS”: DISCURSOS E PRÁTICAS

“ISMOS”: DISCURSOS E PRÁTICAS

Segundo vários dicionários, “ismo” é um sufixo nominal, de origem grega, formador de nomes que designam conceitos de ordem geral, abstratos.

Especificamente nos âmbitos ideológico e religioso, essa abstração tende a ser, em tese, a idealização de um mundo considerado perfeito para seus adeptos. Porém, na prática, a realidade normalmente é bem diferente, inclusive contrariando os discursos, principalmente em função da doutrinação, atualmente definida com “imunização cognitiva”.

Em geral, propõem uma condição humana ideal, universal, mas sempre têm um líder disposto a aplicá-la como se fosse uma esfinge: “Converta-te, ou te devoro!”.

Para estes, mesmo quem não for contra, se não seguir a “cartilha” também estará condenado, no mínimo, ao ostracismo ou discriminação, tendo todo o seu mérito aproveitado, inclusive à força, mas nunca reconhecido e valorizado.

Não faltam exemplos de “ismos” ideológicos ou religiosos que pregam e promovem revoluções, tendo como mote valores de igualdade, fraternidade, liberdade e “verdadeira fé”, propondo a extinção dos mecanismos de opressão/repressão constituídos. Doutrinam e movimentam massas de manobra com esse intuito, se aproveitando de fanáticos, cabeças ocas, desesperançados e oportunistas para alcançar seu intento. Vencedores, são pródigos em criar sistemas repressores ainda mais cruéis e estruturas militares ainda mais poderosas.

É fato que várias revoluções baseadas em “ismos” de várias espécies agiram assim. E mesmo quando pregavam uma “igualdade”, seus mentores sempre estiveram acima da massa, ditando regras, patrulhando, perseguindo e punindo qualquer um que não se submetesse.

Ideólogos normalmente as criaram a partir de universidades, prisões ou condição de pobreza, sem nunca terem posto a “mão na massa”, deixando que seus discípulos e intérpretes pusessem as mãos nas massas, sobretudo de jovens, searas férteis para seus intentos, na juvenil paixão por mudar um mundo que sequer conhecem, baseados em “histórias” que nunca leram ou viveram. E a intenção, por mais belo e arrebatador que seja o discurso, quase sempre se resume a obter e manter poder secular sobre mentes e vidas. Em razão disso, os que de fato acreditam nos ideais revolucionários pregados por líderes carismáticos normalmente são suas primeiras vítimas.

E quando a revolução proposta não cumpre suas promessas, seus ideólogos ou defensores “intelectuais” são os primeiros a alegar que “não fizeram direito”, acreditando que repetir o mesmo erro terá resultados diferentes. A realidade mostra que revoluções contra regimes autoritários e elites de qualquer viés ideológico geralmente resultam em autocracias ainda mais rigorosas e seletivas, mesmo que se autodenominem democráticas.

Gestapo, OVRA, Tonton Macoute, NKVD (KGB) e Stasi são alguns exemplos dessa prática universal dos “ismos” radicais. Outro exemplo é como certos “ismos” ideológicos e religiosos formam suas juventudes, doutrinando-as à obediência cega, ao ódio a tudo e todos que divirjam de seu ideário, com direito a delatar amigos e parentes, matar ou morrer pelo que são ensinados a acreditar que é a vontade de Deus ou de seus ídolos. Alguns chamam isso convenientemente de “ódio do bem”.

Há histórico de crimes hediondos, inclusive contra a humanidade, que vitimaram milhões de seres humanos, em “ismos” que se opõem, mas que só um é considerado abominável, pelos que negam, omitem, justificam ou contextualizam a ideologia, ou crença que defendem como absolutas. Para esses, não são crimes, mas parte do “projeto” de um mundo ideal.

Nesse meio, é comum encontrar defensores da tolerância serem intolerantes; arautos da liberdade de expressão serem repressores ferrenhos de quem tem opinião diversa; quem diz abominar preconceitos, mas é tão ou mais preconceituoso do que quem critica; gente que diz ter “mente aberta”, mas é incapaz de exercer a dialética, ou um mínimo diálogo produtivo, mutuamente interessante, preferindo contrapor palavras de ordem e estereótipos pejorativos quando lhe faltam argumentos ou razão.

Há algum tempo, um certo alguém que tinha tudo para criar e mover uma revolução armada, mas preferiu pregar paz e mudança espontânea de atitudes, se sacrificou em nome de seus ideais, sem derramar uma gota de sangue que não fosse seu. Ele pregou igualdade e respeito ao próximo, mudança de atitude, mas nunca o extermínio de quem se opusesse. Deu uma opção, não uma imposição. Foi perseguido e sacrificado por se opor aos “ismos” de seu tempo, por ameaçar os poderes constituídos.

Criaram um “ismo” em sua memória, que também foi distorcido por lideranças posteriores, que dividiram e continuam dividindo, para reinar. Líderes religiosos e políticos também propõem sacrifícios, é verdade, mas de seus seguidores, inocentes “úteis”.

Ainda temos muito o que aprender com Ele!

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras

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