Adilson Luiz Gonçalves Colunistas

SOBRE A 19ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DA AIVP – LISBOA 2024

PARTE 1/3

A 19ª Conferência Mundial da Associação Internacional Cidades e Portos (International Association Cities & Portos – AIVP), realizado entre 26 e 28 de novembro de 2024, na bela Lisboa, foi uma excelente oportunidade para conhecer as “dores” e boas práticas de cidades portuárias de todos os continentes. Essa troca de experiências é fundamental desde sempre, porém, com a globalização e a cada vez mais relevante participação do modal aquaviário do comércio internacional, ela é imprescindível.

A AIVP foi criada em Le Havre, França, em 1988, tendo como objetivo incrementar o diálogo entre portos e cidades, além de promover a cooperação entre autoridades locais e regionais, autoridades portuárias, comunidade e empreendedores econômicos, com foco em desenvolvimento sustentável.

Atualmente, a AIVP possui cerca de 190 membros (55% autoridades portuárias), de 50 países de todos os continentes. Com tal composição, a AIVP reflete o protagonismo das cidades portuárias na economia dos países exige que elas sejam tratadas de forma diferenciada, pois sua condição de polo de convergência de vários modos de transporte e de lócus de movimentação de vários tipos de mercadorias gera impactos significativos no meio ambiente urbano.

Um dos palestrantes, manifestando a necessidade dessa análise holística, concluiu que ela é fundamental para superar resistências, sobretudo de setores mais radicais da sociedade, que ignoram a relevância das atividades portuárias para a economia dos países e a geração de empregos associados, cujo impacto social é insofismável. Destacou que alguns desses extremistas, quando defendem “No cars! No boats! No planes! No ports!”, chegando a questionar a própria existência dos portos, de certa forma podem involuir para o “No people!”, questionando a extinção seletiva da presença humana no planeta, como fator de recuperação do meio ambiente. Entretanto, esse entendimento pode resultar em desdobramentos catastróficos. Não faltam exemplos na história da humanidade. Assim, é preciso equilibrar os pesos e medidas a serem adotados, para termos efetivamente sustentabilidade de amplo espectro, com paz social, condições ambientais adequadas e prosperidade.

Há, sim, alguma razão em algumas dessas críticas. Só que a solução não está na exclusão dos portos ou das atividades logísticas e industriais a eles associadas, mas em sua adaptação, mitigação e compensação. “Expulsar” um porto por questões ambientais, pode gerar impactos ambientais ainda maiores, pois sua transferência para outro local sempre ocorrerá em áreas “greenfield” e/ou “bluefield”, incluindo novos acessos terrestres. Nesse sentido, o ideal é aproveitar ao máximo o potencial de expansão dos complexos já existentes, definindo medidas compensatórias, que incluam a proteção e/ou recuperação de áreas desprotegidas.

As atividades portuárias são fundamentais para a economia dos países! E uma economia forte gera recursos para investimentos em programas sociais e ambientais, e principalmente empregos, reduzindo a dependência de ações governamentais, que podem ter viés populista.

Desta forma, tolher o desenvolvimento econômico tende a gerar resultados opostos aos discursos de alguns ambientalistas radicais, pois problemas sociais decorrentes do desemprego e do subemprego são o prólogo de ocupações irregulares de áreas de preservação.

Onde entra a economia nesse contexto?

Entra num círculo vicioso, no qual as restrições ao desenvolvimento econômico inibem investimentos do setor privado em produção e logística, prejudicam a criação de empregos e impactam negativamente a arrecadação de tributos. Às vezes, para preservar modos ou opções de vida de poucos, inclusive financiando-as, milhares de empregos deixam de ser criados. Para financiar programas sociais resultantes do desemprego, a solução encontrada geralmente é aumentar tributos, desestimulando ainda mais investimentos.

Retornando à Conferência da AIVP, os temas não foram novidades, incluindo a alusão a cenários preocupantes.

Na abertura de um dos painéis, a moderadora comentou que a projeção de elevação do nível do mar, mantida a tendência atual, faria desaparecerem 100 (cem) países, nos próximos 20 (vinte) anos, e que até 2100 ele atingira cerca de um metro acima do nível atual. Como a maioria das cidades portuárias é costeira, o enfrentamento antecipado desse problema é mandatório. Mas o tom não era de “salve-se quem puder”, mas de como atuar para mitigar esses efeitos na vida dessas cidades e na economia mundial, já que mais de 90% com comércio internacional depende do sistema portuário.

Os debates giraram em torno de: transição energética, ecológica e digital; inovação, mudanças climáticas, trabalho, multimodalidade, economia circular, sustentabilidade e relação porto-cidade. Um tema cada vez mais em voga no Brasil, a “Economia Azul”, obviamente também estava presente em Lisboa, tendo como abordagem como acelerar a inovação nesse âmbito.

Um dos debatedores considerou que a “Economia Azul” deveria ser abordada em três níveis: 1º – Porto; 2º – Economia portuária (navios, etc.); e 3º – Cidade e indústria. Esse modelo precisaria ser melhor desenvolvido, mas a gestão de tempo dos painéis impediu seu detalhamento. Lição de casa, que tem como ponto de partida a proposta de criação um modelo que viabilize portos “azuis” e cidades “verdes”.

Merece destaque a convergência de interesses da União Europeia (EU) sob múltiplos aspectos. Alguns desses interesses envolvem protecionismo associado a falácias, como o caso recente da restrição às exportações brasileiras de carnes para a França, e o imbróglio que envolve o acordo comercial Mercosul-UE.

Não é o caso no que se refere a cidades portuárias, pois a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL), da International Maritime Organisation (IMO) tem gerado ações efetivas em todos os países.

A exemplo do que ocorre há alguns anos em Cingapura, a saber, incentivos portuários a navios propelidos com combustíveis menos impactantes ao meio ambiente, portos europeus também utilizam essas práticas. Ademais, portos europeus vem investindo na geração de energia eólica e fotovoltaica, além de criar condições para abastecimento de energia elétrica de embarcações por terra (“Onshore Power Supply” – OPS), e viabilizar o fornecimento de combustíveis com menos emissões poluentes, incluindo gás natural liquefeito, amônia, hidrogênio verde e metanol. Portugal está perfeitamente integrado nesse processo, em estágio bastante avançado, aliás.

A grande vantagem da UE, a meu ver, é que seus membros têm consciência da proeminência das atividades industriais e logísticas para sua sustentabilidade econômica, em tese sem descuidar de aspectos sociais e ambientais. Fato é que os projetos acontecem em prazos bem mais curtos do que por aqui.

De certa forma, a maioria dos protocolos e convenções internacionais são convergentes em questões ambientais. Além da MARPOL, existe a Plataforma 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), com seus 17 (dezessete) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O conceito de “Environmental, Social and Governance” (ESG) também está presente em vários setores da sociedade. Antenada com esse cenário, a AIVP criou sua Agenda 2030, com foco específico em cidades portuárias, sendo que mais de 80 (oitenta) de seus membros são aderentes.

Desde que tomei conhecimento dos ODS, sempre os considerei totalmente integrados e igualmente importantes. Eu os entendo como variáveis de uma mesma equação, ou seja, considerá-los de forma parcial ou independente pode comprometer o resultado desejado.

Adilson Luiz Gonçalves
Engenheiro, Pesquisador Universitário, Escritor e membro da Academia Santista de Letras
 

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