Até há alguns anos, eu achava que viveria até os noventa!
Adorava comidas condimentadas, massas, embutidos, doces, salgadinhos, vinho e cerveja, e pouco
me preocupava com atividades físicas. Afinal, eu trabalhava três, às vezes quatro períodos por dia,
em funções diversas, ora braçais, ora intelectuais. Comia mal e irregularmente, em função disso.
Mas pensava que apesar de tudo isso eu era inquebrável, resistente!
Mas a vida é uma “caixinha de surpresas”…
Não que eu seja uma versão de Joseph Climber, do hilário esquete do grupo “Os Melhores do
Mundo”, mas a vida começou a me ensinar algumas coisas de forma bastante objetiva,
principalmente a me preocupar com ela.
É certo que nenhum ser humano normal é capaz de prever o futuro. No entanto, ele pode
aprender lições, tentar não repetir erros e ter uma vida saudável, na medida do possível sem
sobressaltos. Porém, sempre haverá o imponderável, o “inexorável da vida”, com dizia um
narrador esportivo.
Há quem se exponha a perigos diariamente, por profissão, necessidade ou prazer. No entanto,
também há quem é vítima das circunstâncias, de fatalidades, da “Lei de Murphy”.
Só temos uma vida, e ela precisa ser preservada, nunca desperdiçada, temerária ou
inconsequente, afinal, dizem que só os gatos têm sete vidas.
Pois é… Se os seres humanos também fossem assim, eu já teria gasto seis: duas em quase
acidentes, durante operações portuárias, uma por responsabilidade minha, outra por de terceiros;
uma num acidente de trânsito com capotamento, que resultou em perda total do veículo, do qual
saí apenas com dois pequenos arranhões na mão (minha mulher, ao ver a foto do carro,
identificou o que parecia ser um “emoji” de anjo na capota); um câncer e duas metástases de
tratamento e cirurgias complicados.
Superar cada um desses episódios pode ser considerada uma espécie de renascimento. Assim, eu
só teria mais uma vida em “estoque”!
Considerando esse histórico de resiliência, fui revisando minha percepção sobre a vida.
Reduzi progressivamente minha carga de trabalho, em nome da qualidade de vida. Mantenho o
que é obrigatório, mas me tornei mais seletivo em outras atividades. Passei a curtir mais minha
família, ver mais filmes e séries, ler e escrever, viajar, rir. Em suma, busco evitar estresses e
incrementar prazeres.
Tive que mudar meus hábitos alimentares, descobrir novos paladares, inovar receitas e dar mais
valor à qualidade do que à quantidade. E tudo isso sob “suave”, mas constante vigilância de meu
oncologista e de minha amada, idolatrada, salve! salve! esposa (prova de que ela gosta de mim!).
Aliás, ela vive me ameaçando, dizendo que se eu morrer me mata, e ficando muito brava quando
eu digo que ela seria uma viuvinha enxuta.
Esse amor, as amizades e a mente ocupada com trabalhos e projetos, os necessários cuidados com
a saúde e, na medida do possível, o distanciamento de situações e pessoas que me fazem mal têm
sido parte dessa “autoterapia”, que faz ter vontade de viver, de bem viver, de conviver.
A vida é, de fato, uma “caixinha de surpresas”, às vezes de “Pandora”, mas não tenho a menor
aspiração de vivê-la como um “peso de papel”. Por isso busco encontrar inspiração em tudo o que
faço, e ter, na medida do possível, os cuidados necessários.
A música de Roberto e Erasmo bem sintetizou sobre isso: “É preciso saber viver!”. Cabe a cada um
de nós buscar essa sabedoria, entendendo que a vida é o bem mais precioso que temos, e que as
pedras no caminho podem ser removidas ou pavimentar a estrada.
Foi Fernando Pessoa que afirmou: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena!”.
Mas existem outras alternativas, no meu caso: quem sabe tentar obter cidadania nos EUA, pois lá
os gatos têm nove vidas.
Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras