Quando gosto de um filme, posso assisti-lo várias vezes, sem enfado.
“A Soma de Todos os Medos” (The Sum of All Fears, 2002) é um deles.
Sem incorrer em “spoiler”, nele, um grupo trama forjar um conflito entre EUA e Rússia, para desestabilizar ambos e predominarem. Os principais artífices são um nazista, descendente de um dos condenados e executados em Nuremberg; e um general russo, “viúvo” do regime comunista da URSS.
Um nazista e um comunista com objetivo comum? Bem, isso não seria inédito.
O Pacto Molotov-Ribbentrop, de 1939, é um exemplo: um acordo de não agressão que considerou a divisão do Leste Europeu entre as esferas de influência de dois regimes totalitários: a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Stalin, ambos com larga experiência em eliminar oposições de forma sumária e cruel, em alguns casos, como o do Holocausto e do Holodomor, caracterizados como genocidas.
Mas tudo isso foi relevado pelos Aliados, durante a Segunda Guerra Mundial, quando capitalistas e comunistas se uniram para derrotar um inimigo comum. Esse acordo dividiu não só a Europa como resultou na Guerra Fria, criando dois “mundos”, um terceiro, disputado por eles; e um “outsider”, não alinhado.
Outro filme marcante, porém um pouco mais difícil de rever, é “Quinteto” (Quintet, 1979), ambientado num futuro em que o planeta vive uma nova era glacial, decorrente de alterações climáticas provocadas, em meio a um caos civilizatório, onde a vida do ser humano pouco vale.
“No Mundo de 2020” (Soylent Green, 1973), em vez de uma era glacial, o cenário é de um calor sufocante, poluição generalizada, superpopulação e fome. Nesse caso, qualquer resumo seria um “spoiler”.
“A Última Esperança da Terra” (The Omega Man, 1971), mostra um planeta devastado por uma epidemia, tendo, de um lado, um pretenso único sobrevivente fisicamente são; e de outro um grupo de indivíduos que sofreram mutação genética, controlados por um líder carismático, que o antagonizam, buscando sua aniquilação, por não ter sido afetado.
Um dos mais emblemáticos é “1984” (1956/1984), baseado na obra de George Orwell, que mostra um futuro onde uma sociedade é totalmente controlada por um regime totalitário, onde a personalidade do “Grande Irmão” é cultuada acima de qualquer outra relação humana.
Para não me alongar demais, termino com “Fahrenheit 451” (1966/2018), no qual livros considerados subversivos são queimados e seus leitores perseguidos, o que já não era novidade, pois tal já havia ocorrido na Alemanha nazista e na Revolução Cultural da China comunista.
Parece que a vida imita a arte, subvertendo a expressão aristotélica.
Esses filmes, se houvesse um roteiro unificado, poderiam ser resumidos no título do primeiro listado: “A Soma de Todos os Medos”.
Muitos autores de ficção imaginaram cenários futuros, muitos dos quais se consumaram, casos de Jules Verne, Mary Shelley, Aldous Husley, H. G. Wells, Arthur C. Clarke e Isaac Azimov, por exemplo. Suas obras viraram filmes, incluindo os aqui mencionados. Em minha opinião, todos merecem reflexões, para evitar que a ficção vire realidade; para que os cenários negativos previstos por escritores e roteiristas sejam uma referência do que não deve jamais ocorrer, sejam: polarizações políticas, radicalismos sociais, étnicos e religiosos; patrulhamentos ideológicos, doutrinações de crianças e adolescentes, regimes totalitários, superpopulação esfomeada, guerras frias ou quentes, epidemias naturais ou provocadas, degradação ambiental por uso não sustentado, acordos espúrios e negações seletivas, mesmo diante de claras evidências e provas.
Esses filmes são apenas obras da Sétima Arte, roteirizados a partir de literatura ficcional, nada tendo ver com a realidade atual?
Há quem concordará ou não, apesar exemplos históricos relacionados.
No entanto, apesar de adorar ficção científica, temo escrever uma, um dia, pois, se otimista, pode nunca se realizar; se pessimista, há enorme risco de já não ser mais ficção.
Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras