AGRONEGÓCIO, INDUSTRIALIZAÇÃO E ZPE
A pandemia do COVID-19 evidenciou a dependência do mundo da produção industrial chinesa, indicando a necessidade premente de reindustrialização dos países ocidentais e da busca por parceiros mais próximos.
O fato do agronegócio ser protagonista nas exportações brasileiras e a decisão de considerar as operações logísticas prioritárias durante a pandemia ajudaram a reduzir os impactos negativos na economia brasileira, mas reindustrialização passou a ser prioridade dos governos federal e do Estado de São Paulo.
No caso específico dos portos das regiões Sudeste e Sul, mais industrializadas, essa estratégia tem como reforço o cenário de concorrência no escoamento do agronegócio com o Arco Norte e com os futuros corredores bioceânicos.
Além disso, estudo realizado pela ANTAQ, com apoio do governo alemão, avaliou os impactos das mudanças do clima nas operações de 21 portos brasileiros, com ênfase nos portos de Aratu/BA, Santos/SP e Rio Grande/RS. As operações de granéis agroalimentares dependem fundamentalmente das condições climáticas. O estudo avaliou cenários, indicando que a tendência em médio e longo prazo é de aumento de eventos climáticos extremos, com chuvas mais intensas e prolongadas, ressacas e ventanias. Esse horizonte tende a impactar negativamente as exportações desse tipo de commodities. Nesse sentido, a reindustrialização proposta, além de reduzir nossa dependência de importações de produtos industriais, também pode diversificar nossa carteira de exportações, que passariam a incluir cargas de maior valor agregado.
A China teve essa opção estratégica a partir do final da década de 1970, quando iniciou processo de implantação de Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), atualmente mais de 2.500.
Desde então, a China evoluiu de uma economia fechada e produção obsoleta, para se tornar a segunda economia do mundo. As ZEEs chinesas, além de contarem com incentivos fiscais, têm como características a retenção de mão de obra, qualificando-a nas melhores universidades locais e internacionais, e a exigência de transferência de tecnologia por parte das empresas multinacionais que nela se instalam. Com isso, em poucas décadas a China alcançou a condição de maior produtora de patentes, sobretudo na área de tecnologia, e colocou sete de seus portos entre os dez que mais movimentam contêineres no mundo.
De forma similar, o Brasil criou, em 1988, um regime tributário, cambial e administrativo para Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs).
Desde então, a implantação de algumas ZPEs foi autorizada pelo Governo Federal, mas apenas uma foi efetivamente implantada: a ZPE de Pecém/CE. Existe outra, em Parnaíba/PI, bastante avançada, e duas com boa evolução, em Cáceres/MT e Uberaba/MG.
A legislação foi revisada em 2021, trazendo inovações importantes, tais como: não há mais exigência para que 80% da produção seja destinada à exportação; a proximidade de portos e aeroportos é considerada um trunfo logístico, sendo recomendada; as áreas das ZPEs não precisam mais ser um único terreno, podendo ser fragmentadas, desde que a distância máxima não exceda 30 km; e a iniciativa privada passou a ser autorizada a implantar ZPEs.
Resultado imediato dessa revisão, a ZPE de Pecém/CE já está expandindo sua área para outro terreno, e foi autorizada a primeira ZPE privada do Brasil, em Aracruz/ES.
A legislação de ZPE tem por objetivo promover o desenvolvimento tecnológico de regiões com maior desequilíbrio econômico. Nesse sentido, considera quatro critérios, dos quais três favorecem as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Quanto às regiões Sul e Sudeste, exceto capitais, as ZPEs podem ser pleiteadas em cidades cujo valor adicionado da indústria seja inferior a valor adicionado total do município, com base em dados a serem obtidos junto ao IBGE.
A cidade de Santos/SP está enquadrada nesse critério pelo MDIC desde 2017, favorecida pela proximidade do Porto de Santos e de terminais de uso privado em seu em torno, e por dispor de terrenos disponíveis em sua área continental. Além disso, pelo critério de distância de até 30 km, outras cidades da região podem ser beneficiadas, seja pela prestação de serviços, seja pela geração de empregos.
Em 2022, a empresa Infra S.A. passou a elaborar estudo de viabilidade econômica, nos termos previstos pelo regime de ZPE. A expectativa é de que esses estudos sejam concluídos ainda no primeiro semestre de 2024, orientando para os próximos passos.
Uma ZPE está associada não apenas à produção para exportação, diversificando a carteira nacional, como para o desenvolvimento científico e tecnológico, o que potencializa a participação de universidades, institutos de parques tecnológicos no processo, sempre com foco em sustentabilidade plenas, ou seja, conciliando aspectos sociais, ambientais e econômicos.
Trata-se, portanto, de interesse estratégico do país.
O programa “Nova Indústria Brasil”, do Governo Federal, prevê financiamento de R$ 300 bilhões para a indústria nacional até 2026, com ênfase na produção de máquinas e equipamentos, transformação digital com vistas a ganhos de produtividade; bioeconomia, descarbonização, transição energética e tecnologias para a soberania e defesa nacional.
As ZPEs se inserem perfeitamente nesse contexto, tanto para o atendimento de demandas internas, como para agregar valor às exportações brasileiras.
No entanto, é fundamental lembrar que a efetiva reindustrialização do Brasil, associada a continuidade da relevância do agronegócio, dependem de revisões da burocracia estatal e da legislação ambiental, de maneira a reduzir o risco de judicializações que, além de protelar investimentos, às vezes os inviabilizam por falta de visão holística e interesses nem sempre claros.
Uma economia forte e diversificada, mais do que prover recursos para programas sociais, tende a diminuir a população que deles necessite. Ela também assegura recursos para programas ambientais, reduzindo o risco de ocupações irregulares de áreas de preservação mediante medidas compensatórias aplicadas a atividades econômicas e investimentos em logística, como rodovias, ferrovias, hidrovias, dutovias, aeroportos e portos.
Assim, é basilar que todos os atores envolvidos tenham visão integrada, estratégica, de Estado, acima de interesses político-partidários e vaidades, para que o desenvolvimento sustentado do Brasil deixe de ser um discurso vago, para se tornar uma realidade, permitindo que nosso país alcance o protagonismo, soberania e autodeterminação que merece, compatível com suas dimensões continentais e com seu povo.
Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras