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Rose Araujo: a poesia como amor à vida

RESENHA

                        Rose Araujo: a poesia como amor à vida

Em livro de estreia, a poeta surpreende por sua sutileza verbal em seu anseio por dias melhores

                                                                               Adelto Gonçalves (*)

                                                             I

               Depois de participar de várias coletâneas e antologias como designer gráfica, Rose Araujo, como poeta, estreia em livro solo com Quando Vida Poesia (Curitiba, Selo Inside/Editorial Casa, 2022), obra concebida a partir de 2017, mas que tomou forma final nos anos da pandemia de coronavírus (covid-19) e traz como prefácio um ensaio do poeta Tanussi Cardoso e texto de apresentação assinado pelo escritor e revisor Ricardo Alfaya. São versos ligeiros, que, por seu lirismo e concisão, aproximam-se do gênero haicai, modelo literário de origem nipônica que no Brasil teve como ilustres representantes Guilherme de Almeida (1890-1969), Millor Fernandes (1923-2012) e Paulo Leminski (1944-1989), entre outros.

               Diz-se aqui aproximam-se porque os poemas de Rose Araujo não seguem as regras tradicionais do haicai, ou seja, três versos livres, geralmente com o primeiro rimando com o terceiro, mas não deixam de exprimir a coloquialidade e a ironia que caracterizam, por exemplo, a produção de Leminski e Millor Fernandes, como observa o professor Paulo Franchetti, grande estudioso do gênero, no ensaio “O haicai no Brasil” (Revista Alea: Estudos Neolatinos, Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, v. 10, nº 2, jul-dez 2008, p. 265). São, na maioria, poemas compostos por quatro, cinco ou mais versos – alguns ultrapassam vinte –, mas que se destacam por uma economia verbal e uma simplicidade lírica.

               Como observa no prefácio o poeta, contista, crítico literário, jornalista, tradutor e letrista Tanussi Cardoso, no lirismo dos seus poemas, “não há lamentos nostálgicos, nem pieguismos, nem versos exacerbados”, pois “ela sempre mantém a mesma sobriedade estilística”. Diz mais o prefaciador: “De alguma forma, em sua sutileza verbal, Rose Araujo trata, num pano de fundo, de política social, sem fazer panfleto”. Ou como diz Ricardo Alfaya no texto de apresentação, “ela percebe que a poesia, prenhe de vida, vai além da palavra”.

                                                             II   

          Dividida em três capítulos – “Em si”, “Significâncias” e “Pandesias” –, a obra chama a atenção desde logo por seu visual, com o aproveitamento do espaço em branco da página e o uso de letras maiúsculas ao final da frase, o que se explica pelo fato de a autora, sendo uma designer respeitável, ter se preocupado também em criar graficamente o seu livro.  Essa divisão atua esteticamente porque, no fundo, os poemas exibem um só enredo e estão unidos por um laço: o amor à vida.

               Com concisão e precisão estilística, qualidades também ressaltadas pelo prefaciador, o poema “Transpirações”, do primeiro capítulo, serve como exemplo do que se expôs acima: “PoesIA / sempre VAI / transborda e cria / transPIRA”. Em outro poema, “O voo do tempo”, a poeta reverencia a sua arte de brotar a vida: “Ao versejar ela percebe / o pontuar do instante / _ sutileza da alma. / Ela espia e cria, / transmuta o momento. / Absorve o voo livre do tempo”.

               Ainda no primeiro capítulo, um poema que se destaca é o que leva por título “Ninfantes” e homenageia a memória de poetas que já não vivem entre nós, como Cecília Meireles (1901-1964), Ana Cristina César (1952-1984), Manoel de Barros (1916-2014), Hilda Hilst (1930-2004), Mário Quintana (1906-1994), Pablo Neruda (1904-1973), Fernando Pessoa (1888-1935), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Jorge Luís Borges (1899-1986).         

               Eis o poema: “Que Cecília nos visite, / Ana César nos inspire, / Manoel de Barros nos provoque / e Hilda se achegue. / Que Quintana nos instigue, / Neruda dê palpite / e traga Pessoa, a convite, / pois o amamos também. / Que Drummond não silencie / e Borges nos incite / a irmos muito, muito mais além”.

               Como uma espécie de continuação desse poema, aparece logo na página seguinte aquele que leva por título “O propulsor”, em que a autora procura definir o trabalho do poeta: “O poeta / ao partilhar / soma / Audacioso norteia / o alimento da vida / Eis o poeta / que espelha e percebe / que tudo transforma / hipnotiza e incendeia / comovendo e envolvendo / a centelha da vida / artista subjugado / sem enfoque / sem apoio nem eco / neste mundo oco / Resistente e profundo és: / menestrel deste / e de outros mundos”.

                                                             III 

               O amor à vida e aos viventes, que norteia quase todos os poemas deste livro, aparece com mais ênfase ainda em “Solar”, o último do segundo capítulo, “Significâncias”, em que há uma homenagem ao Espaço de Artes CasAmarElinha, localizado em Niterói, idealizado pela autora durante a pandemia e realizado por meio de um aplicativo de mensagens. O projeto recebeu em 2021 um prêmio da Associação Profissional de Poetas no Estado do Rio de Janeiro (Apperj) por sua inovação, já que, praticamente, reúne em lives poetas de todo o Brasil por meio do WhatsApp num encontro virtual chamado Sarau da CasAmarElinha. Segue o poema: “CasAmarela / CasaMAR / CasAMar /toda ela / na casa das casas / a Terra / porque amar /  é linha, / é fio condutor / de vida: / é presente, / sina.

               No terceiro capítulo, “Pandesias”, os poemas são dedicados à análise das consequências ditadas pelo período de isolamento que a recente pandemia causou no mundo e, especialmente, no Brasil, onde o governo federal se mostrou apático e incompetente para enfrentar o mal. Nos dias de quarentena, a única esperança era esperar por dias melhores, como se intui do poema “Isolamento”: “Sobressalto / do ato ao hiato / tudo subitamente muda / fica de cabeça pra baixo / O mesmo todo / refaz-se em ângulos / e e meio aos preâmbulos / escrevemos a espera”.

               Para encerrar, nada melhor que a definição que Tanussi Cardoso colocou no excepcional ensaio que dedicou a esta obra: “A poesia de Rose acredita em nossa transformação em homens e mulheres melhores. Nas entrelinhas, uma poesia buscando a alegria e a felicidade, não só para si, mas, solidariamente, para todos. Uma poesia sugestiva, sóbria, clara, atenta e sensível – humanista”.

Foto: culturaniteroi.com.br
Rose Araujo, poeta, quadrinista, professora de artes e designer gráfica: obra marca a sua estreia na poesia

                                         IV

               Rose Araujo é quadrinista, professora de artes, escritora e designer gráfica, além de estar envolvida em projetos musicais. Paranaense, de Londrina, viveu muito anos no Rio de Janeiro, e, atualmente, reside em Niterói. Com graduação em Desenho Industrial, desenvolveu numerosos projetos gráficos, sobretudo nos âmbitos da fotografia, design e música.

               Começou sua carreira na ilustração em 1989, ilustrando para a Editora Agir o livro A Venda  do Sr. Vento, de Maria Helena Hess Alves, passando, a partir daí, a fazer diversas outras ilustrações de livros. Em 1994, lançou a agenda infantil Os Amigos da Lis: 365 dias de Ética, com tiras cômicas da personagem Lis, que criara em 1988, originalmente para um trabalho de faculdade.

               Como cartunista, começou em 1998 no jornal Extra e na revista dominical Canal Extra, com a tira cômica Os Amigos da Lis (publicada até 2012). Também participou de três volumes da coletânea Tiras de Letra: Até Debaixo d´Água (2008), Na Batalha (2009) e Nota Dez (2010). Em 2006, foi uma das representantes do Brasil na exposição As Mulheres Criadoras e Arte da Caricatura, que percorreu Peru, Espanha, Portugal, México, Itália, Cuba, Estados Unidos e China.

               Em 2011, publicou o livro Iscola… o Crime, que trazia uma coletânea das tiras de mesmo nome publicadas desde 2007 no jornal Graphiq. As tiras mostram o universo escolar com violência, bullying, dificuldade de aprendizagem e desvalorização do professor. Em 2012, foi indicada ao Troféu HQ Mix como melhor publicação de tiras pelo livro Iscola… o Crime. Em 2022, ganhou o Prêmio Angelo Agostini de melhor lançamento independente por Quarentena em Quadrinhos.

               Participou de várias antologias literárias, entre elas Um Brinde à Poesia, Niterói, 21 anos: pela paz e liberdade de ser, organizada por Lucília Dowsleley, para a Dowslley Editora (2020), obra patrocinada pela Prefeitura de Niterói. Aparece tambérm na VIII Coletânea Viagem pela Escrita (Volta Redonda, Editora PoeArt, 2021), organizada por Jean Carlos Gomes, em edição que homenageia o poeta Tanussi Cardoso.

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Quando Vida Poesia, de Rose Araujo, com prefácio/ensaio de Tanussi Cardoso,  texto de apresentação de Ricardo Alfaya e projeto gráfico da autora. Curitiba: Selo Inside/Editorial Casa, 72 páginas, R$ 37,00, 2022. E-mail da editora: contato@editorialcasa.com.br Site: www.editorialcasa.com.br E-mails da autora: rosearaujopoeta@gmail.com  rosearaujo007@yahoo.com.br (pedidos).

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(*) Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a Voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012),  Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br.

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