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Como educamos nossas crianças quando elas são rejeitas por suas aldeias?

Matheus Toscano
 

“É necessário uma aldeia inteira para educar uma criança”, diz um provérbio africano.

Nenhuma criança aprende e se desenvolve somente a partir de valores e conhecimentos oriundos exclusivamente da sua família nuclear. Toda a construção de seu ser é a somatória de todas as experiências de aprendizagem que essa criança terá com o contato com a comunidade (ou as comunidades) que a cerca.
 

Educar implica em preparar as crianças e adolescentes a partir da vida e para a vida e a escola adquire o papel e a dimensão de formar pessoas resilientes, socialmente empreendedoras e criativas, capazes de transformar as situações adversas em oportunidades para o bem-estar local e universal.
 

Porém, como fica o aprendizado de uma criança onde sua família nuclear e a escola, seu primeiro espaço de formação de cidadania, não entregam sentimentos de receptividade, percepção de igualdade, pertencimento simplesmente por serem diferentes?
 

No extremo, quem educa os meninos que são percebidos como “femininos” ou as meninas que são percebidas como “masculinas” nas escolas? Quem os defende? Quem cuida dos corpos considerados dissidentes, queers, anômalos que estão em nossas salas de aula?”
 

Como descrevi anteriormente, a escola é, por excelência, um dos primeiros e principais espaços de formação para a cidadania e de socialização para crianças, adolescentes e jovens. Seu papel fundamental é de um agente educacional e elo entre crianças e adolescentes, sociedade, entorno e consequentemente, o mercado de trabalho. Em uma concepção formal, essa “dissolução” dos muros da escola exige a ampliação do olhar para os significados de educação e de aprendizagem.
 

No entanto, na maioria das vezes ela se mostra incapaz de lidar com a diferença, em particular com as questões ligadas à sexualidade, à orientação sexual e deficiências físicas.
 

Paul Preciado, em seu livro “Um Apartamento em Urano: crônicas da travessia”, traz um artigo intitulado: “Quem defende a criança queer? Quem defende a criança diferente?” Nele, ele questiona qual modelo de criança é defendido pelas instituições. A criança como corpo docilizado em formação. Corpo obediente às normas e disciplinarizações, obviamente. Corpos de criança que fogem ao considerado normal, são problemáticos, punidos, tratados como anômalos e punidos com tratamentos medicamentosos, idas à diretoria, conversas com a coordenadora, até a temida reunião com os pais, para comunicar que a criança não se enquadra, não adere, não responde ao sistema padrão de reproduções humanas.
 

Crianças e jovens LGBTQIA+ encontram na escola um ambiente hostil e por isso, a probabilidade de não se sentirem seguros onde estudam é infinitamente maior. Passam a evitar atividades escolares, perdem aulas e chegam a deixar de frequentar regularmente o curso. Esse processo de exclusão faz com que os resultados de desenvolvimento cognitivo e sócio emocional desse grupo seja muito menor quando comparado a grupos de crianças e jovens não queers ou não diferentes.
 

A partir daí, nasce a reflexão: como educamos nossas crianças quando elas são rejeitas por suas aldeias?
 

Esse processo é amplo e vai além da integração, receptividade e respeito de cada ser humano. Ele passa por um pela transformação de como as pessoas, os sistemas educacionais, a formação de educadores, a sociedade e os ambientes de convivência enxergam e transformam suas realidades a partir do olhar e da perspectiva real do outro, principalmente quando o outro é uma criança em formação.
 

Atualmente, o conteúdo clássico difundido no currículo escolar é o capital cultural e intelectual que servirá como passe social. Porém, a conformação da sala de aula como único espaço de aprendizagem já não basta para as demandas do século 21. Ela precisa ser uma organização colaborativa e necessita desenvolver a sua atividade pedagógica com base em problemáticas reais, que priorizem o desenvolvimento de uma consciência plana, de harmonização pessoal, social, enxergando essa criança em todas as suas dimensões.
 

Para isso, mais do que educação em tempo integral, é necessário que passemos a reconhecer e defender uma educação integral que, além de contemplar o ser humano de forma integrada e integradora, pressupõe a diversidade dos espaços educativos como conceito fundamental para o envolvimento e responsabilidade de toda a “aldeia” na formação das novas gerações.
 

O senso de pertencer é um dos aspectos fundamentais dessa experiência social humana. Ele carrega em si uma carga significativa de segurança emocional e psicológica e não trata apenas de um reconhecimento identitário ou de posição social, ele transforma para sempre as relações pessoais em todas as esferas em TODAS as esferas da vida de uma criança, além de encorajá-la para um futuro de possibilidades inimagináveis.

Fecho esse texto lembrando de Milton Nascimento: em Coração de estudante: “Há que se cuidar do broto, para que a vida nos dê flor e fruto”.
 

“Flores e frutos” que com tempo e paciência reconstruirão novas aldeias.

Matheus Toscano, vice-presidente de operações da Rhyzos, holding do setor de educação que se dedica à transformação positiva do ensino, a partir do estímulo à capacitação e à adoção de novas metodologias

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