AGREEMENT OF NON-CRIMINAL PROSECUTION, ANALYSIS OF THE OBLIGATION OF CONFESSION AT THE POLICE, ACCORDING TO ART. 28-A OF THE CRIMINAL PROCEDURE CODE
Karenine Cristina Ferreira Pinto[1]
Laís Tamires de Carvalho Pinto[2]
RESUMO
O presente artigo objetiva expor considerações acerca do momento processual em que a “confissão formal e circunstanciada” do acusado, enquanto requisito objetivo para a propositura do Acordo de Não Persecução Penal pelo Ministério Público é apresentada. Para sua elaboração, a metodologia utilizada refere-se ao método qualitativo, no qual os dados são analisados indutivamente, sendo consideradas as interpretações do pesquisador, tendo como principal fonte, a análise de jurisprudências dos tribunais estaduais e superiores, assim como revistas e pesquisas recentes sobre o tema. Além disso, o tema é de relevância prática indiscutível, seja pela contemporaneidade da legislação, seja pelo volume de casos diários nas comarcas e a celeridade que a proposta do Acordo de Não Persecução Penal propicia, assim como pelo estabelecimento de segurança jurídica ao Estado.
Palavras-chave: Acordo de Não Persecução Penal; Confissão; Obrigatoriedade; Delegacia.
ABSTRACT
This article aims to expose considerations about the procedural moment in which the Public Prosecutor’s Office presents the Criminal Non-Persecution Agreement, based on the analysis of the “formal and detailed confession” of the accused. This being an objective requirement for its proposal.
For the elaboration of this article, a qualitative methodology was used, in which the data are analyzed inductively and the researcher’s interpretations are considered, having as the main source, the analysis of jurisprudence of the state and superior courts, as well as recent magazines and research. In addition, the issue is of undeniable practical relevance, either because of the contemporaneity of the legislation, or because of the volume of daily cases in the districts and the speed that the proposed Criminal Non-Prosecution Agreement provides, as well as the establishment of legal security for the State.
Keywords: Criminal Non-Prosecution Agreement; Confession; Obligatoriness; Police station.
1 INTRODUÇÃO
O Acordo de Não Persecução Penal, nos termos do Artigo 28-A do Código de Processo Penal, instituído com a implementação do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, de 2019) é um instituto que objetiva a extinção da punibilidade do acusado em virtude do cumprimento de condições propostas pelo Ministério Público, aceitas pelo investigado e homologadas em juízo.
De característica pré-processual, durante a fase de investigação policial, antes mesmo da propositura da ação penal com o oferecimento da denúncia, tendo o acusado cumprido determinados requisitos, cumulativos, o Ministério Público deve propor o Acordo de Não Persecução Penal, com condições de natureza jurídica de penas restritivas de direito ao acusado.
Problematiza-se, entretanto, que, entre os requisitos cumulativos à propositura do Acordo de Não Persecução Penal, exija-se a confissão formal e circunstanciada do investigado na Delegacia.
Portanto, o presente artigo pretende questionar, de maneira científica e fundamentada, o momento processual em que a confissão é exigida enquanto critério para que o acusado seja beneficiado com o Acordo de Não Persecução Penal, uma vez que o caput do artigo em discussão, traz os requisitos para que o Ministério Público deva oferecer o acordo de não persecução penal, como não ser o caso de arquivamento, confissão do acusado, crime com ausência de violência ou grave ameaça, pena mínima inferior a quatro anos, entre outros. Entretanto, não resta esclarecido o momento de exigibilidade da confissão formal e circunstanciada. Por conseguinte, tem-se uma lacuna legal que torna o requisito “confissão”, na prática, subjetivo, divergindo de seu caráter objetivo e específico.
Preliminarmente serão abordados temas de inerente entendimento para a compreensão do problema em discussão no presente artigo. Dessa forma, no primeiro tópico, serão abordadas generalidades do processo penal, a fim do esclarecimento das fases processuais existentes, vez que o Acordo de Não Persecução Penal, apesar de sua possibilidade de proposta em qualquer momento nos autos, a problemática aqui tratada aborda massiva maioria dos casos, onde a propositura é avaliada ao final do inquérito policial, antecedente e substituto à denúncia.
O segundo tópico, de forma objetiva, traz o conceito do Acordo de Não Persecução Penal, a sua instituição e a análise sobre a Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público que antecedeu o artigo 28-A do Código de Processo Penal. Seguinte, são pormenorizados os requisitos objetivos e subjetivos exigíveis para a propositura do Acordo pelo Ministério Público.
Findas análises acerca dos critérios para oferecimento do Acordo, são expostas as condições as quais pode o parquet, propor ao investigado, de maneira cumulativa ou alternativa, conforme previsão em extenso rol exemplificativo de condições, que, observados princípios da razoabilidade, assim como entendimento de contrapartida suficiente à conduta infracional.
Após, ainda dentro do tópico que visa o conceito do Acordo de Persecução Penal, é feito uma análise jurídica e doutrinária sobre a obrigatoriedade de oferecimento pelo Ministério Público, sendo este poder-dever e não mera discricionariedade. Ou, em hipótese divergente, tratar-se o Acordo de direito subjetivo do investigado.
No terceiro tópico, são abordados os princípios da presunção de inocência, contraditório e ampla defesa, norteadores do Processo Penal, entretanto, no presente artigo, são lidos de maneira a relacionar sua aplicabilidade no momento pré processual onde o Acordo de Não Persecução Penal é oferecido.
Em quarto tópico, adentrando especificamente à problemática, discute-se a obrigatoriedade da confissão, formal e circunstanciada, conforme condição do artigo 28-A do Código de Processo Penal, pelo investigado, em sede de Inquérito Policial, onde este tem seus direitos fundamentais e constitucionais abordados anteriormente, violados.
Por fim, de maneira resolutiva, é abordado a possibilidade de audiência própria para que o Ministério Público, analisadas demais condições para propositura do Acordo de Não Penal, ofereça ao investigado, proposta, e, ciente de seus benefícios, possa, ou não, assistido por defesa técnica, confessar formal e voluntariamente.
A fim da construção do presente artigo, utilizou-se o método qualitativo de pesquisa, no qual os dados são analisados indutivamente, considerando as interpretações do pesquisador. Para tanto, utilizou-se de contribuições bibliográficas e científicas, assim como o conteúdo doutrinário e jurisprudencial sobre o objeto de pesquisa.
Insta mencionar a relevância da pesquisa acerca da obrigatoriedade da confissão do investigado em Delegacia enquanto critério para oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal pelo Ministério Público e sua análise à luz de direitos e garantias fundamentais, a fim de tornar a prática jurídica progressivamente una, envolta de maior segurança jurídica.
2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROCESSO PENAL
Inicialmente, para o deslinde da presente pesquisa, necessário expor que, dividido em fases processuais, o Processo Penal, conforme AVENA (2023, p.2), é uma relação jurídica processual triangularizada pelos polos ativo e passivo e, dotado de imparcialidade, o juiz, a quem compete a resolução da lide.
Para tal, necessário um procedimento, ou seja, uma sequência de atos. No Processo Penal, cada rito possui suas peculiaridades, mas generalidades, têm em comum a fase acusatória, de defesa, probatória e a partir do construído anteriormente, fase de julgamento.
2.1 O Inquérito Policial
Conforme artigo 4º do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por finalidade, a apuração das infrações penais e da sua autoria”.
Do exercício do poder de polícia extrai-se o Inquérito Policial, assim definido doutrinariamente:
É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal tenha condições de ingressar em juízo dispondo de elementos informativos (CPP, art. 4º). Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para a formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares. (CAPEZ, 2022, p.49)
Além disso, segundo elenca Fernando Capez (2022, p.51) são características do Inquérito Policial: o procedimento escrito, sendo inconcebível a ideia de uma investigação verbal, seja pela inviabilidade, seja pela previsão legal do art. 9º do CPP –“Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade,” (BRASIL, 1941); o caráter oficial, regido pelo princípio da oficialidade e a oficiosidade, vez que sua instauração independe de provocação, sendo inclusive, determinadas situações, obrigatórias; a autoritariedade, a indisponibilidade, extraída da vedação de arquivamento pela autoridade policial, conforme art. 17 do CPP –“A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.” (Brasil, 1941), de caráter sigiloso, nos termos do art. 20 do CPP –“A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade” (Brasil, 1941) e em relevante destaque, inquisitivo.
O teor inquisitivo deve-se ao fato de que todo o procedimento é concentrado nas mãos da autoridade policial, a qual dispõe de determinada e suficiente autonomia, com a qual procederá à elucidação dos fatos de maneira a comprovar autoria e materialidade:
Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias se concentram nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria. É característica oriunda dos princípios da obrigatoriedade e da oficialidade da ação penal. É secreto e escrito, e não se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois, se não há acusação, não se fala em defesa. (Pet 7612/DF, rel. Min. Edson Fachin, j. 12-3-2019).
Dispõe sobre o a característica sigilosa do inquérito, não apenas em virtude do interesse social na elucidação dos fatos, mas também sobre a proteção dos dados e à presunção de inocência do acusado:
A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (CPP, art. 20). O direito genérico de obter informações dos órgãos públicos, assegurado no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal, pode sofrer limitações por imperativos ditados pela segurança da sociedade e do Estado, como salienta o próprio texto normativo. O sigilo não se estende ao representante do Ministério Público, nem à autoridade judiciária. No caso do advogado, pode consultar os autos de inquérito, mas, caso seja decretado judicialmente o sigilo na investigação, não poderá acompanhar a realização de atos procedimentais (Lei n. 8.906/94, art. 7º, XIII a XV, e § 1º – Estatuto da OAB) […]Não é demais afirmar, ainda, que o sigilo no inquérito policial deverá ser observado como forma de garantia da intimidade do investigado, resguardando-se, assim, seu estado de inocência. (CAPEZ, 2022, p.53)
Após findadas as investigações, a autoridade policial encaminha os autos ao Ministério Público, a quem caberá a análise dos fatos ali descritos.
Nesse crucial momento, poderá o Ministério Público: arquivar, caso entenda pelo não preenchimento de requisitos da ação, pela incidência de prescrição ou decadência, assim como por entendimento pela atipicidade da conduta ou demais teses, não sendo vinculado à conclusão dada pelo Delegado em sede de Inquérito.
Além disso, poderá também o órgão de acusação, caso entenda pela procedibilidade da conduta enquanto criminosa e punível, poderá denunciar ou, conforme objeto do presente artigo, apresentar o Acordo de Não Persecução Penal.
3 CONCEITO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
O Acordo de Não Persecução Penal, instituído pelo art. 28-A do Código de Processo Penal (BRASIL,1941), de vigência a partir de 2019, em suma, define-se por um acordo bilateral entre investigado e acusação, onde, mediante o cumprimento de determinadas condições, o acusado exime-se da persecução penal, tendo extinta sua punibilidade.
Dispõe, didaticamente, de maneira conceitual, Capez (2022, p.22) sobre o tema:
A Lei n. 13.964/2019, incluiu no CPP o art. 28-A, disciplinando o acordo de não persecução penal, negócio jurídico bilateral cuja finalidade é evitar a instauração do processo, sempre que não for caso de arquivamento do inquérito, o investigado tiver confessado formal e circunstancialmente a prática da infração penal, e que esta tenha sido cometida sem violência ou grave ameaça à pessoa e desde que a pena mínima seja inferior a quatro anos. Preenchidos tais requisitos e cumpridas integralmente as condições impostas pelo acordo (CF. CPP, art. 28-A, I a V), o juiz declarará extinta a punibilidade do agente (CPP, art. 28-A, § 13). (CAPEZ, 2022, p.22).
Dessa forma, não apenas o investigado se beneficia com a extinção da punibilidade, mas também o Ministério Público se exime de toda a persecução penal, sem que isso seja sinônimo de inimputabilidade.
3.1 Resolução 181 CNMP e o acordo de não persecução penal
Apesar de instituído em 2019, acordo com termos idênticos já eram aplicados em menor abrangência, dada previsão junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), sendo este, constitucionalmente competente a autorregulação, razão pela qual pode promover a expedição de “atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências”, conforme art. 130-A, § 2º, inciso I, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Portanto, em sua independência funcional, o Ministério Público, anterior à inclusão do Acordo de Não Persecução Penal ao Código de Processo Penal, já era instruído à sua aplicabilidade. Dispõe sobre o funcionamento dele, anteriormente, Resolução nº. 181/2017:
Em 2017, foi expedida a Resolução nº. 181/2017 pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que, em seu art. 18, orientava as promotorias de justiça criminal a não denunciar os suspeitos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, desde que tenham concordado em confessar os delitos, de forma suficiente, bem como atender a uma série de obrigações. Tratava-se de um contrato estabelecido entre o suspeito e o Parquet e que seria incluso nos autos, cujo cumprimento implicaria o pedido de arquivamento do expediente à autoridade judicial; seu inadimplemento, por sua vez, ensejaria o ajuizamento da denúncia respectiva. Tratava-se acordo restrito às partes, sem qualquer participação do Poder Judiciário a respeito das suas condições (BRASIL, 2017).
Assim como os institutos da suspensão condicional do processo e transação penal, trazidos pela Lei 9099/95, o Acordo de Não Persecução Penal adotou características despenalizadoras e utilitaristas, apoiadas, principalmente, nos princípios da celeridade e economia processual.
Define a instituição do Acordo de Não Persecução Penal Barros (2018, p.118), enquanto instituto despenalizador componente da justiça restaurativa, que, em virtude do seu objetivo de celeridade, evita que processos se prolonguem por anos e defende a influência desta para findo o sentimento social de impunidade vivido quanto à aplicabilidade do Direito Penal no Brasil.
3.2 Requisitos objetivos e subjetivos para oferecimento do acordo de não persecução penal
Em análise do art. 28-A do Código de Processo Penal, de maneira pura e literal, são extraídos requisitos objetivos e subjetivos, cumulativos, para a propositura do Acordo de Não Persecução Penal pelo órgão Ministerial ao investigado: 1) Não ser o caso de arquivamento. 2) Confissão formal e circunstanciada do investigado. 3) Sem violência ou grave ameaça e 4) Pena mínima inferior a 4 (quatro) anos. (BRASIL, 2019).
Vez tratar-se de protagonismo do Ministério Público, conseguinte de que este é responsável pelo crivo dos requisitos objetivos e subjetivos do investigado antecedentes à propositura do Acordo de Não Persecução Penal, disciplina sobre o tema, o Promotor Vilhena Junior e o ex-Procurador Geral de Justiça, Cleber Masson:
a)tratar-se de fato típico, antijurídico, que apresente indícios ou provas suficientes para o início da ação penal. O que significa que, caso haja recusa do investigado em aceitar o acordo proposto, salvo prova nova, a denúncia terá que ser obrigatoriamente oferecida, pois, se for o caso de arquivamento, não poderá haver proposta de ANPP;
b)tratar-se de infração penal cometida sem violência ou grave ameaça;
c)ser a pena mínima cominada inferior a 04 anos (consideradas as causas de aumento (menor aumento) e diminuição (maior diminuição) incidentes no caso concreto);
d)ter o beneficiado confessado a prática da infração penal de maneira formal (registrada em papel ou preferencialmente em vídeo), abrangendo todas as suas circunstâncias;
e)mostrar-se a ANPP suficiente para a reprovação e prevenção do crime, avaliadas as circunstâncias do caso concreto;
f)não ser o caso de transação penal (Lei 9.099/1995);
g)não ser reincidente e não possuir conduta criminal habitual, reiterada, exceto em caso de infrações insignificantes;
h)não ter sido beneficiado nos últimos 05 anos por ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo;
i)não se tratar de crime que envolva violência doméstica ou familiar. (MASSON, VILHENA JR, 2022, p.43)
Portanto, ainda que o agente seja consciente da existência do benefício do acordo de não persecução penal, estando ele prestando declarações à Autoridade Policial durante o inquérito, por, dentre os acima mencionados requisitos, existirem aqueles de esfera subjetiva, é improvável que o investigado saiba, anteriormente à manifestação Ministerial, se faz jus ao benefício.
3.3 Condições estabelecidas em acordo de não persecução penal
Atendidos critérios objetivos e subjetivos de propositura do Acordo de Não Persecução Penal, o Ministério Público, apresentará ao investigado, proposta que, se aceita e judicialmente homologada, cumprida em seus exatos termos, será declarada sua extinção da punibilidade em virtude do cumprimento da obrigação.
Portanto, ainda que assumindo natureza de pena privativa de liberdade, decorrente de decisão extintiva de punibilidade pelo cumprimento da obrigação, não restará qualificado registro, à caracterização de reincidência, permanecendo o agente, conforme sua certidão de antecedentes criminais (CAC), primário. Elenca a seguir as condições alternativas ou cumulativas a disposição da interpretação de gravidade da conduta pelo parquet:
a)ter reparado, ou comprometer-se o beneficiado a reparar o dano causado pela infração penal (ainda que parceladamente), ou restituir a coisa à vítima, salvo comprovada impossibilidade de fazê-lo;
b)renúncia a bens ou direitos como instrumentos, produto ou proveito da infração penal;
c)cumprir condição similar à pena alternativa, como a prestação de serviços à comunidade por período correspondente à pena cominada diminuída de um a dois terços; e/ou pagar prestação pecuniária, nos termos do art. 45 do CP, à entidade que tenha preferencialmente como função proteger os bens jurídicos relacionados à infração penal cometida;
d)comunicação ao juízo de qualquer mudança de endereço, telefone ou e-mail;
e)comprovação ao juízo do cumprimento das condições, ou de eventual impossibilidade de cumprir, sem prévia notificação.
Admite-se a fixação de outras condições desde que proporcionais e compatíveis com a infração penal praticada, como, por exemplo, a suspensão da CNH ou a frequência obrigatória a cursos educativos ou entidade de auxílio como os Alcoólicos Anônimos. (MASSON, VILHENA JR, 2022, p.43).
Tais condições, são estipuladas em Acordo de Não Persecução Penal, de maneira escrita e, se aceito pelo investigado, acompanhado de defesa técnica, assim como, homologado perante o juízo, após cumprimento, impõem sua extinção.
3.4 Poder-dever do ministério público ou direito subjetivo do investigado
Em suma, o Acordo de Não Persecução Penal não visa beneficiar exclusivamente os interesses do investigado ou do órgão de Acusação, mas também da sociedade em um todo. Isso porque, quando processos menos complexos são retirados da redoma judiciária, o volume de processos torna-se menos intenso e, dada celeridade trazida pelas inovações tecnológicas, assim como a virtualização dos autos, a perspectiva é de que a sociedade seja diretamente beneficiada com o bom funcionamento de um dos três poderes do Estado: o Judiciário.
Dadas as bénéfices trazidas pelo Acordo de Não Persecução Penal, além da esfera individual de cada caso, questiona-se a obrigatoriedade de seu oferecimento enquanto um dever do Ministério Público, sendo portanto, um direito subjetivo do investigado ou, um poder do órgão de acusação, que discricionariamente e de maneira autônoma pode, em conformidade com os requisitos legais, optar pelo oferecimento:
Dispõe o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Rogério Schietti Cruz (Brasil,2021) sobre não se tratar o Acordo de Não Persecução Penal um direito subjetivo do investigado, sequer de mera liberalidade do Ministério Público, mas sim, de um poder-dever desse órgão:
Não foi feito com o propósito específico de beneficiar o réu – como se daria em caso de norma redutora da punibilidade ou concessiva de benefício penal –, mas para beneficiar a justiça criminal em sua integralidade, compreendidos, é certo, também os interesses dos investigados. Na verdade, o novel instituto traz benefícios tanto ao investigado quanto ao Estado, visto que ambos renunciam a direitos ou pretensões em troca de alguma vantagem: o Estado renuncia a obter uma condenação penal, em troca de antecipação e certeza da resposta punitiva; o réu renuncia a provar sua inocência, mediante o devido processo legal (com possibilidade de ampla defesa, contraditório e direitos outros, como o direito ao duplo grau de jurisdição), em troca de evitar o processo, suas cerimônias degradantes e a eventual sujeição a uma pena privativa de liberdade.
Todavia, se, por um lado, não se trata de direito subjetivo do réu, por outro, também não é mera faculdade a ser exercida ao alvedrio do Parquet. O ANPP é um poder-dever do Ministério Público, negócio jurídico pré-processual entre o órgão (consoante sua discricionariedade regrada) e o averiguado, com o fim de evitar a judicialização criminal, e que culmina na assunção de obrigações por ajuste voluntário entre os envolvidos.
Como poder-dever, portanto, observa o princípio da supremacia do interesse-público – consistente na criação de mais um instituto despenalizador em prol da otimização do sistema de justiça criminal – e não pode ser renunciado, tampouco deixar de ser exercido sem fundamentação idônea, pautada pelas balizas legais estabelecidas no art. 28-A do CPP. (BRASIL, 2021)
Aborda sobre a natureza jurídica de um poder-dever e sua obrigatoriedade enquanto ferramenta de defesa dos interesses da sociedade Di Pietro:
Precisamente por não poder dispor dos interesses públicos cuja guarda lhes é atribuída por lei, os poderes atribuídos à Administração têm o caráter de poder-dever; são poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissão. Assim, a autoridade não pode renunciar ao exercício das competências que lhe são outorgadas por lei; não pode deixar de punir quando constate a prática de ilícito administrativo; não pode deixar de exercer o poder de polícia para coibir o exercício dos direitos individuais em conflito com o bem-estar coletivo; não pode deixar de exercer os poderes decorrentes da hierarquia; não pode fazer liberalidade com o dinheiro público. Cada vez que ela se omite no exercício de seus poderes, é o interesse público que está sendo prejudicado. […] Embora o vocábulo poder dê a impressão de que se trata de faculdade da Administração, na realidade trata-se de poder-dever, já que reconhecido ao poder público para que o exerça em benefício da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis.” (DI PIETRO, 2014, p.67-68 e 90).
Uma vez entendido enquanto poder-dever do órgão ministerial, não é passível de renúncia ou delegabilidade, assim como restringe interpretação que entende por tratar o Acordo de Não Persecução Penal, estratégia da acusação em fomento ao sistema inquisitorial, adiante abordado.
4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS À LUZ DOS REQUISITOS PARA A PROPOSITURA DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
4.1 Princípio da presunção de inocência
Precipuamente prevê o art. 5º, inciso LVII da Constituição Feral (BRASIL, 1988), que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Posteriormente, parte de uma análise constitucional LOPES JR (2023, p.42) do estudo de VEGAS TORRES (1993, p.35 e s), para dispor sobre o princípio da presunção de inocência:
a) É um princípio fundante, em torno do qual é construído todo o processo penal liberal, estabelecendo essencialmente garantias para o imputado frente à atuação punitiva estatal;
b) É um postulado que está diretamente relacionado ao tratamento do imputado durante o processo penal, segundo o qual haveria de partir-se da ideia de que ele é inocente e, portanto, deve reduzir-se ao máximo as medidas que restrinjam seus direitos durante o processo (incluindo-se, é claro, a fase pré-processual);
c) Finalmente, a presunção de inocência é uma regra diretamente referida ao juízo do fato que a sentença penal faz. É sua incidência no âmbito probatório, vinculando à exigência de que a prova completa da culpabilidade do fato é uma carga da acusação, impondo-se a absolvição do imputado se a culpabilidade não ficar suficientemente demonstrada. (LOPES JR, 2023, p.42, grifo nosso).
Além disso, LOPES JR (2023, p.43), aborda as três dimensões da presunção da inocência, sendo elas, a presunção de inocência enquanto norma de tratamento, devendo o investigado ser tratado como inocente de fato, sendo-lhe passível a aplicabilidade de prisões cautelares apenas em última ratio. Outra dimensão trazida pelo autor, é a interpretação enquanto norma probatória, devendo a acusação arcar, em caráter exclusivo, com o ônus da produção de prova incriminadora. Por fim, a presunção de inocência enquanto norma de julgamento, norteando a interpretação do julgador pelos princípios do “in dubio pro reo” e do “favor rei”.
4.2 Direito ao contraditório e à ampla defesa
Além da Presunção de Inocência, é inerente ao entendimento da violação principiológica da obrigatoriedade da confissão na delegacia enquanto critério para o oferecimento do acordo de não persecução penal, o entendimento dos direitos ao contraditório e ampla defesa, norteadores do processo penal à partir de sua fase instrutória.
Assim, comparado ao funcionamento de um jogo por LOPES JR (2023, p.44), o princípio do contraditório trata-se de oportunizar à outra parte, jogar:
O contraditório é observado quando se criam as condições ideais de fala e oitiva da outra parte, ainda que ela não queira utilizar-se de tal faculdade.
[…] o contraditório exige que o juiz esteja colocado em um lugar (na estrutura dialética do processo, ou seja, de afastamento, estranhamento) que lhe permita efetivamente tratar as partes com igualdade de atenção e condições de captura psíquica. É uma disponibilidade cognitiva que se situa em antítese à contaminação e pré-juízos. Tal temática dialoga intensamente com a “imparcialidade” judicial. (LOPES JR, 2023, p.44).
Nas idas do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988): “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, presente previsão do direito ao contraditório, assim como invoca, o direito à defesa técnica:
A defesa técnica é considerada indisponível, pois, além de ser uma garantia do sujeito passivo, existe um interesse coletivo na correta apuração do fato. Trata-se, ainda, de verdadeira condição de paridade de armas, imprescindível para a concreta atuação do contraditório. (LOPES JR, 2023, p.44).
Desta forma, a ampla defesa ou, direito à defesa técnica, que doutrinariamente divide-se, conforme LOPES JR (2023, p.49) em dupla dimensão: técnica, enquanto garantidora de paridade de armas à acusação e dimensão pessoal, dividida esta, em positiva e negativa. A defesa técnica positiva é a que permite o investigado, ativamente participar da sua própria defesa, nesse mesmo diapasão, a negativa, insurge ao Direito ao silêncio.
O direito ao silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, insculpida no princípio Nemo tenetur se detegere, segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório. Sublinhe-se: do exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado. Destarte, através do princípio do Nemo tenetur se detegere, o sujeito passivo não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminá-lo ou prejudicar sua defesa. LOPES JR (2020, p.713)
Conforme decisão jurisprudencial (BRASIL, 2019), durante a fase de inquérito policial, não existem determinações legislativas que implicam obrigatoriedade do Delegado de ceder ao direito do contraditório e ampla defesa do investigado, possibilitando-o efetiva participação e defesa nos autos. Isso porque, apenas as informações ali contidas, já não são entendidas enquanto suficientes à condenação.
Essa também é a narrativa, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes, no mesmo acórdão, do Supremo Tribunal Federal:
Destaco que a norma do art. 7º, XXI, da Lei 8.906/94, prevê a assistência dos advogados aos investigados durante a realização dos interrogatórios e depoimentos de seus clientes, não estendendo essa prerrogativa aos depoimentos e interrogatórios dos demais investigados e testemunhas. A legislação vigente não avança para reproduzir, no âmbito do inquérito policial, o modelo processual vigente na ação penal, no qual todas as provas são produzidas com a possibilidade de ciência, acompanhamento e participação dos acusados e de sua defesa (autodefesa e defesa técnica), inclusive com a formulação de perguntas diretamente às testemunhas e de esclarecimentos realizados por intermédio do juiz durante os interrogatórios dos corréus (arts. 188 e 212 do CPP). (BRASIL, 2019, grifo nosso)
Portanto, além do óbice de menoridade dos casos criminais serem patrocinados por defesa técnica, existe proscrição quanto à paridade de armas durante o Inquérito Policial, absolutamente justificável por, entre outros argumentos mais complexos, a primazia do interesse social na elucidação dos fatos de natureza criminal, assim como, tal permissividade, restaria moroso à conclusão do inquérito, assim como o é em relação à instrução das ações penais.
5 A OBRIGATORIEDADE DA CONFISSÃO NA DELEGACIA
Concatenando os conceitos da presunção de Inocência, contraditório e ampla defesa ao requisito de obrigatoriedade da confissão formal e circunstanciada do investigado, em sede policial, conforme aplicado por interpretação do art. 28-A do CPP (BRASIL, 1941), vê-se a relativização de princípios determinados enquanto Garantias Fundamentais sendo relativizados em virtude de um acordo pré-processual, onde ainda não há outras provas além das produzidas inquisitivamente pela autoridade policial.
Ao se discorrer sobre a confissão como instrumento de antecipação de culpa no processo penal, é importante analisar alguns aspectos que se relacionam com essa temática. Nesse contexto, indaga-se a respeito da aplicabilidade do princípio da presunção de inocência às hipóteses em que o imputado se declara culpado durante a celebração de acordos criminais. O princípio da presunção de inocência, elevado ao patamar de garantia fundamental, encontra guarida no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que dispõe sobre a permanência do estado de inocência do acusado até o trânsito em julgado da sentença condenatória[C1] .(BIANCHI; REIS JUNIOR, 2022).
Conforme narra Bianchini (2022), mencionando em sua obra, Cunha (2020), o objetivo do Acordo de Não Persecução Penal não tem por objetivo antecipar a culpa ou impor pena antecedente ao processo. Somente refere-se às condições para integral cumprimento em juízo. Portanto, para Bianchini (2022), essa corrente defende a não obrigatoriedade da confissão na delegacia, tendo em vista o direito a não autorincriminação em virtude de antecipação do que viria apenas com a persecução penal e o juízo de culpa.
Acrescenta-se, ainda, que, pelo princípio da presunção de inocência, o ônus da prova recai exclusivamente sobre a acusação. Logo, ao se exigir a confissão, o Estado estaria passando o ônus probatório ao imputado, todavia, ele não é obrigado a produzir provas contra si mesmo, haja vista que essa incumbência é do órgão acusador. (BIANCHI; REIS JUNIOR, 2022).
Continua, na mesma linha de BIANCHI; REIS JUNIOR (2022), dispõem FABRETTI; VELLOZO (2019) e MASI (2020), ao afirmarem que além da violação dos princípios de presunção de inocência, contraditório e ampla defesa, o direito ao silêncio também é sujeito à renúncia. Isso porque, ao utilizá-lo, ainda que garantido nenhum prejuízo probatório e vedação de sua utilização enquanto elemento à condenação, para a propositura de um acordo pré processual, que não adentra conjunto probatório, assim como não considera nenhum outro elemento além dos requisitos da ação e do oferecimento da proposta, resta enquanto óbice.
Além das divergências principiológicas, uma vez que a confissão na Delegacia gera elemento probatório ao restante dos autos, assumindo o investigado, o ônus probatório da ação, sendo utilizada esta confissão como elemento de convencimento do juízo em sua decisão, ainda que resguardado com eventual previsão em sentido contrário, uma vez já contaminado com a prova, o magistrado perde sua característica precipuamente imparcial.
Acostado no desconhecimento da população sobre o instituto do Acordo de Não Penal, dispõe sobre a complexidade da situação quando da prisão em flagrante, por exemplo:
Os sujeitos autuados em flagrante são levados à delegacia e lá, por regra, ficam desassistidos, não havendo, na maioria dos casos, a presença da defesa técnica na fase de elaboração do Auto de Prisão em Flagrante, especialmente no âmbito da criminalidade comum.
As possibilidades de negociação hoje admitidas no processo penal não são de sabença comum, tanto mais porque não há previsão legal da incumbência da Polícia Judiciária de informar ao Autuado acerca da possibilidade de oferecimento de ANPP. (BRASIL, 2021).
Conforme Cabral (2020), o acusado, em sede de inquérito policial, não é passível exigir-se confissão, uma vez que ele, via de regra, sequer tem conhecimento dos benefícios ou prejuízos que esse instituto vai acarretar. Sendo assim, o Ministério Público, quando do oferecimento do acordo, conforme a corrente defendida pelo autor, não poderia exigir a confissão no inquérito, enquanto critério.
Portanto, seja por regulamentação normativa relativamente nova, seja por autonomia funcional do órgão de acusação e seus membros ou por mínimos os casos onde, assistidos pela defesa técnica, os investigados foram oportunizados ao duplo grau de jurisdição, apenas recentemente, tribunais estaduais e superiores têm fixado entendimento no sentido da inexigibilidade da confissão na delegacia enquanto critério para o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal.
E, apenas em 30 (trinta) de agosto de 2022, foi publicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, entendimento pacífico sobre o tema de ementa:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. PODER-DEVER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE CONFISSÃO NO INQUÉRITO POLICIAL. NÃO IMPEDIMENTO. REMESSA DOS AUTOS À PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. INTELIGÊNCIA DO ART. 28-A, § 14, DO CPP. NECESSIDADE. ORDEM CONCEDIDA. (BRASIL, 2022).
A decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de relatoria do Ministro Rogério Schietti, dispõe que:
Ao exigir a existência de confissão formal e circunstanciada do crime, o novel art. 28-A do CPP não impõe que tal ato ocorra necessariamente no inquérito, sobretudo quando não consta que o acusado – o qual estava desacompanhado de defesa técnica e ficou em silêncio ao ser interrogado perante a autoridade policial – haja sido informado sobre a possibilidade de celebrar a avença com o Parquet caso admitisse a prática da conduta apurada.
(BRASIL, 2022, grifo nosso)
Conforme Schietti (2022), a exigência da confissão do investigado em sede de inquérito policial é inviável, tendo em vista a subjetividade de alguns critérios que estão sujeitos à análise do Ministério Público. Algumas vezes, até mesmo desacompanhado de defesa técnica, o investigado quando é ouvido pela autoridade policial, sendo requerida sua confissão, recai-se na autoincriminaçã, em violação à garantia tão fundamental.
No mesmo sentido da problemática apresentada pelo acórdão, quando se diz sobre a declaração do investigado sem defesa técnica (tendo em vista sua faculdade), assim como desconhecimento do benefício (BRASIL,2022), exemplificam BITTAR e SOARES (2021, p.57), a hipótese de que o Parquet atribua classificação jurídica mais gravosa ao fato do que a indiciada pelo Delegado ou, no mesmo viés, entenda, subjetivamente insuficiente a medida para a reprovação e prevenção do prime.
6 A CONFISSÃO EM AUDIÊNCIA PRÓPRIA
Portanto, uma vez afastada a exigibilidade da confissão do investigado na Delegacia enquanto critério para o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal ao investigado, resta disposto jurisprudencialmente o dever do Ministério Público, em audiência designada para esse fim, que proceda, caso atendidos aos demais requisitos do art. 28-A do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), à explanação ao investigado e sua defesa técnica, sobre a possibilidade de acordo mediante a confissão, formal, circunstanciada e voluntária.
Inclusive, indo além, entende Lobato de Carvalho (2020, p.247-261) pela realização de uma audiência extrajudicial, em sede própria do Ministério Público, não divergindo porém, do entendimento dos tribunais:
Contudo, quando a lei exige a confissão do acusado, formal e circunstanciada, para que possa se beneficiar do acordo, não está exigindo um reconhecimento expresso de culpa pelo investigado no momento da lavratura do auto de prisão em flagrante ou na fase investigativa. É imperativo que a proposta seja dirigida ao réu e seu defensor, preenchidos os demais requisitos, para que aí sim possa ser avaliada a conveniência e oportunidade de assumir formalmente a responsabilidade pelo crime a ele imputado.
Na verdade, a confissão formal e circunstanciada é condição a ser imposta ao investigado para a concretização do acordo, devendo ser dirigida ao Ministério Público, na oportunidade da formalização do ANPP. O Ministério Público, diante da possibilidade de acordo, deve promover uma entrevista com acusado a fim de colher sua manifestação sobre a aceitação voluntária, mediante a confissão do suposto fato delituoso.
Assim, caso haja a confissão na fase investigativa deve ocorrer a sua confirmação perante o Ministério Público no momento da formalização do ANPP. Por outro lado, mesmo que não haja confissão perante a autoridade policial, preenchidos os requisitos legais, deve o Ministério Público apresentar proposta de ANPP, sendo certo que a confissão formal é uma das condições para a sua formalização e será colhido no momento desta. (BRASIL, 2021,grifo nosso).
Uma vez que a literalidade do artigo não dispõe o momento exato de sua exigibilidade, sendo figura interpretativa sujeita à problemática situação, semelhante à exigibilidade da confissão em Delegacia, não restam findados os estudos sobre seus aspectos e ritos, apenas avançado reconhecimento de sua imprescindibilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo discutiu a exigibilidade da confissão formal e circunstanciada do acusado na Delegacia enquanto pré-requisito para o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal pelo Órgão Ministerial.
Abordada fase inquisitorial do processo penal, foram expostas suas características que além de função reguladora de seu funcionamento, justificam a não aplicabilidade de princípios inerentes ao curso da ação penal, estão em seus elementos a exigibilidade de um procedimento escrito, oficial, não passível de arquivamento pela autoridade policial, vez que traria viés para imparcialidade.
Assim como, o sigilo da investigação infere proporção inversamente proporcional às garantias fundamentais de ampla defesa e contraditório. Afinal, em fase tão primária, de prevalência do indubio pro societati, é de comum e social interesse a conclusão e constatação dos fatos, em sua forma mais imparcial possível, sem que haja tendência à defesa na hipótese de dúvida, vez que esta será proporcionada nos princípios que nortearão o processo penal e as decisões judiciais seguintes.
Vez que o Ministério Público, apesar de entendido frequentemente enquanto órgão de acusação, frequentemente assim tratado em obras jurisprudenciais, goza de autonomia funcional e, caso concluído inquérito, for de seu entendimento o arquivamento, a este, ele o procederá. Isso porque não existe interesse “pessoal” da Instituição Ministério Público na condenação do investigado. Essa existe, de maneira exemplificada, na acusação em um processo de ação privada. Aqui, em ação pública incondicionada, ou condicionada à representação, essencialmente no findar das investigações e início do processo penal, o interesse ministerial é a defesa do interesse da sociedade em reprimir infrações criminais e evitar a impunidade.
Assim sendo, os princípios que regem o Inquérito Policial são, via de regra, incompatíveis com os direitos e garantias fundamentais do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência. E ainda assim, tem-se dessa forma para melhor elucidação dos fatos e primazia dos interesses sociais, não representando, nesse momento processual, nenhuma inconstitucionalidade
Adiante, verificado consensual e atual entendimento jurisprudencial sobre o tema _a obrigatoriedade da confissão do acusado na Delegacia enquanto critério para o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal em virtude de pacificadas decisões dos Tribunais Superiores sobre o assunto, entretanto, ainda se trata de relevante discussão e pesquisa este objeto, tendo em vista a ausência de rito uno entre a teoria e a prática, assim como a insegurança jurídica que decorre de, além do caráter subjetivo que a condição da “confissão” assume, também se subsidia na falha quanto a garantia à defesa técnica do investigado.
A ampla defesa, de robusta fundamentação constitucional, encontra barreiras práticas que são superficialmente mencionadas no discorrer do artigo. Vez que um dos motivos expostos para a inviabilidade do momento de confissão ser em inquérito policial em razão do desconhecimento do instituto, seus benefícios e condições. Assim como os impactos jurídicos que a hipótese da confissão acarretaria.
Ainda com a exigibilidade de “ninguém pode se escusar do conhecimento legal”, vez que o instituto traz também elementos subjetivos, imprevisíveis de interpretação ainda que acompanhado de devida defesa técnica, o investigado.
Assim, concluídos os objetivos do artigo, que visavam considerações acerca dos requisitos à serem analisados pelo Ministério Público quando do oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal ao investigado, nos termos do artigo 28-A do Código de Processo Penal, especificamente, a obrigatoriedade da confissão formal e circunstanciada do acusado na Delegacia.
Portanto, vez que fundadas jurisprudências e doutrinas sobre o tema, depreende-se uníssono o entendimento quanto a não obrigatoriedade da confissão do acusado na Delegacia. Seja por violação aos direitos fundamentais, seja pelo momento processual onde a confissão traria juízo de culpa ao investigado, sem que necessário fosse a produção de provas contra si.
Assim, majoritariamente entende a comunidade jurídica, que a confissão, formal e circunstanciada, seja posterior ao crivo quanto ao oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal ao investigado pelo Ministério Público, tendo em vista que, desta forma, maiores seriam as garantias fundamentais preservadas, em detrimento de nula contraprestação.
Isso porque, ao viabilizar o acesso do investigado aos termos do Acordo de Não Persecução Penal, o órgão ministerial, na hipótese de aceitação, se abstém da persecução penal da mesma forma em que proporciona ao investigado (ainda que não na mesma intensidade e proporção), sendo responsável pela diminuição do volume de processos judiciais, por tornar mais célere o processo, assim como, por proporcionar uma resposta imediata da jurisdição ante à conduta infracional do agente.
REFERÊNCIAS
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[1]Aluna de Graduação do curso de Direito no Centro Universitário UNA de Bom Despacho-MG. E-mail: kareninebd@gmail.com
[2]Aluna de Graduação do curso de Direito no Centro Universitário UNA de Bom Despacho-MG. E-mail: lais.tamires26@gmail.com