Adilson Luiz Gonçalves Colunistas Crônicas

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES

            Esse texto nada tem a ver com música de protesto, mas creio servir no caso da tragédia recente.

            Quando aluno de Engenharia, aprendi que devem ser evitadas construções em encostas, pelo risco de escorregamentos, e fundos de vale, pela possibilidade de inundações. Também aprendi que ela evita/resolve qualquer problema, desde que haja recursos, pois obras de drenagem e contenção são caras, sua execução incomoda, precisam de manutenção e são imediatamente ignoradas, se funcionam bem. Daí alguns gestores públicos só pensarem no assunto quando já é a gota d’água.

            Escorregamentos e inundações acontecem independentemente da presença ou ação humana, mas tendem a ser agravados por ocupações desordenadas e fiscalizações deficientes. Além disso, não se pode contar com a sorte, pois ainda não temos meios suficientemente eficientes para prever a ocorrência e intensidade de eventos climáticos e geológicos.

            Em Santos, havia um histórico dramático de deslizamentos em morros. No final dos anos de 1980, foi realizado um levantamento de riscos geológicos a partir do qual a Prefeitura passou a promover ações para remoção de habitações em áreas problemáticas e obras de drenagem e contenção. As gestões posteriores mantiveram essa postura, com significativa redução de ocorrências graves.

            Na área plana, embora a área insular de Santos conte com uma rede bastante ampla, existem pontos de alagamento crônicos, agravados em caso de coincidência de maré alta com chuvas intensas e prolongadas.

            Obras estão em andamento na Zona Noroeste e entrada da cidade, que incluem bombeamento. Provavelmente essa será a futura solução para a Ilha de São Vicente.

Santos também tem sido pioneira em questões relativas ao enfrentamento das mudanças climáticas, com reconhecimento internacional. Isso se deve em grande parte aos riscos a que nossa orla está exposta, com ressacas cada vez mais intensas, frequentes e destrutivas, além das previsões de elevação do nível do mar.

            Foram essas ressacas, associadas a temporais, que resultaram na tragédia que afetou praticamente todo o Litoral Paulista, com ênfase em São Sebastião.

            Como sempre, a solidariedade se faz presente! Infelizmente, o lado mais sombrio dos seres humanos também aflora, com quem tenta tirar proveito da desgraça alheia.

Tragédia anunciada e denunciada há muito tempo, que transcende questões político-partidárias e não escolhe vítimas, pois a natureza não distingue seres humanos.

            Se é certo que a ação humana gera reações naturais, também é fato de que eventos naturais catastróficos ocorrem desde o “Big Bang”. Assim, a ação humana deve ter por objetivo prever eventos e mitigar seus efeitos.

            Na Prefeitura de Santos, a Defesa Civil, com apoio da Praticagem e da Universidade Santa Cecília, tem antecipado alertas e ações, reduzindo vítimas e danos materiais; e a Secretaria de Meio Ambiente criou estrutura específica para tratar de assuntos relativos a mudanças climáticas. Já a Autoridade Portuária de Santos possui monitoramento ambiental, está em fase de viabilização do VTMIS e já dispõem de estudo que aponta os riscos climáticos ao porto. A integração desses dados e ações é primordial!

            A tragédia que vitimou milhares de pessoas conseguiu reunir adversários políticos em prol do verdadeiro interesse público. Que assim seja também na solução de problemas sociais, que evitem ocupações irregulares, invistam em habitação em áreas adequadas e na geração de empregos, para mantê-las de forma autônoma e digna.

            Que dessa tragédia terrível nasçam as flores de uma efetiva e duradoura comunhão de ações em prol do povo, em vez dos espinhos de disputas político-ideológicas deletérias.

Adilson Luiz Gonçalves

Engenheiro, Pesquisador Universitário e Escritor

Membro da Academia Santista de Letras

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