Crônicas Margarete Hülsendeger

OS “PATRIOTAS” I

Do fanatismo à barbárie a distância é só um passo.

Denis Diderot


Por Margarete Hülsendeger

Um dos sinônimos de “fanatismo” é “cegueira”, resultado de um excesso de admiração demonstrado por algo ou por alguém. Não é, no entanto, considerado (ainda) uma doença mental, mas um comportamento disfuncional que não admite réplica e que deixa pouco espaço para a aceitação de ideias contrárias. Os fanatismos religioso e político, por exemplo, são extremamente perigosos porque podem colocar em risco populações inteiras na tentativa de impor um pensamento monolítico, refratário a qualquer tipo de refutação.

Mesmo que a maioria dos especialistas não considere o fanático um doente, é consenso que ele pode se tornar uma ameaça para os que estão à sua volta e para a sociedade como um todo. Seu perigo está em acreditar, sem qualquer dúvida ou hesitação, que precisa combater o “outro lado” e que, portanto, tem o direito de eliminar quem pensa diferente dele. Esse tipo de ideia gera agressividade excessiva, preconceitos diversos, estreiteza mental, extrema credulidade quanto a um determinado “sistema”, ódio, intenso individualismo e um conjunto subjetivo de valores. A combinação desses traços pode levar o fanático a cometer atos violentos para impor seu ponto de vista.

A história está repleta de exemplos onde o fanatismo foi a causa de inúmeros e inomináveis crimes. A Inquisição espanhola e o que ocorreu na Alemanha nazista são os casos mais emblemáticos do que pode ocorrer quando a irracionalidade domina a mente de um grupo que acredita ser o dono da verdade. Daí a cegueira ser considerada um dos sinônimos do fanatismo. Nos dois casos citados, populações inteiras, guiadas por uma visão distorcida da realidade, adotaram uma concepção de mundo unilateral que cultivava a dicotomia bem/mal e onde a maldade estava naquilo ou naqueles que contrariavam seu modo de pensar. O resultado desse comportamento absurdo todos conhecemos: milhões de pessoas foram mortas nas fogueiras e nos campos de concentração.

No entanto, não precisamos ir até a Idade Média ou a Alemanha da década de 1930 e 1940 para falarmos em fanatismo. No Brasil contemporâneo temos vivido, ao longo de mais de quatro anos, o renascimento de uma corrente de pensamento que permitiu a eclosão de uma massa completamente abduzida por ideias retrógradas, nas quais predomina uma retórica de defesa da família, do patriotismo, do autoritarismo, do negacionismo científico e da rejeição aos direitos humanos. Esses fanáticos, vestidos de verde amarelo, consideravam-se tão seguros de suas posições que não tiveram problemas em questionar a isenção das urnas eletrônicas e exigir uma intervenção militar. Como se isso não bastasse, um dia após o segundo turno das eleições, sentiram-se autorizados a interromper estradas e instalar acampamentos na frente dos quartéis.

Mas os fanáticos não são conhecidos por sua docilidade. Movidos pelo ódio a tudo que os contradiga, passaram dos protestos à ação violenta. Seguindo a pauta característica desse comportamento disfuncional, baseada na irracionalidade e no desrespeito, invadiram e depredaram, no dia 8 de janeiro de 2023, as sedes dos três poderes da República. Em imagens gravadas pelas mídias e por eles mesmos, vemos os autointulados “patriotas” vandalizando prédios, destruindo obras de arte e documentos históricos, quebrando mesas, cadeiras, computadores, portas, vidraças e tudo que estava diante deles. Ao observar essas cenas, transmitidas ao vivo pela TV, não há como não lembrar de um episódio semelhante ocorrido há apenas dois anos: a invasão do Capitólio, em Washington, nos Estados Unidos. Ali também os fanáticos estiveram presentes, impondo sua agenda de destruição e de intolerância. Nos dois casos, Brasília e Washington, o que prevaleceu foi a loucura de uma turba, dominada pelo ódio, incapaz de aceitar os resultados das urnas.

É difícil ser otimista quando nos deparamos com hordas que acreditam serem portadoras de uma verdade que só eles conseguem ver. É difícil acreditar no ser humano quando se é testemunha de comportamentos bárbaros como os registrados em Brasília, dia 08 de janeiro de 2023, e em Washigton, em 06 de janeiro de 2021.

O fanatismo não é uma doença mental, mas, com certeza, é algo muitíssimo perigoso, pois os limites entre o certo e errado aparentemente deixam de existir. E qual seriam esses limites? Para uma pessoa sensata, o limite está em simplesmente respeitar os limites dos outros. Respeitar uma opinião ou preferência contrária sem agredir, diminuir ou ofender. Uma sociedade que não respeita esse limite é, com certeza, uma sociedade doente.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

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