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VIOLÊNCIA E SILÊNCIO

O silêncio é o oceano do não dito, do indizível, do reprimido, do apagado, do não ouvido. Ele cerca as ilhas dispersas formadas pelos que foram autorizados a falar, pelo que pode ser dito e pelos ouvintes.

Rebecca Solnit

Margarete Hülsendeger

A estadunidense Rebecca Solnit é considerada uma das principais vozes do feminismo contemporâneo. Ela é autora do ensaio – Os homens explicam tudo para mim (2014)[1] –que deu origem ao termo mansplaining[2], leitura obrigatória para quem deseja entender os debates que vêm ocorrendo sobre as questões de gênero. Em A mãe de todas as perguntas: reflexões sobre os novos feminismos[3], publicado em 2017, ela retoma temas tratados no livro de 2014 como a maternidade e a violência contra a mulher, dando especial atenção ao silenciamento feminino.

Solnit começa explicando a diferença entre silêncio e quietude. Para ela, o silêncio é uma imposição, enquanto a quietude é aquilo que se busca deliberadamente. Do mesmo modo, quando se fala em “voz” está se tratando com a capacidade de um indivíduo de se posicionar, de participar, de experimentar, como uma pessoa livre e com direitos. Não conseguir contar a sua história é uma agonia, uma morte em vida que às vezes se torna realidade. Logo, se nossas vozes são atributos fundamentais da nossa humanidade, ser privada delas é ser excluído e desumanizado, e o desafio do feminismo moderno é romper os silêncios para, assim, criar novas narrativas.

Nesse contexto, pode-se dizer que a violência contra as mulheres se dá, muitas vezes, contra as suas vozes e as suas histórias. É uma renúncia ao direito de autodeterminação, de envolvimento, de assentimento ou discordância, de viver e participar, de interpretar e narrar. No entanto, quando as palavras conseguem romper o inarrável, o que antes era tolerado passa a ser inadmissível. Como resultado, as histórias pessoais de violência acabam expondo o problema, tornando-o desconfortavelmente visível. Segundo Solnit, foi o silêncio das vítimas que permitiu aos predadores atacarem durante décadas, sem quaisquer impedimentos.

A luta, portanto, consiste em criar condições para que os silenciados – “um mar extenso, impossível de mapear sua superfície” – falem e sejam ouvidos, pois aqueles que já o são formam “ilhas bem mapeadas, fáceis de serem reconhecidas”. Além disso, é importante reconhecer que o silêncio é a condição universal da opressão e as mulheres, salvo raríssimas exceções, são vítimas dessa violência quando lhes negam educação e papéis na vida pública. A falta de autoridade sobre o próprio corpo é uma das várias formas de silenciamento, transformando-se em uma “maneira de anular o valor daquilo que se diz, e as palavras sem valor são piores do que o silêncio: a pessoa pode ser punida por dizê-las”.

Nessa paisagem de silêncio, onde a violência tem prosperado, Solnit identifica três domínios que se alternam: (1) o silêncio imposto de dentro, (2) aquele que é imposto de fora e (3) o que existe em torno, mas que ainda não foi nomeado, reconhecido, descrito ou admitido. Por isso, é muito significativo que uma agressão sexual seja vergonhosa para a vítima e não para o agressor. O tratamento muitas vezes dado às vítimas e a tolerância diante de uma epidemia de violência demonstram às mulheres que elas têm pouco valor, que erguer a voz pode resultar em mais punições e que o silêncio pode ser uma estratégia de sobrevivência. Por consequência, a violência de gênero tem se tornado um fenômeno amplo e profundo que pouco tem a ver com “crimes passionais”, mas com o desejo de controlar, impor ou fortalecer uma estrutura de poder que deseja subjugar a mulher a qualquer custo.

Em A mãe de todas as perguntas, Rebecca Solnit expõe a realidade de milhares de mulheres que ao se negarem a falar e a testemunhar acabam servindo àqueles que querem que tudo permaneça como está. O silêncio e a vergonha, diz a autora, são contagiosos e protegem a violência. Por isso, a necessidade de existirem redes de apoio que permitam às mulheres vítimas de agressão testemunharem, pois o medo do descrédito amordaça e isola, permitindo que os crimes continuem. Apenas quando as vozes silenciadas forem, enfim, ouvidas elas serão capazes de subverter as relações de poder, já que ao se falar criam-se comunidades e incentiva-se o ativismo.


[1] SOLNIT, Rebecca. Os homens explicam tudo para mim. Tradução Isa Mara Lando. São Paulo: Cultrix, 2017.

[2] Para maiores informações ver também, A luta mais longa, texto publicado na revista Partes, em 17 de junho. Link: https://www.partes.com.br/2022/06/17/a-luta-mais-longa/

[3] SOLNIT, Rebecca. A mãe de todas as perguntas: reflexões sobre os novos feminismos. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das letras, 2017.

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