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VOZES INTERNAS E O BARULHO QUE PODEM PROVOCAR

Ninguém desejaria viver a vida sem uma voz interna que incomode de vez em quando. Seria como enfrentar o mar em um barco sem leme.

Ethan Kross

Margarete Hülsendeger

Em um dia que tinha tudo para ser normal, um professor saiu de casa e ao chegar no trabalho encontrou uma carta endereçada a ele fazendo ameaças contra a sua vida e a de sua família. A partir desse momento, ele experimentou uma mescla de sentimentos negativos – preocupação, ansiedade, medo, insegurança – que o mantiveram cativo por semanas, prejudicando-o no ambiente familiar e profissional. Essa perturbação só começou a se dissipar quando o professor se viu diante do absurdo de procurar, no Google, informações sobre guarda-costas especializados em proteger professores universitários. Ao perceber no que essa obsessão o estava transformando, o psicólogo e neurocientista norte-americano Ethan Kross deu um passo para trás e passou a refletir sobre o seu comportamento. Essas reflexões deram origem ao livro A voz na sua cabeça[1] resultado não só dessa experiência pessoal, mas da pesquisa que ele realiza no Laboratório de Emoção e Autocontrole, na Universidade de Michigan.

O estudo dirigido por Kross, na Universidade, gira em torno de como as conversas silenciosas podem influenciar a maneira como as pessoas vivem e se relacionam. No livro, ele inicia explicando que prestar atenção nos próprios pensamentos e sentimentos (introspecção) pode ter consequências positivas e negativas sobre um indivíduo. Assim, se por um lado a introspecção nos ajuda a imaginar, lembrar, refletir e depois usar esses devaneios para resolver problemas, inovando e criando, por outro ela pode ser o princípio de algo traiçoeiro, o que ele chamou de “falatório mental”.

Segundo Kross, o “falatório mental” está formado de emoções e pensamentos negativos que transformam a introspeção em um flagelo. Ela coloca em risco nosso desempenho, nossa capacidade de tomar decisões, nossos relacionamentos, nossa saúde e felicidade. Como ele explica: “mergulhamos na introspecção na esperança de entrar em contato com nosso orientador interno, mas encontramos nosso crítico interno”. Um crítico que, em muitos casos, pode ser mais maligno e prejudicial que nosso pior inimigo.

No entanto, é praticamente impossível nos livrarmos dessa voz interna, pois ela é uma característica da mente humana. De acordo com um estudo mencionado pelo autor, falamos com nós mesmos numa proporção equivalente a 4 mil palavras por minuto se estivéssemos falando em voz alta. Essas conversas internas podem aparecer na forma de uma rememoração compulsiva de acontecimentos passados (ruminação), na imaginação angustiada de eventos futuros (preocupação), em livre associações entre ideias e sentimentos nocivos ou ainda na fixação em um sentimento específico ou ideia desagradável.

Desse modo, quando estamos sobrecarregados pela emoção um dos efeitos provocados por essa voz interna é controlar a nossa atenção, focando nos obstáculos e excluindo todo o resto. O falatório mental transforma-se, então, em um exímio sabotador, dificultando e, com frequência, impedindo que nos dediquemos a outras tarefas igualmente importantes para o nosso bem estar. Porém, nem tudo está perdido; Kross aponta uma série de estratégias que, se não silenciam essa gritaria interna, podem ser utilizadas para controlá-la, minimizando os danos que ela causa. Obviamente, o autor deixa claro que não se trata de uma receita de bolo, mas de descobrir qual a combinação dessas práticas que melhor se adapta às nossas necessidades.

Dos sete capítulos de A voz na sua cabeça, cinco são dedicados a apresentar essas estratégias, às quais o autor adiciona relatos de pessoas que as aplicaram e obtiveram algum tipo de resultado. Levaria muito tempo para resenhar todas elas, então escolhi três para que você tenha uma ideia do que Kross está falando e, se nenhuma lhe servir, leia o livro e encontre aquela, ou aquelas, que mais lhe agradarem:

  1. Amplie sua perspectiva

Pense em como a experiência que o preocupa se compara a outros acontecimentos adversos pelos quais você ou outras pessoas já passaram. Reflita como essa experiência se encaixa no esquema mais abrangente da sua vida e do mundo. É surpreendente como nossos problemas se tornam insignificantes quando comparados com o sofrimento dos outros.

  • Reformule sua experiência como um desafio

O falatório mental costuma ser acionado quando interpretamos uma situação como ameaça, ou seja, algo que não conseguimos controlar. O truque é transformar essa situação em um desafio e, portanto, em um cenário que você pode controlar com algum esforço e dedicação. Essa virada de chave faz toda a diferença, pois desbloqueia o cérebro para encontrar novos caminhos e soluções.

  • Escreva

Não precisa ser um diário. Você pode escrever durante 15 ou 20 minutos sobre o que, naquele momento, o está perturbando. Essa estratégia proporciona um distanciamento da vivência negativa, o que ajudará a entender seus sentimentos e a superar as dificuldades que o mantêm preso ruminando ou preocupando-se, muitas vezes desnecessariamente.

Como escrevi antes, essas são apenas três das técnicas apresentadas por Kross para gerenciar as conversas internas, mas existem outras: imaginar-se aconselhando um amigo, viagem no tempo, mosca na parede, utilizar amuletos e realizar rituais. De qualquer maneira, todas essas ferramentas têm como objetivo central permitir que você se distancie de seus problemas e preocupações, encontrando saídas para elas e, por consequência, reduzindo o estresse e a ansiedade. Como bem diz Ethan Kross, o desafio “não é eliminar totalmente os estados negativos. É não se deixar consumir por eles”. Em tempos de pandemia e guerra essa é uma boa dica de leitura, porque precisamos nos munir de instrumentos que nos permitam suportar as pressões do dia a dia sem cair em depressão ou mergulhar na desesperança. Leia A voz na sua cabeça, tente aplicar algumas das estratégias recomendadas pelo autor e observe os resultados.

Boa leitura!


[1] KROSS, Ethan. A voz na sua cabeça. Tradutor Claudio Carina. Rio de Janeiro: Sextante, 2021.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

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