comportamento comportamentos Crônicas Margarete Hülsendeger

O PODER E A FRAQUEZA DOS MODISMOS

A moda, afinal, não passa de uma epidemia induzida.

George Bernard Shaw

Margarete Hülsendeger

A moda é um tema interessante. Vamos dormir acreditando que o uso de ombreiras é o suprassumo da elegância e, quando acordamos, descobrimos que se tornaram a peça mais cafona do nosso guarda-roupa. A velocidade dessas mudanças é tão grande que, muitas vezes, demoramos a nos adaptar. No entanto, essas regras – não escritas – determinantes do nosso modo de vestir e de proceder, não são uma exclusividade da indústria da moda. Elas também são observadas no uso de algumas expressões que, de vez em quando, surgem no nosso vocabulário. Em muitos aspectos, elas pautam a nossa conduta, pelo menos durante o tempo que permanecem sendo utilizadas.

Há alguns anos, a palavra “paradigma” passou a ser mencionada com tamanha frequência que era difícil não participar de uma roda de amigos sem ouvir frases do tipo: “Precisamos mudar os nossos paradigmas”, “Estamos vivendo uma mudança de paradigmas” ou, ainda, “O teu paradigma está ultrapassado”. E se alguém resolvesse perguntar, “afinal, o que é um paradigma?” corria o risco de ser tachado de ignorante ou alienado. Não foram poucas as vezes que me perguntei se essas pessoas sabiam o que estavam dizendo.

Com o passar do tempo – cuja duração é bastante relativa –, o problema de mudar ou não mudar o paradigma acabou indo para um segundo plano. Motivo? Surgiu no horizonte uma nova onda, algo que, segundo os pregadores de plantão, iria revolucionar a sociedade: agora o importante era refletir sobre “estratégias”. Na mesma roda de amigos tornaram-se comuns frases como: “Você não pode se prender a planos muito elaborados, o importante é pensar em estratégias que facilitem a sua vida” ou “Qual a sua estratégia para resolver esse problema?”. Não ter uma resposta para essas ou outras questões do mesmo tipo era um sinal claro de que não se estava em sintonia com os novos tempos. E, se o substantivo estratégia viesse acompanhado do adjetivo empreendedor a situação ficava ainda pior.

Eu poderia citar outros exemplos de expressões que entraram e saíram de moda sem que as pessoas conseguissem realmente compreendê-las[1]. Entretanto, para mim, o problema não está apenas em falar sem entender, mas em impor essas ideias aos outros, como se elas fossem a panaceia para todos os conflitos vividos pela humanidade. Se as pessoas soubessem, por exemplo, que a palavra “paradigma” é sinônimo de “modelo”, entenderiam que não há um, mas vários paradigmas e a maioria, analisando o contexto no qual surgiram, tem o seu fundo de verdade. Do mesmo modo, aplicar, de forma indiscriminada, a linguagem empresarial a todos os setores da sociedade só fará que conceitos como “estratégia” ou “empreendedorismo” sejam mal interpretados e, provavelmente, mal utilizados. Afinal, nem sempre as pessoas estão a procura de esquemas mirabolantes; talvez elas queiram só viver sem se preocupar com metas ou objetivos a serem atingidos.

Por isso, quando você for apresentado a uma nova expressão, pense que ela pode ser como uma daquelas ombreiras usadas nos anos 1980[2]. Você dorme acreditando ser o mais sábio dos mortais e quando acorda, descobre que tudo não passou de mais uma “tendência”, criada, muitas vezes, por pseudointelectuais distantes da realidade das pessoas comuns. É importante compreender que por trás de uma nova moda há sempre uma ideia, uma concepção de mundo, e descobrir o que ela pode estar ocultando é o grande desafio para quem não deseja ficar repetindo palavras vazias ou agindo de acordo com o que os outros esperam de nós. Esse pode ser um bom motivo para redobrarmos os cuidados quando nos deparamos com conceitos que surgem do nada oferecendo saídas milagrosas para os nossos problemas. Antes de cair na armadilha de um novo modismo, leia, informe-se, reflita e, principalmente, questione-se, pois, como dizia um dos ícones do século XX, a francesa Coco Chanel, a moda é “sempre um reflexo da época, mas se a época for estúpida, esqueçam-na”.


[1] Recentemente, um termo que está muito na moda (ou viralizou) é “cringe”. Uma expressão utilizada como gíria para se referir aos momentos em que as pessoas passam por situações desconfortáveis e constrangedoras.

[2] Enquanto escrevia esse texto descobri que as ombreiras voltaram! Segundo a Revista Libre, “Peças com ombreiras são apostas ousadas, mas que podem trazer mais estilo para seu visual”. Essa descoberta apenas reforça a tese que defendi neste texto. Para saber mais, você pode ler o artigo na íntegra no link https://www.revistalofficiel.com.br/moda/ombreira-tendencia-inverno-2021.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

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