Anna é a mulher mais classuda que conheci. Dona de uma beleza simples e de uma voz levemente rouca, transpirava charme e elegância nos gestos, no toque, palavras e olhares. Um batom qualquer e um brinco quase imperceptíveis lhe bastavam. Só não dispensava os anéis, gostava deles e exibia muitos, alguns de prata.
Anna é aquela pessoa que você tem certeza que nunca colocou os cotovelos sobre uma mesa; que segura um copo ou um talher como se fosse um lenço de seda chinesa.
Com todo sobrenome tradicional-genealógico-quilométrico, Anna não arrotava bens e carimbos no passaporte. Não fazia o tipo socialite, nem tinha cara de Sacré Coeur ou de Pitangui, ainda que isso fizesse parte do seu mundo.
Recém adentrada na casa zero dos “enta”, aparentava trinta e uns, sempre bonita dentro de roupas despojadas. Os jeans surrados, as blusas com estampas do Bowie, da Madonna e as também usuais camisas listradas, não lhe roubavam a classe.
Conheci sua gentileza, a leveza de suas intervenções e seus silêncios. Confesso que muitas vezes parei para observar seus movimentos. Nunca ouvi alguém dizer um “puta que pariu, um porra, cacete ou caralho” como Anna. Seus palavrões soavam aveludados, dentro de decibéis comedidos, quase sussurros.
Trabalhávamos na região do Ibirapuera e tínhamos uma reunião na Vila Mariana, a uns três quilômetros. Anna pegou a bolsa com a chave do carro pendurada. Andamos uns 30 metros e eu perguntei: você não está pensando em ir de carro, tá? Ela devolveu: vamos de táxi? Vamos de BU-SO, soletrei maiúsculo.
Anna armou um olhar indecifrável e emudeceu. Andamos até o ponto no mais profundo silêncio. Subimos no ônibus, passamos a catraca e sentamos próximo à porta traseira completamente mudos. Foi aí que ela me olhou nos olhos, abriu um sorriso infantil e me disse baixinho no ouvido: é a primeira vez que ando de busão na vida.
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