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Autonomia da polícia investigativa: um debate necessário

Márcio Berclaz*

Márcio Soares Berclaz, doutor em Direito, é professor de Processo Penal na Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.
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Ainda que o Brasil possua um insuficiente e disfuncional sistema de investigação preliminar que, como regra, tem por base o questionável modelo do “inquérito policial”, a manutenção desse formato, pelo insuficiente Código de Processo Penal brasileiro de 1941, exige repensar o “lugar” e o funcionamento da polícia investigativa (Civil e Federal), impropriamente ainda denominada pela obsoleta legislação nacional de “Polícia Judiciária”.

Por mais que a polícia investigativa brasileira não possua o “monopólio” da apuração das infrações penais, cabe a essas instituições, como regra, a apuração da grande massa de delitos que ocorrem no território nacional, a partir do que há de se exigir condições administrativas, estrutura humana e arranjo técnico-operacional que possibilite o atingimento dos resultados esperados para a persecução penal.

Não se discute a elevada responsabilidade, complexidade e importância que é conduzir a investigação preliminar no Brasil. Embora vinculada ao Poder Executivo, e normalmente a ele administrativamente subordinada, não resta dúvida de que tanto a Polícia Civil como a Polícia Federal precisam dispor de estrutura e relativa autonomia administrativa e de gestão para que possam bem cumprir os seus afazeres de apurar a materialidade, autoria e circunstâncias de fatos supostamente criminosos.

Nesse sentido, é de se esperar que agentes policiais não estejam vulneráveis e enfraquecidos na relevante missão de desvendamento de ilícitos, em especial para as investigações que, pelo potencial de impactarem os poderes constituídos, natureza dos crimes apurados e posição dos próprios suspeitos ou investigados, tramitam por certo período em sigilo e não raro envolvem trabalho de “inteligência”, inclusive com a possibilidade do uso de meios de obtenção de provas diferenciados e extraordinários.

Da mesma forma que o Delegado de Polícia pratica atos administrativos com potencial de impactar direitos fundamentais e deve fundamentar a lavratura de uma prisão em flagrante, a representação por uma prisão temporária ou preventiva ou mesmo um indiciamento, não se admite que a vinculação originária das polícias ao Poder Executivo possibilite a prática de atos que, sem qualquer justificativa técnico-operacional, aumentem o risco de ilegal e indevida influência político-partidária para inviabilizar ou mesmo dificultar o cumprimento da missão constitucional dada aos agentes policiais em geral. Ainda que editada sob singular contexto, parte dessa preocupação já está contemplada no parágrafo quinto do artigo 2o da Lei 12.830/13, segundo o qual somente pode haver remoção da autoridade policial de uma determinada investigação por ato fundamentado.

É nesse contexto que se mostra salutar todo e qualquer aprimoramento legislativo que, longe de consagrar mero ato de “interesse corporativo” na disputa de poder institucional no campo penal, preocupe-se em estabelecer parâmetros efetivos objetivos que permitam que as polícias cumpram seu papel com o menor risco de interferência ilegal alheia ao interesse público.

*Márcio Soares Berclaz, doutor em Direito, é professor de Processo Penal na Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.

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