A questão da marginalidade: um olhar a partir da obra Escola e Democracia de Dermeval Saviani
Edisônia Costa de Andrade[*]
Rozane Alonso Alves[†]
Resumo: A proposta deste excerto é discutir a partir da leitura da obra Escola e Democracia de Dermerval Saviani, publicada em 2012 – 42ª edição, o conceito de marginalidade problematizado na referida obra. A estratégia é resenhar o livro, buscando apresentar em que medida as teorias da educação vão argumentando os discursos sobre a marginalidade atrelada a uma discussão socioeducacional. Para isso, discutimos a partir da estrutura do livro, abordando capítulo a capítulo as principais discussões sobre a marginalidade e as teorias da educação.
Palavras-chave: Marginalidade, Teorias da Educação, Educação e Sociedade, Escola.
Abstract: The purpose of this excerpt is to discuss, from the reading of the work School and Democracy by Dermerval Saviani, published in 2012 – 42nd edition, the concept of marginality problematized in that work. The strategy is to review the book, seeking to present the extent to which the theories of education argue the discourses on marginality linked to a socio-educational discussion. For this, we discuss from the structure of the book, covering chapter by chapter the main discussions about marginality and theories of education.
Keywords: Marginality. Theories of Education. Education and Society. School.
A questão da marginalidade em Saviani
O livro Escola e Democracia do autor, Dermeval Saviani está organizado em quatro capítulos: no primeiro capítulo o autor discute as teorias da educação e o problema da marginalidade, em duas teorias distintas, no segundo capítulo discorre sobre Escola e Democracia I: a teoria da curvatura da vara, no terceiro capítulo, Escola e Democracia II: para além da teoria da curvatura e por fim, o capítulo IV: Onze teses sobre educação e política.
No primeiro capítulo o autor busca discutir a problemática central, a causa da marginalização escolar a partir de teorias da educação, nesse sentido a marginalidade se refere a exclusão social do ambiente escolar. A problemática surgiu a partir de dados de pesquisas que mostraram um alto índice de semianalfabetismo e analfabetismo de países da América Latina. Contudo, algumas teorias da educação procuram entender a marginalização em perspectivas distintas como aponta Saviani:
[…] podemos dizer que, no que diz respeito a questão da marginalidade, as teorias educacionais podem ser classificadas em dois grupos. No primeiro temos aquelas teorias que entendem ser a educação um instrumento de equalização social, portanto de superação da marginalidade. No segundo, estão as teorias que entendem ser a educação um ato de discriminação social, logo, um fator de marginalização. (SAVIANI, 2012, p.3).
Segundo o autor, a primeira teoria entende esse fator como uma relação entre educação e sociedade, dessa forma, a sociedade é vista como algo harmonioso, sociável, e a marginalidade como uma exceção que por sua vez precisa ser corrigida por meio da educação e é por esse motivo que elas se relacionam. Na segunda teoria a educação é marcada pela divisão de classes, onde a classe predominante se sobrepõe as classes menos favorecidas, daí consequentemente a educação tende a reproduzir a marginalização, já que o oprimido sempre vai estar em uma posição mais baixa. Em seguida, o autor denomina a teoria do primeiro grupo como “teorias não críticas” e a segunda como “teoria crítica-reprodutivistas” assim, a teoria não crítica se constitui da pedagogia tradicional; pedagogia nova; pedagogia tecnicista.
A primeira, parte do princípio de que a educação é direito de todos e dever do estado, contudo o direito de todos à educação dependia da classe social no qual estava inserida, atendendo aos interesses de quem estava no poder, a burguesia. Dessa forma, Saviani compreende a marginalidade da seguinte forma:
[…] a causa da marginalidade é identificada como a ignorância. É marginalizado da nova sociedade quem não é esclarecido. A escola surge como um antídoto à ignorância, logo, um instrumento para equacionar o problema da marginalidade. Seu papel é difundir a instrução, transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. (SAVIANI, 2012, p. 6).
Assim, na pedagogia tradicional para reproduzir seus ideais, na prática pedagógica o professor era o centro de tudo, o aluno era apenas o receptor não havia uma troca de professor e aluno.
A pedagogia nova acreditava no poder da escola em função da equalização social, diferente da pedagogia tradicional, acreditava que a educação poderia corrigir as distorções da marginalidade, sendo assim, a marginalidade deixa de ser vista por um viés de ignorância, e sim o que não é aceito pelo seu grupo. Assim, essa pedagogia compreende que os indivíduos são diferentes, cada um se destaca mais em alguma coisa do que em outras, dessa forma o autor aponta:
Portanto, marginalidade não precisa ser explicada pelas diferenças entre os homens, quaisquer que elas sejam: não apenas diferenças de cor, de raça, de credo ou de classe […] mas também diferenças no domínio do conhecimento, na participação do saber, no desempenho cognitivo (SAVIANI, 2012, p. 8).
Sendo assim, o autor compreende essa pedagogia como um fator de equalização social, onde a educação por sua vez é um mero instrumento da correção da marginalização, e isso só vai se cumprir a partir do momento que esse processo de correção da marginalização se materializar de forma que os indivíduos possam respeitar as individualidades de cada um.
A pedagogia tecnicista segundo o autor surgiu Saviani (2012, p.11) “a partir do pressuposto de neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, racionalidade e produtividade, essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a torna-lo objetivo e operacional”. Nesse sentido tanto professor quanto aluno são executores das múltiplas tarefas demandadas pelo sistema social. Na perspectiva da marginalização a pedagogia tecnicista entende que o marginalizado é aquele que é improdutivo, incompetente, ou seja, não produz. Em relação a educação ela vai colaborar para superar o problema de marginalização na medida que o indivíduo seja capaz de contribuir para o aumento na produção na sociedade.
Por outro lado, as teorias critico- reprodutivistas diferentemente da primeira, concebe a educação a partir de seus condicionantes sociais. E nesse sentido as teorias mais conhecidas que fazem parte desse grupo são: teoria do sistema de ensino como violência simbólica; teoria da escola como aparelho ideológico de estado ( AIE); teoria da escola dualista.
A teoria do sistema de ensino como violência simbólica trata-se de grupo, classes de proposições que analisa a educação como um fator social e econômico. Nesse sentido, entende-se como violência simbólica segundo Saviani:
Os autores tomam como ponto de partida que toda e qualquer sociedade se estrutura como um sistema de relações de força material entre grupos ou classes. Sobre a base da força material e sob sua determinação, erige-se um sistema de relações de força simbólica cuja o papel é reforçar, por dissimulação, as relações de força material (SAVIANI, 2012, p. 17).
Assim, a violência simbólica se reproduz de várias maneiras, mas o autor foca somente no campo pedagógico. A marginalidade nesse caso são os grupos ou classes dominadas que tende a reproduzir através da educação pois são marginalizados porque não possuem força material e marginalizados culturalmente porque não possui força simbólica.
Teoria da escola como Aparelho Ideológico de Estado (AIE) compreende que a ideologia tem uma finalidade material, ou seja, implicitamente as instituições sempre reproduz o tipo de produção capitalista. A marginalidade nesse sentido, ocorre na produção do capitalismo por meio dos trabalhadores, compreendendo assim, que os mesmos são as classes marginalizadas. Dessa forma, o AIE se compreende como ferramenta para equalização social, é um artifício instituído pelas classes dominantes para suprir seus interesses.
A teoria da escola dualista, está dividida em duas grandes redes: proletariado e burguesia. Dessa forma, Saviani aponta:
[…] o papel da escola não é, o de então simplesmente reforçar e legitimar marginalidade que é produzida socialmente. Considerando que o proletariado dispõe de uma força autônoma e forja na prática da luta de classes suas próprias organizações e sua própria ideologia, a escola tem por missão impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária (SAVIANI, 2012, p. 29).
Dessa forma, pode – se dizer que a escola é fator de marginalização que é estabelecida pela cultura burguesa e consequente pelo proletariado. Assim, segundo o autor a teoria não crítica por sua vez tentava resolver o problema da marginalidade, enquanto as teorias críticas- reprodutivistas concebe o fracasso como, o êxito da escola.
No capítulo dois “Escola e Democracia I: A teoria da curvatura da vara” o autor enfatiza a problemática do ensino que se desenvolve no interior da escola de 1º grau, nesse sentido ele traz uma abordagem política para discutir. Assim, o autor faz uma abordagem discutindo três teses: a primeira refere-se á uma tese filosófica histórica, que se fundamenta: “do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência”. A segunda se relaciona com a anterior é a pedagógica metodológica e é enunciada por Saviani da seguinte forma: “do caráter científico do método tradicional, e do caráter pseudocientífico dos métodos novos”.
A partir das duas teses é que surge a terceira, o autor enuncia da seguinte maneira: “de como, quando mais se falou em democracia no interior da escola, menos democrática foi a escola; e de como menos se falou em democracia mais a escola esteve articulada com a construção de uma ordem democrática”. Ao explanar sobre essas teses o autor fala sobre as implicações destas para a educação brasileira.
No capítulo três “Escola e Democracia II: Para além da teoria da curvatura da vara” Saviani, retorna as teorias explanas no capítulo anterior. Ressalta que seu real objetivo com essa teoria foi polemizar, abalar, fazer pensar no âmbito do discurso do debate educacional, e ainda reforça o sentido de fazer curvar a vara, que seria curva para o lado correto. Em seguida o autor destaca as duas pedagogias: pedagogia nova e pedagogia de existência. Define as duas no sentido amplo, onde a concepção enfoca na existência, na vida ao contrário da pedagogia tradicional que se centrava no intelecto, na essência.
Em seguida o autor vem trazendo métodos de ensino envolvendo escola e sociedade. O primeiro ponto de partida seria a prática social, entretanto o professor pode se posicionar de maneira diferente, enquanto agentes sociais em relação ao aluno. O segundo ponto de partida se refere a problematização, no qual seria o momento de identificar o problema da prática social. O terceiro passo trata da instrumentalização segundo Saviani (2012, p. 71) “Tratasse da apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vive”. O quarto ponto aborda a questão da catarse, trata-se da incorporação dos instrumentos culturais que por sua vez irá acarretar na mudança de elementos da transformação social. E por último refere-se a própria prática social, segundo Saviani (2012, p. 72) “Nesse ponto, ao mesmo tempo que os alunos ascendem ao nível sintético em que, por suposto, já se encontrava o professor ao ponto de partida reduz-se a precariedade da síntese do professor, cuja a compreensão se torna mais e mais orgânica”.
No último capítulo, intitulado “Onze teses sobre educação e política” o autor vem discorrer sobre a relação de política e educação. O autor busca definir cada uma delas, ele defende que cada uma delas embora, inseparáveis são distintas. Segundo o autor “ trata-se, pois, de práticas diferentes, cada uma com suas características próprias”. Assim, Saviani aponta quais são a relação entre as duas, Saviani (2012, p. 84) “ é preciso considerar a existência de uma relação interna, isto é, toda prática educativa como tal, possui uma dimensão política, assim como toda prática política possui, em si mesma uma dimensão política.
Referências
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 42ª ed. Campinas: Autores Associados, 2012.
[*] Acadêmica do curso de Licenciatura em Letras/Inglês do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA, da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Email: ace.andrade01@gmail.com
[†] Professora Dra Rozane Alonso Alves. Professora do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA, da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Email: rozanealonso@ufam.edu.br