Direito Justiça

O processo como garantia de eficácia dos direitos fundamentais sociais: defesa de direitos tuteláveis coletivamente

Tássia Rodrigues Moreira[*]

 

RESUMO

Este artigo tem por objetivo o exame de organismos jurídicos de avanço do direito ao desenvolvimento social sob uma visão constitucional do processo, especialmente sob a ótica dos interesses metaindividuais. A fim de confirmar os argumentos apontados, foram analisados aspectos doutrinários e realizada a valorização da jurisprudência, considerando a necessidade de consolidação dos direitos sociais.

Palavras-chave: Processo, Tutela, Direitos sociais, Direitos coletivos, Acesso à justiça

ABSTRACT

This article aims the examination of legal aspects advancing the right to social development from a constitutional view of the process, especially from the perspective of collective interests. In order to confirm the above arguments, doctrinal aspects were analyzed and case law valued, considering the need to consolidate social rights.

Key words: Process, Tutelage, Social rights, Collective rights, Access to justice

 

 

INTRODUÇÃO

Os interesses coletivos exigem instrumentos jurídicos exclusivos para garantir direitos de determinado grupo, categoria ou classe de pessoas com vínculo de natureza jurídica ou fática. O objetivo destes mecanismos não se restringe apenas a prevenir a dificuldade de acesso à justiça, como adiante se verá.

Impedir o aumento dos litígios de massa constitui tarefa dos operadores do Direito. Isso porque a proliferação de demandas similares instigou um microssistema de processo coletivo e, por conseguinte, evitar o risco de decisões conflitantes tornou-se preocupação constante:

É que o relacionamento social passou, cada vez mais, a girar em torno de interesses massificados, interesses homogêneos, cuja tutela não pode correr o risco de ser dispensada pela Justiça de maneira individual e distinta, isto é, com a possibilidade de decisões não idênticas, caso a caso. Esse risco põe em xeque a garantia basilar da democracia, qual seja, a de que, perante a lei, todos são necessariamente iguais. (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 911).

Outrossim, é possível afirmar que constitui objetivo primordial o amparo de pessoas hipossuficientes. As classes de pessoas consideradas vulneráveis ganham força para obstar atos lesivos aos seus direitos.

Para tanto, são obrigações genéricas do Estado a adoção de medidas imediatas, garantia de níveis essenciais de direito, progressividade e proibição de regressividade (ABRAMOVICH; COURTIS, 2011).  A partir das obrigações estatais, é possível extrair o processo como instrumento necessário para o exercício da cidadania.

Assim, devem ser analisados o processo, como forma de servir ao direito material e dar segurança às partes, assim como os demais instrumentos jurídicos aptos a tornar pleno o acesso à justiça e oferecer a proteção jurídica suficiente.

 

DIREITOS SOCIAIS

O ordenamento jurídico brasileiro passou por diversas alterações até a conquista dos direitos sociais. A aquisição desses direitos é resultado do desenvolvimento da sociedade, antes constituída apenas por imposições estatais.

A realidade atual, no entanto, é um sistema jurídico dotado não só de direitos e deveres, mas também de mecanismos preventivos e repressivos de limitações impostas aos direitos do cidadão. Esta transformação está conectada à evolução do Estado de Direito e às necessidades da sociedade contemporânea, que exige proteção de uma categoria de interesses, quais sejam, os transindividuais.

A tutela jurisdicional nada mais é, no caso, que ação positiva do Estado para concretização dos direitos sociais, aqueles definidos como “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, (…) direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais” (SILVA, 2005, p. 286).

Devem ser evitados quaisquer meios que imponham a restrição ou limitação de maneira absoluta dos direitos fundamentais, e os interesses sociais são “direitos que pertencem não exclusivamente a um patrimônio jurídico determinado, mas ao da sociedade como um todo, é apropriado incluí-los na categoria de direitos transindividuais” (ZAVASCKI, 2005, p. 41).

DEFESA DE DIREITOS TUTELÁVEIS COLETIVAMENTE

Muitas são as formas de proteção dos direitos coletivos, mas alguns instrumentos são primordiais. Os remédios constitucionais, por exemplo, são garantias indispensáveis para a distribuição igualitária de direitos sociais coletivos.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela admissão do habeas corpus coletivo (HABEAS CORPUS 143.641/SP, Relator: Ricardo Lewandowski, 2018), não obstante a inexistência de previsão legal para a medida. Vale lembrar, também, que o Supremo admitiu a propositura de mandado de injunção coletivo (MANDADO DE INJUNÇÃO 102-PE, Relator: Marco Aurélio Mello, 1998) muito antes do instituto ser inserido no ordenamento jurídico através da Lei n° 13.300/16.

Nas palavras do Ministro Ricardo Lewandowski:

(…) o Supremo Tribunal Federal tem admitido, com crescente generosidade, os mais diversos institutos que logram lidar mais adequadamente com situações em que os direitos e interesses de determinadas coletividades estão sob risco de sofrer lesões graves. […] Com isso, ademais, estar-se-á honrando a venerável tradição jurídica pátria, consubstanciada na doutrina brasileira do habeas corpus, a qual confere a maior amplitude possível ao remédio heroico, e que encontrou em Ruy Barbosa quiçá o seu maior defensor. Segundo essa doutrina, se existe um direito fundamental violado, há de existir no ordenamento jurídico um remédio processual à altura da lesão. […] É que, na sociedade contemporânea, burocratizada e massificada, as lesões a direitos, cada vez mais, assumem um caráter coletivo, sendo conveniente, inclusive por razões de política judiciária, disponibilizar-se um remédio expedito e efetivo para a proteção dos segmentos por elas atingidos, usualmente desprovidos de mecanismos de defesa céleres e adequados (HABEAS CORPUS 143.641/SP, Relator: Ricardo Lewandowski, 2018).

Diante de uma análise preliminar da jurisprudência, é possível perceber a importância de tratar do tema, sempre em discussão na via prática, e que a comunidade jurídica vem prezando pela potencialização dos instrumentos hábeis a garantir a eficácia dos direitos sociais.

Importante mencionar que no projeto do Código de Processo Civil em vigência, havia um capítulo exclusivo para conversão da ação individual em coletiva, o qual foi vetado integralmente. Após esta alteração, não há previsão expressa para proteção dos direitos coletivos. No entanto, ao longo do texto da lei, existem inovações legislativas que pressupõe este tipo de tutela.

O Código de Processo Civil dispõe, por exemplo, acerca dos incidentes processuais com efeito expansivo. O julgamento de recursos repetitivos, o incidente de assunção de competência e o incidente de resolução de demandas repetitivas são mecanismos que podem ser utilizados como forma de tutela de interesses coletivos, em que pese possam, eventualmente, mitigar o acesso à justiça em vez de ampliá-lo.

Poderão, ainda, serem utilizadas como ferramentas de proteção dos direitos sociais as tutelas inibitórias. Para tanto, a norma processual permite ao juiz a concessão de tutela específica destinada a coibir um ilícito (art. 497). Semelhante previsão é encontrada no art. 84 do CDC que, em razão do disposto na Lei n° 7.347/1985, pode ser aplicada na defesa de direitos coletivos.

Vale ponderar, ainda, que ao se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, o juiz deve oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e possíveis legitimados a promover a ação coletiva competente (art. 139, X, do CPC/15).

Imperioso ressaltar que a tutela coletiva tem desdobramento em diversos ramos do direito e busca a efetivação da justiça social, pois constitui expressão da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Para Press (1990 apud HABERMAS, 2003, p. 158) “a distribuição desigual de bens vitais diminui a qualificação dos cidadãos e, com isso, a possível racionalidade das decisões coletivas”.

Nesse ponto, é que surge a necessidade da tutela jurisdicional efetiva, entendida como a aproximação da norma com a realidade social (BARROSO, 2010). Este resultado constitui forma de revelação do princípio dos fins sociais (art. 8º do CPC/15), o qual se desdobra no princípio da solidariedade, definido como “o compromisso constante com o bem comum e a promoção de causas ou objetivos comuns aos membros de toda a comunidade” (DINIZ, 2008, p. 33).

No intuito de reafirmar a relevância do assunto, mencione-se a exequibilidade das decisões proferidas em processos coletivos e a legitimidade extraordinária atribuída a determinadas entidades. O principal exemplo é a legitimidade ativa do Ministério Público para a defesa de direitos coletivos na execução das ações civis públicas e ações populares (GONÇALVES, 2013, p. 41). Ao permitir que órgãos postulem em juízo por direito alheio, a lei visa garantir a sua eficácia imediata.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, percebe-se que a tutela coletiva é matéria sempre em voga nos tribunais superiores. Analisado o processo sob uma perspectiva constitucional, como instrumento de consolidação dos direitos sociais, constatou-se que a tutela de interesses coletivos somente é considerada efetiva com a obtenção de resultado.

Portanto, conclui-se que o direito nada mais é que um processo de evolução social. Conforme avança a sociedade, deve progredir o direito para efetivação dos direitos coletivos, sempre com procedimentos novos para atender a função para o qual foi criado – fazer justiça e oferecer proteção jurídica suficiente.

 

 

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Direitos sociais são exigíveis. Porto Alegre: Editora Dom Quixote, 2011.

BARROSO. Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo / Luís Roberto Barroso. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 143.641/SP. Segunda Turma. Relator: Ricardo Lewandowski, Julgado em 20.02.2018.

_______. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF 99, 9 a 13 de fevereiro de 1998, Plenário: Mandado de Injunção Coletivo: Admissibilidade. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo99.htm. Acesso em dez. 2017.

DINIZ, Marcio Augusto de Vasconcelos. Estado social e princípio da solidariedade. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais. Vitória, n. 3, p. 31-48, jul./dez. 2008

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: execução e processo cautelar : volume 3 / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. – 6. ed. – São Paulo : Saraiva, 2013.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 48, de 10.8.2005. São Paulo: Malheiros, 2005.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. III / Humberto Theodoro Júnior. 47. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 2005. 295 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2005. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/48114. Acesso em 15.08.2018.

 

[*] Advogada Especialista em Direito Processual Civil. tassia-rodrigues@hotmail.com.

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