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Sonya Kovalevsky: A Rainha Russa da Matemática Pós-Iluminista

Sonya Kovalevsky: A Rainha Russa da Matemática Pós-Iluminista

Raquel Anna Sapunaru[*]

 

Resumo

O presente artigo divulga os principais aspectos da vida e obra de Sonya Kovalevsky, e sua trajetória de superação. O objetivo foi alcançado realizando-se uma pesquisa bibliográfica extensa, pois busca narrar a trajetória de uma grande figura da matemática do século XIX, pouco conhecida do público em geral. Como resultado, apresenta-se uma visão geral de Sonya, desde sua infância até sua morte prematura, com destaque para sua luta em prol dos direitos das mulheres, e suas capacidades científicas e literárias.

Palavras-chave: Kovalevsky. Trajetória, Ciência. Literatura

Sonya Kovalevsky: La Reine Russe de la Mathématique Post-illuministe

Résumé

Cet article révèle les principaux aspects de la vie et du travail de Sonya Kovalevsky et sa cheminement jusqu’à dépassement. L’objectif a été atteint en effectuant une recherche bibliographique approfondie, dans le but de raconter la trajectoire d’une grande figure mathématique du XIXe siècle, peu connue du grand public. En conséquence, on présente un aperçu de Sonya, de sa enfance à sa mort prématurée, en soulignant sa lutte pour les droits des femmes et ses capacités scientifiques et littéraires.

Mots-clés: Kovalevsky. Trajectoire. Science. Littérature

 

Primeiras Impressões

Raquel Anna Sapunaru – Professora Doutora em Filosofia e História da Ciência do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). E-mail: raquel.sapunaru@ict.ufvjm.edu.br

Segundo Sapunaru e Gondim (2016), o movimento conhecido como Iluminismo teve sua origem no século XVIII, mas seu término não é um consenso entre os historiadores. O termo “Iluminismo” estava relacionado com esclarecimento e com a iluminação, visto que o “homem iluminista” era essencialmente diferente do homem das sociedades Medieval e Renascentista, pelo menos no modo de tratar o conhecimento sobre a natureza e sua relação com Deus. Por essa razão, o século XVIII ficou popularmente conhecido como o “século das luzes”.

De acordo com os iluministas, o homem era um produto do meio em que vivia, ou seja, da sociedade e da educação que adquiriu. Nas sociedades Medieval e Renascentista, a educação estava sob o julgo da Igreja e isso não era bem visto pelos novos pensadores que despontavam por toda a Europa. Para eles, a Igreja propagava uma Filosofia obsoleta e fechada aos anseios do progresso que aflorava. De um modo geral, a sociedade Medieval era ignorante, fanática e submissa aos dogmas da religião e a sociedade Renascentista, apesar de ter feito progressos significativos no campo da Matemática, não conseguia soltar de vez as amarras que a prendia às antigas ideias. Além disso, desde o século XVII, o desenvolvimento da Matemática encontrava-se, em sua maioria, condicionado ao desenvolvimento da Física. Justamente por isso que a educação precisava de mudanças radicais.

Nesse sentido, os iluministas defendiam que a razão deveria estar na vanguarda da educação. Através da razão, o “século das luzes” revelou uma nova maneira de pensar, pois o principal objetivo dos filósofos iluministas era a busca incessante da felicidade e, ao trilhar esse caminho, eles lutavam contra a injustiça, a intolerância religiosa e, sobretudo, a concentração de privilégios nas mãos dos poucos ricos e poderosos. Dentre esses privilégios, encontrava-se a educação.

Segundo os iluministas, a razão era fundamentalmente importante para os estudos dos fenômenos naturais e sociais emergentes. Nesse sentido, vale ressaltar que os filósofos iluministas eram deístas, isto é, acreditavam em um Deus que agiria indiretamente sobre os homens, através das leis naturais. Por conseguinte, o homem pode descobrir-se e a Deus dentro da razão e da ciência. Além disso, na natureza, as pessoas seriam fundamentalmente boas, logo, os problemas e as desigualdades sociais foram criadas e impostas pelo próprio homem, de acordo com a organização da sociedade vigente. Conclui-se, então, que para corrigir tal situação, o homem teria que mudar totalmente a sociedade em sua volta, estabelecendo as garantias dos direitos naturais dos indivíduos, como, por exemplo, a liberdade e a livre posse de bens.

Igualmente, no século XVIII, teve início um período de transformações econômicas que marcariam profundamente a sociedade: trata-se da Revolução Industrial. Grosso modo, esse episódio da história do homem, constituiu-se na redefinição dos métodos de produção através da incorporação de avanços tecnológicos, amparados por descobertas científicas, acompanhadas da intensificação do comércio e da evolução dos meios de transporte. A Revolução Industrial proporcionou o crescimento da renda e o surgimento de grandes cidades.

Novas tecnologias transformaram muitas áreas de produção e entre elas destaca-se a produção de papel. Isto beneficiou diretamente a industrialização da impressão cujos avanços técnicos proporcionaram uma significativa redução do custo do material impresso. Consequentemente, ocorreu a possibilidade de massificação do acesso aos livros e jornais. A vitória da tecnologia que a Revolução Industrial proporcionou, valorizou a Matemática como uma ferramenta fundamental para a manutenção e a expansão da industrialização, colocando-a em uma posição de destaque.

Ainda no século XVIII, os governos começaram a atuar sistematicamente no financiamento da ciência. Graças à essas iniciativas, a comunidade científica começou a se organizar através da criação de academias. Cabe lembrar que, ainda no século XVII, já tinham sido criadas a Royal Society de Londres e a Académie des Sciences de Paris. Posteriormente, no século XVIII, foram criadas a Academia de Berlim e a Academia de São Petersburgo. As academias de ciências estimularam a criação de novas ideias e teorias, a divulgação da Historia da Matemática e a colaboração entre os pares. Muitas revistas científicas foram criadas e rapidamente tornaram-se os principais veículos de divulgação da Matemática.

No século XIX surgiram revistas dedicadas exclusivamente à Matemática, como, o Journal für die Reine und Angewandte Mathematik, de Berlim e o Journal de Mathématiques Pures et Appliquées, de Paris. Ambos os periódicos são publicados até os dias de hoje e mantêm seus lugares entre as publicações matemáticas de maior prestígio entre os estudiosos. Além disso, várias sociedades matemáticas foram fundadas, tais como a London Mathematical Society e a Société Mathématique de France. Elas também passaram a publicar suas próprias revistas de Matemática. Isto posto, observa-se que a Matemática, pela primeira vez, ganhou autonomia em relação às motivações trazidas pela Física. Uma grande quantidade de resultados foi produzido e, paralelamente, houve não só um esforço na busca de um rigor maior que aquele apresentado até então, mas também uma expansão dos limites matemáticos existentes. Consequentemente, ocorreu um aperfeiçoamento nos estudos da Geometria, da Aritmética e da Álgebra e, surgiram as novas Análise e Topologia. Decididamente, foi a partir do século XIX que a Matemática evoluiu na direção de uma especialização que seria sua marca registrada no século XX. Nesse contexto, surgiu uma matemática singular e brilhante, cuja vida e obra apresenta-se a partir de agora.

Trajetórias Pessoal e Profissional

De acordo com Osen (1975), Sonya Kovalevsky nasceu numa aristocrática, autoritária e patriarcal família russa, na Moscou de 1850, mas antes de completar seis anos, mudou-se para Palibino, no interior da Rússia. Tudo indica que desenvolveu o gosto pela Matemática devido às historias que ouvia sobre seu avô, um extraordinário topógrafo militar e, seu bisavô, que além de matemático, era também astrônomo. Porém, seu tio Piortr foi sua maior influência, pois ela o ouvia com frequência falar de quadraturas, assíntotas e, mesmo sem entender do que se tratava, sentia-se inspirada. Assim, desde a tenra idade, logo que iniciou seus estudos, Sonya demonstrou uma grande aptidão para a Matemática. Comenta-se que durante sua infância, Sonya passava horas dentro de seu quarto estudando as anotações de Matemática que ela mesma se encarregava de pregar nas paredes. Já na adolescência, por volta de 1863, retornou a Moscou com sua irmã Anyuta, pois além da Matemática Sonya tinha um grande talento literário. Nesse período, escreveu vários artigos para jornais, poesias, críticas literárias e teatrais, e um conto intitulado O Professor Particular, publicado em uma revista popular editada por Fiódor Dostoievsky, por quem Sonya era apaixonada. Contudo, a grande paixão de Sonya era mesmo a Matemática.

Aproveitando sua estada em Moscou, Sonya conseguiu convencer seu pai a deixá-la estudar Matemática na escola naval com Aleksander Strannoliubsky. Contudo, ao terminar seus estudos, foi impedida de continuar se aperfeiçoando, visto que as universidades russas, mais precisamente a Universidade de Moscou, não admitiam mulheres, e como era solteira seu pai não a deixou viajar para frequentar uma universidade que aceitasse mulheres fora da Rússia. Por conveniência, Sonya casou-se rapidamente, com Vladimir Kovalevsky, um promissor paleontólogo. Logo após o casamento, o casal Kovalevsky mudou-se para Heidelberg, na Alemanha. Em sua próprias palavras, seu desejo sempre foi “[…] ser capaz de viver para o meu trabalho, cercada por aqueles que estão ocupados com as mesmas perguntas.” (LEFFER, 1895, p. 52).

Na Universidade de Heidelberg, Sonya foi aluna de renomados matemáticos e cientistas, como, por exemplo, Hermann von Helmholtz, Gustav Kirchhoff e Leo Königsberger. Este tinha sido aluno do respeitado Karl Weierstrass na Universidade de Berlim. Königsberger referia-se a Weierstrass com tanto louvor e entusiasmo que despertou o interesse de Sonya em conhecê-lo e tornar-se também sua aluna.

Quando Sonya chegou a Berlim, encontrou a universidade fechada para a possibilidade de aceitá-la como aluna. Apesar de ela ter impressionado os professores da Universidade de Heidelberg, não conseguiu sua admissão, pois, assim como a Universidade de Moscou, a Universidade de Berlim também não aceitava mulheres como alunas. A decepção de Sonya se revelou no seguinte comentário: “A capital da Prússia mostrou-se atrasada, apesar de todos os meus argumentos e esforços, não consegui obter permissão para frequentar a Universidade de Berlim.” (KOVALEWSKAYA , 1978, p.216). Procurou então diretamente por Weierstrass, já que ele havia recebido muitas recomendações sobre ela de seu antigo aluno Königsberger. Foi assim que Weierstrass a aceitou como aluna particular em 1870 e rapidamente Sonya tornou-se, nas palavras do próprio matemático “[…] sua aluna mais dotada […]” (MITTAG-LEFFLER, 1923, p.172). Sonya estudou com Weierstrass por quatro anos, tempo equivalente ao curso regular da universidade. Nesse período, também escreveu três grandes trabalhos, a saber: o primeiro, “Sobre a Teoria das Equações Diferenciais Parciais”, que veio a ser sua tese de doutorado; o segundo, “Sobre a Redução das Integrais Abelianas de Terceira Classe”, um dos assuntos favoritos de Weierstrass; e; o terceiro, uma complementação da pesquisa sobre os anéis de Saturno, “Pesquisa e Observações Suplementares sobre a Pesquisa de Laplace sobre a Forma dos Anéis de Saturno”. Sobre seus trabalhos com Weierstrass, Sonya comentou:

Esses estudos tiveram a mais profunda influência possível em toda a minha carreira matemática e determinaram, de forma definitiva e irrevogável, a direção que eu deveria seguir em meu trabalho científico posterior: todo meu trabalho foi feito exatamente no espírito de Weierstrass. (KOVALEWSKAYA , 1978, p.216).

Em 1874, a Universidade de Göttingen concedeu a Sonya o almejado título de doutora, in absentia, summa cum lauda, depois de muito esforço de Weierstrass e com a ajuda de vários outros matemáticos, entre eles Emil du Bois-Reymond, seu antigo professor. Observa-se aqui que devido à excelência de seu trabalho, Sonya foi dispensada do exame oral, relata Keen (1977).

Infelizmente, sem a oportunidade de trabalhar como professora nas universidades da Alemanha por ser mulher, ela e seu marido decidiram voltar à Rússia, onde mais uma vez, lhe foi negada a chance de trabalhar, mesmo com seu tão valioso título de doutora. Nesse período, morou em Palibino, Moscou e São Petesburgo, onde procurou Gösta Mittag-Leffler, antigo aluno de Weierstrass, por recomendação do próprio. A impressão causada por Sonya em Mittag-Leffler foi inebriante. Em suas próprias palavras:

O que mais me interessou em São Petersburgo, foi conhecer Madame Kovalevsky. Hoje (10 de fevereiro de 1876) passei muitas horas com ela. Como mulher, ela é deliciosa. Ela é bela e, quando fala, seu rosto se ilumina numa expressão de bondade feminina e de inteligência superior […] Seus modos são simples e naturais, sem qualquer traço de pedantismo ou de afetação. No mais, em todos os aspectos, uma ‘dama do grande mundo’. Como estudiosa ela se distingue por uma clareza e por uma precisão de expressão pouco comum […] Percebe-se facilmente também o grau de profundidade para o qual ela dirigiu seus estudos, e eu compreendo perfeitamente porque Weierstrass a considera como a mais talentosa de seus discípulos. (MITTAG-LEFFLER, 1923, p.172).

Além de Mittag-Leffler, Sonya também iniciou uma profícua amizade com Anne-Charlotte Leffler, sua irmã, que viria a ser sua biógrafa oficial e com quem escreveu a peça A Luta pela Felicidade, em 1887. Nessa mesma época, o casal Kovalevsky teve sua única filha, Sophia, que Sonya apelidou de “Fufa”.

Visto que não conseguiria uma posição nas universidades russas, Sonya decide abandonar a Matemática e retomar sua outra paixão: a Literatura. Vale observar que, nos escritos de Sonya, os direitos das mulheres eram constantemente abordados, principalmente aqueles relacionados à educação superior. Sobre esse tema Sonya pensava que se lecionasse poderia abrir as portas das universidades às mulheres, incondicionalmente.

No entanto, a Matemática sempre falou mais alto na vida de Sonya. Concomitantemente, a situação financeira da família Kovalevsky não se encontrava em bom estado devido aos maus negócios realizados por seu marido Vladimir. Por essa razão, decidiu voltar à Alemanha sozinha onde reencontrou Weierstrass e lá iniciaram um novo trabalho. Porém, em 1883, Vladimir comete suicídio por causa de problemas conjugais e financeiros. Em seguida, Sonya voltou a contatar seu orientador Weierstrass, que com a ajuda de Mittag-Leffler, conseguiu para ela uma posição na Universidade de Estocolmo. Finalmente, Sonya tornou-se professora universitária e, a partir de então, seu trabalho e talento começaram a ser reconhecidos.

Daí por diante, Sonya ganhou fama no cenário matemático europeu. Matemáticos de todo o mundo lhe escreviam pedindo-lhe que lesse seus trabalhos e desse sua opinião. Além dos professores com que Sonya estudou diretamente, ela também se correspondeu e conviveu com outros matemáticos como Carl Rung, Émile Picard, Charles Hermite, e outras personalidades literárias, como, Eliot, Chekhov, Darwin e Huxley. Nessa época, foi também editora do jornal Acta Mathematica, publicado até hoje. Em 1888, Sonya chegou ao seu ápice ao ganhar o Prix Bordin da Academia de Ciências da França com o trabalho “Sobre o Problema da Rotação de um Corpo Sólido em torno de um Ponto Fixo”, depois de ter generalizado trabalhos anteriores de grandes físicos-matemáticos, encontrando uma solução das equações de Euler para um corpo rígido sobre um ponto fixo. Karen Rappaport explica o trabalho se Sonya:

Antes do trabalho de Sonya Kovalevsky, as únicas soluções para o movimento de um corpo rígido sobre um ponto fixo foram desenvolvidas para os dois casos nos quais o corpo é simétrico. No primeiro caso, desenvolvido por Euler, não há forças externas, e o centro de massa é fixo dentro do corpo. Este é o caso que descreve o movimento da terra. No segundo caso, derivado de Lagrange, o ponto fixo e o centro de gravidade estão ambos sobre o eixo de simetria do corpo. Este caso descreve o movimento do topo. Sofá Kovalevsky desenvolveu o primeiro dos casos especiais solúveis para um topo assimétrico. Neste caso, o centro de massa não está mais sobre um eixo no corpo. Ela resolveu o problema construindo coordenadas explicitamente como funções ultra-elípticas do tempo. Kovalevsky continuou este trabalho em mais dois artigos sobre o movimento de um corpo rígido. Estes dois receberam prêmios da Academia Sueca de Ciências em 1889. Seus trabalhos posteriores sobre o assunto foram perdidos. (RAPPAPORT, 1981, p. 569).

A título de curiosidade, esse prêmio foi oferecido pela Academia de Ciências da França em uma competição da qual participaram quinze artigos. O desenvolvido por Sonya foi tão superior aos demais que levou Mittag-Leffler a fazer o seguinte comentário:

Sobre o problema da rotação de um corpo sólido em torno de um ponto fixo, Acta Math. 12(1889), pp.177-232, foi coroado numa cerimonia solene da Academia de Ciências, em Paris, na data de 24 de dezembro de 1888, com o prêmio Bordin, aumentado de 3000 para 5000 francos. (MITTAG-LEFFLER, 1923, p.172).

Osen (1975) aponta que Sonya foi premiada também pela Academia de Ciências da Suécia e, em 1889, conseguiu o tão almejado reconhecimento dos círculos acadêmicos russos, tornando-se membro correspondente da Academia Russa de Ciências. Entretanto, apesar de todas as honrarias, nenhuma posição de professora universitária lhe foi oferecida nesse país.

A Rainha Russa da Matemática Europeia

De todas as contribuições matemáticas deixadas por Sonya, aquela que mereceu um maior destaque foi a que lhe proporcionou seu título de doutora, o artigo “Sobre a Teoria das Equações Diferenciais Parciais” no qual se encontra o “Teorema Cauchy-Kovalevsky”. Sobre o desenvolvimento desse trabalho, Weierstrass chamou a atenção de Sonya quando disse: “[…] veja, querida Sonya, que sua observação (que parecia tão simples para você) sobre a propriedade distintiva das equações diferenciais parciais […] foi para mim o ponto de partida para pesquisas interessantes e muito elucidativas.” (POLUBARINOVA-KOCHINA apud KOVALEWSKAYA, 1978, p. 235). Do ponto de vista da Física-matemática, outro interesse de Sonya, o teorema se aplica ao estudo dos fenômenos que dependem de uma ou mais a variáveis, como, por exemplo, a propagação de uma onda sonora no ar, onde a perturbação depende do tempo e do espaço, isto é, o estado da onda pode variar em diferentes instantes e posições ao longo do meio no qual ela se propaga. Vale ressaltar o interesse especial que Sonya tinha pela Física-matemática, sob a luz da análise de Mittag-Leffler:

Sonya a partir de sua estada em Heidelberg, onde ela conheceu Helmholtz e Kirchhoff, desenvolveu um gosto pela Física-matemática. Esse interesse aumentou ao longo de seus estudos particulares com Weierstrass. Ela começou a se aprofundar nos trabalhos de Maxwell e pediu um conselho a Weierstrass sobre como ela deveria preparar seus estudos. (MITTAG-LEFFLER, 1923, p.157).

O teorema “Teorema Cauchy-Kovalevsky” garante a existência e a unicidade de uma solução analítica real ou complexa de um sistema de equações não-lineares, quando os dados e as equações são descritas por funções analíticas. Uma função analítica é a que pode ser desenvolvida em uma série de Taylor e uma equação não-linear é a que a função ou uma de suas derivadas têm grau superior a um, explica Rappaport  (1981). Na época, muito se falou sobre a tese de doutorado de Sonya e Mittag-Leffler comenta:

[…] os invejosos têm tentado fazer crer que Sonya, ao redigir sua tese de doutorado, não foi tão independente quanto queria ser, e que devia a Weierstrass mais do que a ela mesma. As própria palavras de Weierstrass nos são agora uma prova do contrário. A demonstração de que a equação diferencial é formalmente satisfeita por uma série de potência que não converge para nenhum sistema de valores de variáveis independentes, era uma das partes mais originais da tese e foi naquela época uma descoberta de alta importância. (MITTAG-LEFFLER, 1923, p.146).

O Breve Fim

De 1884 até sua morte, em 1891, Sonya atuou como professora de Matemática na Universidade de Estocolmo. Tristemente, quando finalmente conquistou o reconhecimento de sua potencialidade, mostrando para o mundo que o fato de ser mulher não diminuía sua capacidade intelectual, Sonya morreu de pneumonia, aos 41 anos. Nessa ocasião, ela encontrava-se no auge de sua carreira e já havia obtido o respeito dos grandes matemáticos de sua época. Vale observar que pouco antes de sua morte, ela escreveu vários romances, a saber: As Irmãs Rajevsky durante a Comuna, Uma Infância Russa e Garota Nihiilista e Vera Vorontzoff. Todos os seus romances receberam elogios de críticos literários, que ficaram surpresos com a versatilidade de Sonya ao transitar elegantemente entre a Matemática e a Literatura. Sua morte precoce, foi, inegavelmente, uma grande perda, lamenta Osen (1975).

Referências Bibliográficas

KEEN, L. Sonya Kowaleskaya – Her Life and Work. Newsletter of the Association for Women in Mathematics. Vol. 7, No. 2, (March/April, 1977), p.2-6. Disponível em: <https://www.drivehq.com/folder/p8755087/1748716671.aspx>. Acesso em: 25 de ago. 2018.

KOVALEWSKAYA, S. Memories of Childwood. Introdução, tradução e edição de B. Stilman como “A Russian Childhood” e análise da matemática de Kovalevskaya de P. Y. Kochina da USSR Academia de Ciências. 1978. Disponível em: <https://link.springer.com/content/pdf/bfm%3A978-1-4757-3839-1%2F1.pdf>. Acesso em: 20 de ago. 2018.

LEFFLER, A. C. Sonya Kovalevsky – A  Biography by Anna Carlotta Leffler, Duchess of Cajanello e “Sisters Rajevsky” de Sonya Kovalevsky. Tradução de A. de Furuhjelm e A. M. Clive Bayley. Notas biograficas de L. Wolffsohn. 1895. Disponível em: <https://archive.org/details/sonyakovalevskyb00leffuoft>. Acesso em: 15 de ago. 2018.

MITTAG-LEFFLER, G. Weierstrass et Sonja Kowalewsky. Acta Math. 39 (1923), 133-198. Disponível em: <https://projecteuclid.org/euclid.acta/1485887422>. Acesso em: 25 de ago. 2018.

OSEN, L. M. Women in Mathmatics. Londres: Cambridge, MIT Press, 1975.

RAPPAPORT, K. D. S. Kovalevsky: A Mathematical Lesson. The American Mathematical Monthly, Vol. 88:8, Out. 1981, p.564-574.

SAPUNARU, R. A.; GONDIM, D. M. Os Atores (Des)conhecidos dos Cálculos. 2016. Disponível em: <https://www.editorafi.org/058raquel 2016>. Acesso em: 05 de ago. 2018.

Como Citar:

SAPUNARU, R. A. Sonya Kovalevsky: A Rainha Russa da Matemática Pós-Iluminista. P@rtes (São Paulo). Disponível em: <http://www.partes.com.br/>. Out. de 2018.

[*] Professora Doutora em Filosofia e História da Ciência do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). E-mail: raquel.sapunaru@ict.ufvjm.edu.br

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