Rodrigo Neres de Morais1
publicado em 16/04/2010
www.partes.com.br/cultura/teatro/santiagoencena.asp
O teatro é uma arte efêmera
há mais de dois mil anos.
Millôr Fernandes
Durante o mês de novembro de 2009, entre os dias 23 a 26, a cidade de Santiago, no interior do Rio Grande do Sul, conhecida como a “Terra dos Poetas”, recebeu visitas ilustres. Algumas vindas do reino da narrativa mitológica e que habitam a esfera celestial desde a Grécia Antiga e se fazem presentes até hoje para provocar a nossa reflexão sobre o real sentido e origem das coisas. E aí? Já descobriu quem são? Estou me referindo as Musas Tália e Melpômene, Deusa-irmãs, filhas de Zeus e Mnemósine e habitantes do Museion.
Com seu cajado de pastor e a máscara cômica em mãos, a “festiva” Tália musa grega da comédia, transita entre nós distribuindo risos e gargalhadas, mas ao mesmo tempo, nos faz ver a graça existente nas pequenas coisas do nosso cotidiano, que nos passam desapercebidas e que ora nos orgulham ora nos envergonham. Mas mesmo assim achamos graça.
Sem graça nenhuma, Melpômene a musa grega da tragédia, perambulando com seus coturnos gastos e carregando em suas mãos uma faca e a máscara trágica, nos mostra a verdadeira face da tristeza e do desespero humano, nos colocando frente todas as mazelas da existência. Ou como nos fala Aristóteles, o primeiro teórico da tragédia, ao apontar os dois conceitos que definem esse gênero: a mimese – a imitação da palavra e do gesto de modo a despertar os sentimentos de terror e piedade no público, e a catarse – que é o alívio desses sentimentos através de um efeito moral e purificador.
Mas tanto Tália como Melpômene, fazem com que a nossa humanidade seja questionada frente a indagações filosóficas contextualizadas com a nossa realidade, os nossos modos de agir e pensar e até mesmo, com as nossas próprias concepções, pré-conceitos e interpretações do real e do imaginário. Porém essas Deusas não costumam andar sozinhas. Elas possuem uma legião de seguidores, nômades, sem paradeiro e que conseguem romper com as barreiras temporais, dominando as representações do passado, presente e até de inúmeros e prováveis futuros, de incalculáveis mundos e galáxias distantes e inexploradas.
Uma gente que se encontra em torno de uma ideia, de uma vontade, de um objetivo, de uma boa história… Em lugares a princípio escuros, incômodos, desafiadores por vezes, mas que por um momento de magia, se transformam em qualquer espaço ou coisa cabível à imaginação. Revelando cores, luzes, sombras, ritmos e por fim universos.
Essa gente capaz de realizar sonhos e distribuir fantasias, é o Povo do Teatro. Todos eles! Atores, diretores, iluminadores, sonoplastas, maquiadores, figurinistas… Enfim, todos construtores de mundos, de personagens e de espetáculos. São eles que fazem acontecer a festa das Musas, que as mantém vivas entre os palcos, ao abrir e fechar de cortinas e ao término dos aplausos.
E assim, conseguem fazer do teatro a arte mais próxima da vida humana, uma vez que o ser humano é por natureza um ser teatral. Uso novamente o pensamento de Aristóteles, que nos explica que desde a infância os homens apresentam em sua natureza uma tendência para representar e uma tendência para assistir tais representações.
O que poderíamos dizer que o próprio teatro existe pela necessidade dos homens extravasarem suas angústias, medos, paradigmas e ideais. Ou melhor, como nos fala Pierre Bugard, que mais do que nunca essa arte se faz necessária pois “hoje, os deuses morreram, estamos sozinhos, o mito esvaziou-se, a tragédia abandonou a cena da cidade grega e foi habitar para o nosso inconsciente. (…) Ficou-nos a nevrose para nos preservar dela, resta-nos o Teatro.”
O encontro da Gente do Teatro resulta na grande festa das Musas Tália e Melpômene. Na cidade de Santiago, RS, esse momento há treze anos denomina-se SANTIAGO ENCENA, que na verdade se trata de um Festival de Teatro Amador.
Desde o ano de 1997 esse festival faz parte do calendário de eventos do município, atraindo um público que busca não apenas diversão e lazer, mas também, a oportunidade de interagir com as mais diferentes manifestações culturais e novas formas de ver e interpretar o mundo e a realidade a sua volta. Lembra-se, conforme FUSARI (2001, p. 78), que é importante a prática de educar nosso modo de ver, para que ocorra a transformação e a conscientização do nosso papel social, enquanto agentes participativos no meio ambiente e na realidade cotidiana e sendo o teatro campo nobre para tais ações e análises.
O primeiro Santiago Encena teve o objetivo de proporcionar à comunidade local a apreciação da arte cênica e da dança criativa de grupos teatrais e de instituições escolares que tinham a necessidade de difundir sua expressão artística. A partir do ano de 1998 o Santiago Encena, devido ao sucesso e a repercussão da primeira edição, passa a ser em nível regional contando com a participação de grupos teatrais de várias cidades do estado do Rio Grande do Sul.
Desde a décima segunda edição, no ano de 2008, o Santiago Encena foi um Festival de Teatro Amador e Dança Coreografada, sendo que na sua trajetória 122 danças coreografadas, 79 peças teatrais infantis e 99 espetáculos adultos foram apresentados a comunidade, para a alegria das duas Deusas-irmãs.
No ano de 2009, realizou-se, sob a proteção celeste direto do Monte Parnaso, a décima terceira edição do Festival, contando somente com a categoria de Teatro Amador, uma vez que, foi reformulado seu regulamento e suas categorias de premiação. Estavam na disputa 04 espetáculos na categoria infantil e 05 na categoria adulta, com grupos de teatro amador, além da cidade de Santiago, também das cidades gaúchas de Itaqui, São Francisco de Assis e Uruguaiana.
O Santiago Encena é uma promoção da Prefeitura Municipal de Santiago, através da Secretaria Municipal de Educação e Cultura. É um evento que vem fortalecer e alicerçar ainda mais a identidade cultural da “Terra dos Poetas”, como é conhecida a cidade de Santiago, RS, pois afinal foram 13 anos de efetiva existência junto a promoção e difusão artístico-cultural. Trazendo consigo uma mensagem de amor a arte, sem preconceitos e valorização da capacidade e criatividade humana, pois como nos fala MARTINS (1998, p.6):
(…) a linguagem da arte. Feita para o homem mergulhar dentro de si mesmo trazendo para fora e para dentro dos outros homens as emoções do próprio homem. Sabe o homem que as emoções é que são o sal da vida. Por isso é que quando um homem quer falar ao coração dos outros homens ele o faz pela linguagem da arte. Quando isso acontece, naquele homem sente e age o artista.
Por essa razão, alicerçados em preceitos que valorizam e incentivam as expressões, habilidades e potencialidades de homens e mulheres, personagens condutores da teia tecida por Clio, a musa da História e irmã querida de Tália e Melpômene, é que o teatro se torna um investimento cultural de suma importância. Não se importando com o número de pessoas ocupando cadeiras em grandiosos salões, mas sim com sujeitos com a sensibilidade necessária para estarem abertos à arte e sabendo valorizá-la.
Não só o teatro, como também, toda a forma de expressão artística-cultural deve ser valorizada e vista como um investimento. E quem deve investir, incentivar, tomar para si, é a própria comunidade e não apenas os poderes públicos instituídos.
Deve-se ter a noção que ao investir em cultura, a colheita será a longo prazo e não imediata. O “aqui-agora” se têm através do retorno midiático, que deixa extremamente felizes os gerentes de marketing, mas o que importa realmente, é que as mentalidades sejam dialogicamente confrontadas, questionadas, que haja mudanças paradigmáticas… E isso deriva tempo, paciência, construção de gosto e polimento da sensibilidade humana frente a contemplação das inúmeras manifestações da arte e de suas Musas .
Portanto, enquanto a cidade de Santiago, RS, continuar com seus pequenos, mas talentosos, grupos de Gente do Teatro a serviço da festa de Tália e Melpômene, o movimento do teatro amador e a própria cultura agradecem e se fazem ainda mais vivos na “Terra dos Poetas” do Brasil.
Referências Bibliográficas:
FUSARI, Maria e FERRAZ, Maria. A Arte na Educação Escolar. São Paulo: Cortez, 2001.
MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. T. T. Didática do Ensino da Arte: A Língua do Mundo – Poetizar, Fruir e Conhecer Arte. São Paulo: FTD, 1998.
NORONHA, Luiz. A construção do espetáculo. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
1 Professor Historiador, Pós-graduando em História: Cultura, Memória e Patrimônio. Atualmente é Chefe do Departamento de Cultura do Município de Santiago, RS. E-mail: rodrigoneres1@gmail.com