Educação

Sem educação não se combate trabalho infantil, diz ativista indiano

Anderson Vieira

O indiano Kailash Satayarthi, criador da Marcha Global Contra o Trabalho Infantil e indicado ao Nobel da Paz em 2006, defendeu o investimento em educação como o mais importante meio de prevenir e combater a exploração ilegal de crianças e adolescentes. Segundo o indiano, o mundo tem feito progressos nos últimos 20 anos, mas insiste no erro de tratar as duas questões isoladamente.

– As estatísticas mostram que existe uma correlação. No Brasil, por exemplo, existem 3,8 milhões de crianças fora da escola e pouco mais que isso trabalhando. Os números são semelhantes. Trabalho infantil, analfabetismo e pobreza são três vértices de um triângulo e mantêm relações de causa e efeito – disse, nesta segunda-feira (6), em audiência pública da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado.

O ativista indiano elogiou iniciativas brasileiras, como o Bolsa-Escola e o Bolsa-Família, classificando-as de “mecanismos positivos” e que podem ser copiados por outros países do mundo, mas fez um alerta à autoridades locais em relação à Copa do Mundo de 2014 e aso Jogos Olímpicos de 2016: outras nações que abrigaram grandes eventos antes tiveram problemas com aumento do trabalho infantil.

– Muitos jovens foram recrutados pela prostituição, por hotéis, restaurantes e pela indústria, atuando na fabricação de materiais esportivos e de outros produtos usados nos eventos. Faço um apelo à sociedade civil e aos políticos brasileiros para ficarem em alerta – afirmou o indiano, que aproveitou para elogiar a atuação do senador Cirstovam Buarque (PDT-DF) no combate ao trabalho infantil e em favor da educação.

Kailash Satayarthi criticou ainda a comercialização da educação. Para ele, ver o setor como um negócio é um perigo, pois cria diferença entre quem pode e quem não pode comprar.

– Educação é uma obrigação do Estado que tem sido transferida para o setor privado. O perigo nisso é que seu propósito básico é perdido, ou seja, criar cidadãos responsáveis e comprometidos com a paz e harmonia social. A privatização, por sua vez, transforma a educação em ferramenta para a indústria, para o aumento produtividade e o lucro.

Coordenação

Outra convidada da audiência desta segunda-feira, a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa Maria de Oliveira, considera que o Brasil perdeu o foco em relação ao tema. Segundo ela, não falta dinheiro, mas gestão competente e eficiência no gasto dos recursos.

– Há ausência de coordenação política que articule as esferas federal, municipais e estaduais para colocar fim à exploração indevida de crianças e de adolescentes. A infância é tempo curto, e muitas das crianças que não tiveram direitos assegurados não vão recuperá-los nunca mais – lamentou.

Ela lembrou que, no Brasil, se uma crianças é negra, nasce no campo e é pobre, está fadada a ser excluída da escola e estrar precocemente no trabalho infantil.

Zona rural

O integrante do Comitê do Distrito Federal da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Tiago Manggini, mostrou-se especialmente preocupado com a situação das crianças nas zonas rurais, que sofrem com o fechamento de escolas no campo. Segundo ele, cerca de 27 mil escolas foram fechadas no meio rural brasileiro entre 2002 e 2010.   Além disso, ressaltou, a dificuldade de acesso é outro problema enfrentado no campo.

– O estudante às vezes frequenta mais o ônibus que a escola. Ele é um viajante e não estudante – disse.

Tiago Manggini defendeu a criação de mecanismos legais para dificultar o fechamento de instituições de ensino, o que necessitaria de ajuda do Congresso Nacional.

– Para abrir uma escola é muito complicado; para fechar basta um ato do Poder Executivo. E, na maioria das vezes, do Executivo municipal – lamentou.

Relatório

Segundo relatório lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ainda há muito a ser feito para se garantir ao acesso pleno à educação no Brasil. Indicadores mostram que os grupos mais vulneráveis são os historicamente excluídos, como negros, indígenas, pessoas com deficiência, populações da zona rural e de baixa renda.

A seguir, alguns números do setor:

* Crianças fora da escola:

– 4 a 6 anos: 1,6 milhão;

– 6 a 10 anos: 375 mil;

– 11 a 14 anos: 355 mil;

– 15 a 17 anos: 1,5 milhão.

* Em 2010, segundo estudo do IPEA:

– 16,5% das escolas do campo não possuíam energia elétrica;

– 14,8% não tinham cozinha para merenda;

– 14,1% não possuíam esgoto;

– 11%  não tinham banheiro para os alunos;

* Transporte escolar:

– Cerca de 10% dos estudantes que vivem em zonas rurais levam mais de uma hora para chegar à escola todos os dias.

– Por volta de 65% dos alunos matriculados em escolas do campo não são atendidos por transporte escolar público.

* Fechamentos de escolas:

– Entre 2009 e 2010, 3.630 escolas rurais foram fechadas no Brasil. De 2002 a 2010, foram 27,7 mil estabelecimentos.

* Quilombolas:

– Das 1,696 escolas de educação básica em áreas quilombolas, 92% estão na zona rural e têm os mesmos problemas dos demais estabelecimentos de ensino no campo.

* O relatório completo está disponível na página da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, no seguinte endereço eletrônico: http://www.campanhaeducacao.org.br/?pg=Pesquisas&id=10

SENADO

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