Eles são os últimos enganados e abandonados para morrer no deserto; são os últimos torturados, maltratados e violados em campos de detenção; são os últimos a desafiar as ondas de um mar implacável; são os últimos deixados em campos de uma acolhida que é muito longa para ser chamada de temporária.
Papa Francisco
Margarete Hülsendeger
Donald Trump, neto de imigrantes alemães e escoceses, construiu sua carreira política atacando justamente aqueles que compartilham uma história semelhante à de sua própria família. Seu avô, Friedrich Trump (1869-1918), deixou a Alemanha no final do século XIX em busca de oportunidades nos Estados Unidos – assim como fazem hoje milhões de imigrantes que fogem da violência, da pobreza e da instabilidade política em seus países. No entanto, em seu segundo mandato, Trump parece ignorar essa conexão com o passado e endurece ainda mais sua política migratória.
Em seu primeiro discurso como presidente, foi direto ao ponto:
“Toda entrada ilegal será imediatamente impedida, e iniciaremos o processo de devolução de milhões de imigrantes ilegais a seu país de origem. Restabeleceremos a política do ‘fique no México’ e porei em prática a lei de prender e deportar”[1].
O tom da fala não deixa dúvidas. A abordagem agora é de força total, tratando a imigração como um problema de segurança nacional. O resultado? O aumento exponencial de detenções e deportações em massa, com agentes federais realizando operações frequentes para prender e expulsar estrangeiros, muitas vezes sem considerar sua situação individual.
O termo “deportações em massa” carrega um peso histórico. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha nazista utilizou a deportação como uma ferramenta de perseguição, enviando milhões de pessoas – judeus, ciganos, dissidentes políticos – para campos de concentração ou países onde enfrentariam perseguição e morte. Embora as circunstâncias sejam diferentes, a lógica da desumanização se repete. A política migratória de Trump ignora a trajetória de cada indivíduo: imigrantes que vivem há décadas nos EUA, pagam impostos e criaram raízes são arrancados de suas comunidades e enviados de volta a países que, muitas vezes, já não são mais seus lares. O discurso oficial os trata como criminosos, ignorando que muitos vieram fugindo de regimes autoritários, crises econômicas e catástrofes humanitárias.
Em outro discurso, Trump reforçou sua posição com palavras duras:
“Eu também estou agindo rapidamente para acabar com a invasão na nossa fronteira sul. Eles [administração anterior] permitiram que as pessoas entrassem em níveis que ninguém nunca viu antes. Foi ridículo. Eu decidi e declarei uma importante emergência nacional na nossa fronteira com efeito imediato, proibindo a entrada de todos os imigrantes ilegais, que eram muitos, e comecei a enviar os imigrantes ilegais de volta para os lugares de onde vieram”[2].
A retórica não apenas criminaliza a imigração como reforça um sentimento de medo e intolerância dentro da própria sociedade americana. Esse contraste fica mais evidente quando comparamos a política migratória dos Estados Unidos à do Brasil. Enquanto o governo americano reforça barreiras físicas e institucionais contra imigrantes, o Brasil tem adotado uma postura mais aberta, reconhecendo o direito humanitário à migração.
A Lei de Migração de 2017 substituiu o antigo Estatuto do Estrangeiro, garantindo uma abordagem mais inclusiva e reconhecendo os imigrantes como sujeitos de direitos, e não como ameaças à segurança nacional. O Brasil também se destaca no acolhimento de refugiados, especialmente venezuelanos, por meio da Operação Acolhida, que busca integrar esses imigrantes à sociedade e ao mercado de trabalho.
Diferente dos Estados Unidos, que tratam a imigração como um problema, o Brasil a vê como um fenômeno social que, se bem administrado, pode contribuir para o desenvolvimento do país. Embora a política migratória brasileira enfrente desafios estruturais, como burocracia e falta de recursos, sua abordagem contrasta com a dos Estados Unidos: enquanto lá se erguem muros e se deporta indiscriminadamente, aqui se busca construir pontes e oferecer oportunidades, mesmo que de forma limitada.
As deportações em massa promovidas pelo atual governo americano não apenas violam direitos humanos básicos, como também colocam milhares de pessoas em situações de extrema vulnerabilidade. Mulheres e crianças deportadas para Honduras e El Salvador enfrentam um risco altíssimo de cair nas mãos de gangues violentas. Famílias separadas sofrem traumas irreversíveis. Crianças americanas, filhas de imigrantes, podem perder seus pais de um dia para o outro, sem qualquer apoio governamental.
O governo Trump justifica suas ações sob o argumento de soberania nacional e proteção dos empregos americanos, ignorando completamente o caráter social da crise migratória. Muitos dos que tentam entrar nos EUA não estão apenas em busca de oportunidades econômicas – estão fugindo de guerras, perseguições políticas, violência do narcotráfico e condições insustentáveis de vida.

Trump, no entanto, vê essas medidas como o início de uma nova era para os Estados Unido:
“Nosso país florescerá e será respeitado novamente em todo o mundo. Seremos a inveja de todas as nações e não permitiremos que tirem vantagem de nós por mais tempo”[3].
Era de ouro? Para quem?
No fim das contas, a grande questão não é se um país deve ou não controlar suas fronteiras – isso é óbvio. O problema surge quando esse controle se transforma em uma política de desumanização, na qual imigrantes deixam de ser vistos como pessoas e passam a ser tratados como um fardo, um perigo, uma “invasão”.
A história já mostrou que esse tipo de pensamento leva a consequências trágicas. Mas Trump, neto de imigrantes, parece ter esquecido disso. Ou, pior, escolheu ignorar.
E aí fica a dúvida: se Friedrich Trump tentasse entrar nos Estados Unidos hoje, será que conseguiria? Ou será que seu neto o deportaria antes que ele pudesse construir uma nova vida?
[1] Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-01/trump-reitera-combate-a-imigracao-ilegal-e-fala-em-era-de-ouro. Acesso em 07 fev. 2025.
[2] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/nao-permitiremos-que-os-eua-sejam-violados-diz-trump-sobre-imigrantes/. Acesso em 07 fev. 2025.
[3] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eleicoes-nos-eua-2024/a-era-de-ouro-dos-estados-unidos-comeca-agora-diz-trump-em-posse/. Acesso em 07 de fev. 2025.