A dialética, além de sua definição genérica, possui entendimentos expostos por Platão e Aristóteles, o que confirma que mesmo um discípulo pode ter opiniões diferentes de seus mestres. Aliás, isso demonstra que respeito não significa submissão.
Segundo o dicionário Oxford Languages, no aristotelismo dialética é “raciocínio lógico que, embora coerente em seu encadeamento interno, está fundamentado em ideias apenas prováveis, e por esta razão traz em seu âmago a possibilidade de ser refutado”. Já no platonismo, ela é “processo de diálogo, debate entre interlocutores comprometidos com a busca da verdade, através do qual a alma se eleva, gradativamente, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou ideias”.
“Busca da verdade”…
Parece ser um ideal platônico encontrar dialética na política, na ideologia ou na religião, considerando o fanatismo, oportunismo e busca de poder associados.
O dualismo, que também teria bases em Platão, é entendido como sendo: “o pensamento através do qual se concebe a coexistência de dois princípios antagônicos. Tal coexistência pode ser pacífica, ou de constante luta entre tais princípios, atribuindo-se em alguns casos superioridade a um deles”.
Dialética, platonismo e dualismo, em tese, pressupõem alternância eventual e percepção de que não existe uma verdade absoluta ou uma certeza imutável, e que a prevalência insofismável de um entendimento só pode ocorrer pela supressão de qualquer opinião contrária. Para ideologias radicais e religiões fundamentalistas, essa elevação da alma para seus objetores tem sido interpretada como seu extermínio, no sentido físico, crimes perpetrados como vontade divina ou fins que justificam os meios.
“Debate entre interlocutores comprometidos com a busca da verdade”…
Uma antiga lenda persa afirma que a verdade era um grande espelho que, lançado por terra, partiu-se em milhares de pedaços, e que, desde então, cada um que lhe encontra um fragmento pensa tê-la encontrado por inteiro.
Sábio quem a criou, ou ao menos bastante lúcido, pois a forma como alguns fatos são divulgados, interpretados, distorcidos ou adulterados mostra o quão fragmentada a verdade pode ser, ao ponto de uma mentira ser chamada de meia-verdade, ou verdade absoluta, quando repetida cem vezes.
Um crime pode ser hediondo, para uns, e justificado, para outros; perdoável, para uns, condenável sem apelação, para outros.
Tudo depende da maneira como a propensão à dialética vai sendo suprimida ou bloqueada, e o dualismo cede lugar a um monismo ideológico ou religioso.
É atribuída ao dramaturgo grego Esquilo a frase: “Na guerra, a verdade é a primeira vítima”.
Mesmo quando não há um conflito bélico, essa “guerra” ocorre onde quer que haja interesse por poder, seja ele de qualquer tipo, de uma família a um país, ou, no limite, ao próprio mundo.
A guerra de informação, sobretudo em tempo de eleições, é um desgaste para candidatos e eleitores, tantas são as acusações, verdadeiras e falsas.
O menor deslize comportamental, atual ou pregresso; uma frase fora de contexto; interpretações maliciosas; edições de imagens e falas, são utilizados para desacreditar o adversário, valendo tudo nessa guerra, sem nenhuma preocupação com as consequências desse embate.
Os fatos são “torturados” com requintes de crueldade, na tentativa de “confessarem” de acordo com as intenções dos torturadores.
O pior é que, após as eleições, parece que tudo é esquecido, a não ser pelos extremistas, com seus discursos de cartilha hegemônicos, únicos “donos da verdade”, mas incapazes de refletirem ou minimamente se enxergarem.
As sequelas ficam na conta do povo, obrigado a viver com a desconfiança gerada pelos discursos difamatórios.
É da democracia, mas poderia ser diferente, se as propostas de governo estivessem acima de disputas político-partidárias, corporativas, vaidades ou extremismos ideológicos. O mesmo vale para religiões.

Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras