Adilson Luiz Gonçalves cinema Colunistas Cultura

CANTANDO NA CHUVA

Certa vez, resolvi fazer um ranqueamento de atores, atrizes, diretores e filmes desde a criação do Oscar, baseado num modelo “objetivo”.

Obviamente, esse ranqueamento considerou apenas a premiação da Academia, desconsiderando outras premiações importantes, mundo afora. Já vi muitos filmes fora do eixo EUA-Reino Unido, que demonstram que premiados com o Oscar não necessariamente são os “melhores do mundo”, naquele ano. Aliás, nem mesmo nesses países. A quantidade de “remakes” de produções internacionais comprova essa tese. Só recentemente filmes em outros idiomas que não o inglês passaram a concorrer em todas as categorias, e não apenas na de “melhor filme internacional”. Mesmo assim, sempre há suspeita do critério adotado, seja ele de marketing, político ou ideológico.

Considerando os critérios mais recentes que têm norteado as indicações ao Oscar, essa percepção é ainda mais justificada. Produções são descartadas apenas por não se enquadrarem na “cartilha”, o que também tem valido para as mídias em geral.

Voltando ao meu ranqueamento, no caso de atores, atrizes e diretores, meu critério incluiu premiações, indicações, prêmios honorários. No caso de atores e atrizes, também considerei premiações na categoria de coadjuvantes. Estabeleci uma ponderação por “pesos”, ou seja, valores a cada item da avaliação. Obviamente, os premiados receberam pontuação superior à das indicações. Deu um trabalhão!

Curiosamente, o resultado não me decepcionou, pois, mesmo que não no topo da lista, meu gosto pessoal estava presente.

Cometi o “erro” de divulgar esse ranqueamento num grupo de cinéfilos na internet. Para quê…

Mexi com a paixão de alguns, que passaram a me tratar quase como um sacrílego, por desafiar suas predileções pessoais. Isso de tal forma agressiva, que decidi sair do grupo, apesar do administrador tentar me dissuadir.

Esse tipo de atitude passional, insofismável, é comum em várias áreas, o que tem dado motivo para discussões acaloradas no âmbito de artes, política, esporte, ideologia e religião, que têm gerado brigas e até guerras. Tudo isso porque “gosto não se discute”, mas nada impede que seja aprimorado, o que exige ampliar o conhecimento sobre assuntos.

Isso vale quando há subjetividade nas manifestações. E quando se tenta colocar algum tipo de objetividade, as reações podem ser radicais, baseadas em fanatismo, baixa autoestima, carência afetiva ou pura ignorância.

Afinal, não faz o menor sentido, por mais culto que uma pessoa seja, usar expressões absolutas do tipo: “o melhor” ou “o mais importante”. O correto seria complementá-la com “em minha opinião”, “do que eu conheço” ou afim.

Tenho usado expressões desse tipo, no caso de opiniões pessoais, sem a intenção de impô-las a terceiros. Quando ouço opiniões contrárias, no mesmo estilo, animadas e proveitosas discussões têm lugar, cada um defendendo seu ponto de vista.

Eu mesmo, às vezes, tenho dificuldade para definir meus filmes, atores, atrizes e diretores preferidos, pois gosto de vários.

Gostar ou não gostar, eis a questão! Considerando a questão do gosto, tenho pessoalmente discordado da opinião de alguns críticos quando elogiam certas produções e atuações como as “melhores de todos os tempos”. Quem sou eu para questionar esses próceres?

Bem, arte tem muito a ver com gosto, e nem sempre a técnica, o carisma e o oportunismo temático são suficientes. Mesmo assim, certos temas são recorrentes em filmes de vários países, tais como: nazismo, comunismo, preconceitos, guerras, principalmente se envolvem crianças, biografias de determinados personagens, ditaduras e por aí vai. Alguns são realmente interessantes, mas o critério de seleção depende dos membros do júri, sempre com intenções de mercado, qualquer que seja ele, do cinematográfico ao ideológico, permeadas pelo “politicamente correto”, mas de forma seletiva.

Mas o que isso tem a ver com o título deste artigo?

Bem, essa “introdução” foi para deixar claro que “Cantando na Chuva” (EUA, 1952) é o melhor filme musical que já vi! Que sempre gostei mais das atuações e coreografias de Gene Kelly do que das de Fred Astaire. Que Donald O’Connor tem uma das mais hilárias coreografias que já vi, ao cantar e dançar “Make ‘Em Laugh”.

“Cantando na Chuva” também é historicamente interessante, na medida em que aborda a transição do cinema mudo para o falado, e toda a revolução/evolução que esse processo gerou.

Aliás, a música tema é do filme “Hollywood Revue” (EUA, 1929). A sequência em que a música é tocada pode ser vista em: https://www.youtube.com/watch?v=dRcr_5qWa-o. Lembro dela também ter sido cantada por vários atores de Hollywood, nessa mesma época, numa coreografia em que, perfilados, só levantavam e abaixavam os ombros, no ritmo da música.

Gene Kelly e Stanley Donnen foram extremamente felizes em retomar a música e o tema, numa produção grandiosa, com a participação icônica de Cid Charisse, e um “Good morning” que até hoje torna os dias mais felizes.

Por tudo isso, sem medo de estar “chovendo no molhado”, “Cantando na Chuva” é um dos filmes que assisto várias vezes sem enfado, e sempre esboço um sorriso quando Gene canta e dança a música tema.

Pode não ser o melhor filme musical de todos os tempos, mas é o “meu” preferido, sem nenhum demérito a outros, e muitos a alguns que hoje são endeusados, o que também vale para outras produções cinematográficas atuais, em minha opinião, bem entendido!

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras

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