O amor cura. Cura e liberta. Eu uso a palavra amor não como sentimentalismo, mas como uma condição tão forte que pode muito bem ser o que mantém as estrelas em seus lugares no firmamento e faz o sangue fluir disciplinadamente por nossas veias.
Maya Angelou

Por Margarete Hülsendeger
Maya Angelou (1928–2014) permanece como uma das vozes mais impactantes da literatura americana, conhecida por transformar experiências pessoais em reflexões universais. Escritora, poeta, atriz, cantora e ativista, sua vida foi marcada por uma diversidade impressionante de vivências que enriqueceram significativamente sua obra. Ao longo da carreira, Angelou publicou sete volumes autobiográficos, iniciando com Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola (1969), marco na literatura americana, e encerrando com Mamãe & Eu & Mamãe (2013), comovente relato sobre sua complexa relação com a mãe, Vivian Baxter.
Em Mamãe & Eu & Mamãe[1], Angelou apresenta um arco emocional que transita do abandono e da rejeição à reconciliação e ao amor maternal transformador. A narrativa inicia com o distanciamento: Vivian, diante das dificuldades de criar os filhos, envia Maya e seu irmão, Bailey, para viverem com a avó paterna. Esse episódio, explorado em Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola, marca profundamente a infância de Maya. No entanto, no volume final de sua autobiografia, Angelou compartilha sua jornada de perdão e reconstrução, revelando como Vivian se tornou uma presença essencial em sua vida adulta. Conforme aponta no prólogo, o objetivo do livro é “examinar algumas das maneiras como o amor cura e ajuda a escalar alturas impossíveis e erguer-se de profundezas imensuráveis”.
Vivian Baxter emerge como um retrato multifacetado. Angelou a descreve como uma mulher de personalidade forte e generosa, mas também imperfeita. Apesar das dificuldades iniciais, Vivian desempenha um papel crucial ao ajudar Maya a construir sua autoconfiança e a enfrentar os desafios de ser uma mulher negra em um mundo marcado pelo racismo e sexismo. “Minha mãe me dava exemplos de coragem grandes e pequenos”, escreve Angelou. “Estes últimos ficaram entremeados com tanta sutileza na minha psique que mal consigo distinguir onde termina minha mãe e eu começo”. A relação das duas simboliza a força dos laços familiares e o poder curador do amor e do perdão.
A profundidade do relato de Angelou se intensifica ao ser contextualizada em sua rica trajetória de vida. Vivendo no calor dos movimentos pelos direitos civis nos EUA e das lutas pela independência africana, ela não apenas testemunhou, mas participou das transformações de um mundo em mudança. Durante os anos 1960, Angelou morou em Gana e no Egito, experiências que ampliaram sua visão de mundo e moldaram sua escrita. Além disso, suas vivências como cantora, atriz e diretora influenciaram sua prosa, conferindo-lhe um estilo vibrante, imagético e intensamente humano. Essas qualidades estão evidentes em Mamãe & Eu & Mamãe, onde memórias pessoais tornam-se reflexões profundas sobre a essência da maternidade, da identidade e da resiliência.

A importância de Maya Angelou como figura literária e cultural é inegável. Ela foi uma das primeiras mulheres negras a trazer suas experiências para o centro do mainstream literário, rompendo barreiras e ampliando o espaço para vozes antes marginalizadas. Com mais de 30 doutorados honorários e prêmios – incluindo sua histórica leitura do poema On the Pulse of Morning na posse de Bill Clinton em 1993 –, ela consolidou sua relevância cultural e literária, influenciando gerações de escritores e ativistas. Essa influência se reflete em Mamãe & Eu & Mamãe, reafirmando sua habilidade em explorar as contradições e belezas da experiência humana.
Ao relacionar Mamãe & Eu & Mamãe com Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola, percebe-se que os dois livros formam um díptico literário. Enquanto o segundo narra as dores do abandono e os desafios da juventude, o primeiro retrata a força e a liberdade que Maya encontrou ao reconciliar-se com sua mãe. Reconhecer que Vivian deu tudo o que tinha para dar aos filhos é um testemunho do amadurecimento de Angelou como escritora e da sua empatia ao explorar as complexidades das relações humanas.
Ler Mamãe & Eu & Mamãe é mais do que conhecer a vida de Maya Angelou. O livro é uma narrativa poderosa sobre a resiliência e o poder transformador do amor e uma lembrança de que, mesmo nas relações mais imperfeitas, há espaço para a cura e a reinvenção. A obra reafirma Angelou como uma das maiores cronistas de nosso tempo, convidando-nos a refletir sobre os laços familiares, o perdão e a capacidade humana de superar adversidades com graça e coragem.
[1] ANGELOU, Maya. Mamãe & Eu & Mamãe. Tradução Ana Carolina Mesquita. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 2018.
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