Candice Almeida*
Há poucos meses, viralizou uma participação da fenomenal Fernanda Torres em um programa de entrevistas em que celebridades e anônimos contam histórias – normalmente engraçadas – que já vivenciaram. A que a atriz contou narrava sua participação em outra atração televisiva e terminava com a fala de uma telespectadora do programa a qual descreveu Fernanda como “totalmente drogada”. A plateia se divertiu muito ouvindo a narrativa, até porque o mundo dos artistas é conhecido como um ambiente de loucura e permissividade.
Ouso dizer que há um parentesco muito próximo entre genialidade e loucura. Nossa artista bem brasileira está invadindo a vizinhança do Tio Sam na pele de Eunice Paiva, uma feminista que lutou para que o Estado reconhecesse a morte de seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva. Embalados pela brilhante dramaturgia, podemos, por meio da arte, revelar à juventude os resultados assombrosos do autoritarismo. Afinal, o filme “Ainda estou aqui” foi indicado ao Oscar em três categorias, incluindo a de melhor filme do ano, um feito inédito no cinema brasileiro, mas também da América do Sul. Fernanda Torres, como algumas publicações especializadas já previam, está indicada como melhor atriz. “What a moment, Brasil!”
Vai levar tempo até entendermos o impacto dessa vitória na arte e na cultura brasileiras. A arte nos diverte, claro, mas também nos prepara para a vida. “Central do Brasil”, com Dora e Josué, nos ensina que a alteridade supera o neoliberalismo. “Tropa de Elite” revela a complexidade da violência urbana e que a máxima “bandido bom é o bandido morto” é tão contraditória quanto ineficaz. “Cidade de Deus” evidencia o papel do Estado na perpetuação da pobreza. Tudo isso se conecta diretamente com nossa sensibilidade. Cultura não é aquilo que preenche espaço dos olhos, ouvidos e pensamento, mas o que modifica o olhar, amplia as escutas e aprimora o raciocínio.
“Ainda estou aqui” rebobina a história e faz ressurgir o orgulho do verde e amarelo. Em quantas camadas da bandeira esse filme pode chegar? O fato de o filme ter sido adaptado a partir de um livro de Marcelo Rubens Paiva, de brinde, enaltece a literatura e a leitura, tão sucateadas nesse Brasil de não leitores. “What a moment, Brasil!”
E o que dizer de Fernanda Torres? Uma artista que vive de sua arte e usa o sentimento como matéria-prima. Uma Torre que emana um sinal para abastecer o espírito. Alguém que vai de Vani a Eunice reconhece a comédia e a tragédia da nossa humanidade, analisa as questões com mente aberta e defende a liberdade.
E a carta feminina de alforria continua se apresentando não só no reduto da arte. Recentemente, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) disponibilizou as notas de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e apenas 12 estudantes atingiram a nota máxima: mil. Desses, oito eram mulheres. Arte, educação, redação, poesia, atuação, superação, redenção: tudo substantivo feminino.
Continuamos a colocar o refletor no feminismo de Eunice, de Fernanda e de tantas brasileiras. Mas a luz foi apontada por homens, cineastas, roteiristas, escritores e professores que seguem caminhando lado a lado das mulheres.
Ficamos todos maiores, homens e mulheres depois desse filme, depois dessas indicações. Um reconhecimento histórico que dá uma sensação de “agora vai”. Meu querido amigo e professor de literatura Rodrigo Wieler profetizou no último dia de aula de 2024: “Ano que vem, ‘Ainda estou aqui’ estará em um dos bimestres das minhas aulas de literatura”. Amigo querido, não perderemos essa alegria da sua aula. O Maracanã ficará pequeno para ver o restauro na nossa autoestima e a reverberação dessa mensagem de amor. Que venha o Oscar! Que venham as aulas de literatura! Que venha 2025! É preciso querer alguma coisa; alcançar é facultativo! “What a moment, Brasil!”
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*Candice Almeida, professora de Redação do Colégio Positivo e assessora pedagógica de Redação no Centro de Inovação Pedagógica, Pesquisa e Desenvolvimento (CIPP) da Rede de Colégios Positivo.
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