
Feminização e gênero nos estudos da história da educação escolar no Brasil
Maria Heloisa Scheel da Silva[1]
Luana Beatriz Paes Magalhães[2]
Simone Garbelini Parro Pialarissi[3]
Resumo: O objetivo deste texto é apresentar brevemente algumas reflexões e problematizações acerca da feminização e gênero na educação, o que envolve a história da formação de professores. Buscamos discutir sobre as temáticas compreendendo seus aspectos históricos, sociais e políticos, os quais contribuem para uma reflexão sobre o papel social da mulher e suas transformações ao longo da história.
Palavras-chave: História da Educação; Formação de Professores; Mulheres; Gênero.
Resumen: El objetivo de este texto es presentar brevemente algunas reflexiones y problematizaciones sobre feminización y género en la educación, que involucran la historia de la formación docente. Buscamos discutir los temas, incluyendo sus aspectos históricos, sociales y políticos, que contribuyen a una reflexión sobre el papel social de la mujer y sus transformaciones a lo largo de la historia.
Palabras clave: Historia de la Educación; Formación de Profesores; Mujer; Género.
Introdução
Com o passar do tempo, a educação foi passando por mudanças em diferentes contextos históricos, marcadas por questões políticas, culturais e econômicas, entre outras que influenciam na vida em sociedade. De acordo com Fernandes e Paiva (2023), hoje em dia, ela apresenta muitas possibilidades, bem como limites nas vivências dos sujeitos. Assim, a educação possui uma história e se faz presente nela, e as políticas educacionais foram surgindo de forma múltipla em diferentes contextos temporais.
Estudar e pesquisar sobre a formação de professores e a feminização e gênero na educação permite compreender uma parte dessa história e as suas influências em diferentes aspectos e contextos apontados. Ambas as questões foram se transformando ao longo do tempo e contribuindo para o surgimento de novas políticas públicas educacionais, bem como para as mulheres irem ocupando novos espaços na sociedade.
Considerando isso, o objetivo é apresentar brevemente algumas reflexões e problematizações sobre um tema estudado que contribuiu para ampliar os estudos sobre a História da educação escolar, sendo ele: a feminização e gênero na educação, o que envolve a história da formação de professores. Para isso, alguns autores utilizados são: Kuhlmann (2000), Villela (2007), Gondra (2008) e Almeida (2011).
Sobre a formação de professores e a feminização e gênero na educação
De acordo com Villela (2007), depois de muito tempo do predomínio da Companhia de Jesus na educação, sua expulsão pelo marquês de Pombal, em 1759, marcou o início de um processo de laicização para a instrução brasileira e uma nova organização, contando com a colaboração de professores régios.
Segundo a mesma autora, até o século XVIII, existiam muitas formas de ensino, que começaram a mudar a partir do século XIX, com as primeiras ideias que foram surgindo sobre uma instrução primária, bem como sobre a educação ter um controle do Estado, que aconteceu de forma significativa com a Lei Geral do Ensino de 1827, a qual mandava criar escolas de primeiras letras em diversos lugares de uma cidade.
Essa lei “[…] procurou criar escolas de primeiras letras, ou escolas de ler, escrever, contar e crer. Com isto, o Estado pretendia atingir a população que habitava vilas e lugares populosos do extenso Império” (Gondra, 2008, p. 52).
O surgimento dessas escolas normais, nas primeiras décadas do século XIX, foi muito importante no que se refere à institucionalização da profissão docente. Além disso, é considerado um movimento que buscava uma melhoria na sociedade em questões intelectuais e morais (Villela, 2007).
Diante dessas mudanças que foram ocorrendo na educação, bem como na estrutura econômica do Brasil, surgiram algumas oportunidades para as mulheres organizarem a própria vida. Nesse sentido, Almeida (2011), fala sobre o processo de feminização do magistério que se intensificou no século XIX, e que se vê presente até os dias atuais.
Almeida (2011) reforça que ao estudar essa temática entre os séculos XIX e XX, é preciso considerar os aspectos culturais influenciados pela religião predominante, ou seja, o Cristianismo e o poder da Igreja Católica no que se refere aos valores conservadores e ideais femininos em defesa do casamento, da família, de ser esposa e mãe. Isso porque a profissão se apresentou com a forte ideia de uma figura materna.
Durante muitos anos, a profissão docente foi marcada pelos homens assumindo o cargo de professor, até que em meados do século XIX, começa a se tornar um espaço majoritariamente feminino nas escolas normais, sendo uma das primeiras oportunidades para as mulheres possuírem um trabalho mais digno – apesar da pouca remuneração – e a ocupar o espaço público (Villela, 2007).
Vale ressaltar, de acordo com Villela (2007), que a partir disso, a profissão passou a ser menos valorizada, tendo em vista que os homens começaram a buscar melhores oportunidades de trabalho, em outros espaços e com salários mais altos. Kuhlmann (2000) explica que tal desvalorização da profissão ocorria por conta do trabalho manual relacionado a tarefa doméstica, como cuidar e higienizar, por exemplo, que eram divididos entre as professoras e auxiliares nas escolas.
As mulheres eram o principal alvo dos valores morais religiosos, sendo representadas como protetoras do lar cristão e do amor materno, o que gerava expectativas quanto aos seus comportamentos. Villela (2007) explica que isso gerava para as mulheres, a ideia de serem padrões morais na sociedade, pois eram consideradas seres “puros” e “doces”.
Isso influenciou para o papel das mesmas para se tornarem educadoras/professoras, pois a profissão mantinha seus hábitos ligados à maternidade (Almeida, 2011). Nesse sentido, Kuhlmann (2000) informa que:
Mesmo que em geral, ao longo da história, as mulheres que atuassem diretamente com as crianças nas creches não tivessem qualificação, é de se supor que muitas das que participavam ativamente da supervisão, da coordenação e da programação das instituições fossem professoras, carreira escolar que se oferecia para a educação feminina, inclusive para as religiosas, responsáveis pelo trabalho em várias creches (Kuhlmann, 2000, p. 13)
O mesmo autor ainda fala sobre a escola normal sendo um lugar de formação profissional para as mulheres se tornarem professoras, bem como serem educadas para serem mães no futuro, pois, “[…] enquanto os meninos se entretivessem com os jogos de construção, a boneca poderia ser um brinquedo instrutivo, transformando-se em ‘uma amável escola de mamãezinhas” (Kuhlmann, 2000, p. 13).
Essa questão é possível perceber na Lei de 1827. No que se refere a educação dos meninos, em seu artigo 6° apresenta-se que:
Os Professores ensinarão a ler, escrever as quatro operações de arithmetica, pratica de quebrados, decimaes e proporções, as noções mais geraes de geometria pratica, a grammatica da lingua nacional, e os princípios de moral chritã e da doutrina da religião catholica e apostolica romana, proporcionandos á comprehensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Imperio e a Historia do Brazil (Lei das Escolas de Primeiras Letras, 1827).
Enquanto isso, para as meninas, em seu artigo 12°, a Lei propunha que:
As mestras, além do declarado no art 6º, com exclusão das noções de geometria e limitando a instrucção da arithmetica só as suas quatro operações, ensinarão tambem as prendas que servem à economia domestica […] (Lei das Escolas de Primeiras Letras, 1827).
Considerando isso, Gondra (2008) aponta que isso só reforçava que a mulher era destinada a um espaço privado e que elas aprendiam, em seus termos, a ciência da casa.
Portanto, ser professora, ainda mais considerando a educação infantil, é apontado por Almeida (2011) como um prolongamento da missão materna, o que gerou a femininização do magistério em um momento de crescimento no campo educacional da necessidade do trabalho feminino diante a questões econômicas do país.
Não tem como ignorar que foi uma oportunidade das mulheres de classe média terem um trabalho mais digno no contexto social. Porém, continuava com os ideais femininos da responsabilidade de dar bons exemplos para as crianças, por serem mais carinhosas, amorosas e puras.
Sendo o seu texto escrito abordando os séculos XIX e XX, a autora afirma que o século XXI ainda carrega algumas questões, como:
As diferenciações de gênero na sociedade, nas escolas, nas famílias, na religião, no mundo do trabalho serão, um dia, eliminadas? A educação de qualidade será determinante para se concretizar um futuro que o devir histórico nos mostrará? (ALMEIDA, 2011, p. 155).
Seguindo esse raciocínio voltado para as questões de gênero, Louro (2008) apresenta que o gênero e a sexualidade são construídos por meio de práticas e aprendizagens ao longo da vida, em aspectos culturais e sociais, de forma processual. Segundo Louro (2008, p. 22), “[…] a diferença não é natural, mas sim naturalizada”. Para ela, além de olhar para definições de normalidade e diferença, é necessário refletir sobre o processo de construção de seus significados e de como eles foram ensinados nos discursos de uma determinada cultura imposta.
A autora ainda afirma que hoje em dia, o gênero e a sexualidade podem ser vividos de diferentes formas.
Aprendemos a viver o gênero e a sexualidade na cultura, através dos discursos repetidos da mídia, da igreja, da ciência e das leis e também, contemporaneamente, através dos discursos dos movimentos sociais e dos múltiplos dispositivos tecnológicos […] não há como escapar a esse desafio. O único modo de lidar com a contemporaneidade é, precisamente, não se recusar a vivê-la (Louro, 2008, p. 22).
No que envolve o gênero e sexualidade a educação nas escolas, a autora afirma que ainda existe um olhar heteronormativo que não se discute para além do ser homem e mulher, além de manter fortemente as relações de poder que produzem diferenças de forma negativa, mostrando para cada um o seu lugar. O que precisa ser combatido, pois, a escola é um espaço que recebe a diversidade, e, dessa forma, tem o papel de ampliar os saberes sociais, problematizando e gerando reflexões quanto às desigualdades sexuais e dos outros marcadores sociais, de modo com que os/as estudantes sintam-se acolhidos em suas vivências (Louro, 1997).
Segundo Veiga (2022) é possível afirmar que ao longo da história, nota-se a necessidade da classe dominante em manter os outros como inferiores e subalternos, bem como uma complexidade da escolarização dos mesmos. Essa problemática se predomina por questões de poder e controle em aspectos intelectual, religioso e cultural pelas classes dominantes da sociedade, que consequentemente influenciam no contexto educacional em termos históricos.
Portanto, de acordo com Saviani (2009), a formação dos professores não pode ser separada dos desafios das condições de trabalho existentes que afetam o processo de formação. Assim, diante todas as questões apontadas, cabe aos sujeitos opinar e questionar os discursos acerca da educação, que muitas vezes são contraditórios, buscando qualidade e avanços nas políticas educacionais.
Considerações finais
É possível perceber que na história da formação de professores, destaca-se a questão do público e privado, marcados por uma relação de poder na sociedade, bem como o domínio masculino em seus primórdios, que foram se alterando diante aos diferentes contextos temporais.
Quanto a feminização e gênero na educação envolvem aspectos históricos, sociais e políticos no que se refere às mulheres e os padrões morais atribuídos a elas em uma vida privada, dadas diante a uma sociedade estruturalmente patriarcal e religiosa
Portanto, mesmo com muitas pesquisas acerca da história da educação escolar, é uma temática que deve ser cada vez mais apresentada e trabalhada, com o objetivo de ampliar ainda mais os estudos históricos na sociedade e nos espaços educativos. Compreendê-la em um sentido histórico – não só sobre a formação de professores e a feminização do magistério, mas em outras dimensões – permite perceber os reflexos e avanços das problemáticas educacionais a partir do passado, bem como a pensar em mais possibilidades para o futuro da educação.
Referências
ALMEIDA, Jane Soares de. Professoras virtuosas; mães educadas: retratos de mulheres nos tempos da república brasileira (séculos XIX/XX). Revista Histedbr, Campinas, n.42, 2011, p. 143-156.
BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Manda crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, villas e logares mais populosos do Império. Rio de Janeiro, 1827. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-566692-publicacaooriginal-90222-pl.html> Acesso em: 04 dez. 2024.
FERNANDES,Aleksandra Nogueira de Oliveira; FERNANDES, Stenio de Brito; PAIVA, Marlúcia Menezes de. A História da Educação como campo de pesquisa no Brasil: uma historiografia da educação brasileira. EccoS – Rev. Cient: São Paulo, 2023. n. 64, p. 1-17.
GONDRA, José Gonçalves; SCHUELER, Alessandra. Educação, poder e sociedade no Império brasileiro. –São Paulo: Cortez, 2008 (Cap 2 – As forças educativas, p. 41-79).
KUHLMANN JR. M. História da Educação Infantil Brasileira. Revista Brasileira de Educação. Mai/Jun/Jul/ago, n. 14, 2000. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbedu/a/CNXbjFdfdk9DNwWT5JCHVsJ/?format=pdf&lang=pt> Acesso em: 07 dez.. 2024.
LOURO, Guacira Lopes.Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) – maio/ago. 2008.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis – RJ: Vozes, 1997.
SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação. 2009.
VEIGA, Cynthia Greive. Educar as cores pela escola: desigualdade escolar e institucionalização das infâncias subalternas e inferiores. In. ________. Subalternidade e opressão sociorracial: questões para a historiografia da educação latino-americana. São Paulo: Editora Unesp, 2022. p. 237-246.
VILLELA, H. O mestre-escola e a professora. In: LOPES, E. M. T.; FARIA FILHO, L. M. de.; VEIGA, C. 500 anos de educação no Brasil. v. 3.ed. 1 reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. P. 94-134.
[1] Maria Heloisa Scheel da Silva* Mestranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Estadual de Londrina – UEL. E-mail: (heloisascheel@gmail.com).
[2] Luana Beatriz Paes Magalhães* Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Estadual de Londrina – UEL. E-mail: (luana.b.magalhaes@uel.br).
[3] Simone Garbelini Parro Pialarissi* Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Estadual de Londrina – UEL. E-mail: (sim.pialarissi@uel.br).
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