Lucas da Costa Sá Abrunhosa, docente dos cursos de Cinema e Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
Sem dúvidas, é um privilégio poder viver uma época em que é possível ver o cinema nacional chamar a atenção do público estrangeiro. O filme “Ainda Estou Aqui”, além de trazer uma belíssima e emocionante história, trouxe consigo, algo por fora do que é contado na tela que todo brasileiro ama: Torcer. Seja no futebol, no vôlei, na fórmula 1, o brasileiro ama torcer. Com a notícia de que o filme estava caindo nas graças da crítica internacional, era quase que impossível não sonhar com alguma premiação de grande porte. Cada festival era como um circuito, cada nova entrevista gerava mais expectativa no público, que ansiosamente queria assistir a obra do já então premiado internacionalmente Walter Salles. Será que ele conseguiria de novo?
A produção desse filme, não só carregava a história da família Paiva. Ele carregava uma outra história que todos acompanham desde 1999. O ano em específico, para os brasileiros apaixonados por cinema, ficou marcado por ter sido o ano em que a atriz Fernanda Montenegro, foi indicada ao Oscar de melhor atriz pelo filme “Central do Brasil”, mas acabou perdendo para a estadunidense Gwyneth Paltrow com o filme “Shakespeare Apaixonado”. A produção brasileira da época havia ganhado o Globo de Ouro de melhor filme em língua estrangeira. Era comum esperar que Fernanda Montenegro fosse ganhar o Oscar de melhor atriz. Quando a amarga derrota veio, os brasileiros tomaram isso como algo pessoal e, agora quase 26 anos depois, com Fernanda Torres, filha da atriz injustiçada no Oscar, a primeira parte do grito de alívio e de justiça sai dos pulmões dos que torcem pelo reconhecimento do cinema nacional.
Walter Salles, a grande mente por trás da adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva, nos convida a mergulhar na história de dor e resiliência daquela família. Mas o que nos faz estar tão imersos a cada quadro, plano e fala? É admirável a maestria na escolha dos enquadramentos, da montagem, da coloração do filme e da trilha sonora. Esse conjunto de elementos que o diretor demonstra ter domínio, cria uma atmosfera onde nada mais importa, somente o que está sendo mostrado na tela é o que existe. A sensibilidade de saber criar uma linguagem que comunique com público de forma clara é a chave para que haja identificação e empatia com os personagens. Jean-Claude Carriè, em seu livro “A Linguagem Secreta do Cinema” diz que: “Foi na relação invisível de uma cena com a outra, que o cinema realmente gerou uma nova linguagem”. Salles se mostra muito perspicaz ao levar o público para dentro da casa da família Paiva, mostrando o amor, a parceria e felicidade daquele lar. Mas, por se tratar de uma época conturbada e triste da história brasileira, nós temos a constante lembrança de que o medo sempre está rondando aqueles personagens. O diretor pega o público pela mão e faz o constante exercício de levá-los dos momentos de paz aos de desespero, dos de respiro e alívio, para os de angústia. O domínio da linguagem cinematográfica é incrível, pois, não existem lacunas para se desprender do filme.
Impactados com a belíssima obra do cinema nacional, nós brasileiros, sem dúvida alguma gostaríamos de mostrar ao mundo o brilhantismo da nossa cultura. Como dito no começo do texto, gostamos de torcer, de engajar e vibrar a cada conquista do nosso povo. Philip Kotler, no livro “Administração de Marketing” diz que: “As empresas têm maiores chances de se saírem bem quando escolhem seus mercados-alvo com cuidado e preparam programas de marketing customizados.” Nos últimos anos, a indústria de séries e do cinema internacional vem e experimentando o impacto positivo que é ter a presença de figuras brasileiras em suas produções. As redes sociais recheadas de comentários, curtidas e compartilhamentos são parâmetros de sucesso para os medidores de consumo. Se ter um artista brasileiro no elenco pode engajar em massa, imagina uma obra inteiramente nacional disputando com grandes produções? A postagem do vídeo de Fernanda Torres, na página de Instagram do Globo de ouro, possui mais 74 milhões de visualizações. A segunda postagem da página com mais visualizações também é dela, com 11,8 milhões de visualizações. Essa força indescritível que carregamos e esse amor são os dois grandes fatores que, sem dúvida, puxam os holofotes estrangeiros para nosso mercado cinematográfico.
Participar e ganhar festivais internacionais é mostrar que também somos potência, que também temos qualidades mesmo com as limitações do capital. É a faísca que acende a chama no coração dos que vivem da arte e pela arte. Alexander Mackendrick em seu livro “Sobre Fazer Filmes” diz: “Não dá para ensinar a escrever e dirigir filmes; é possível apenas aprender, e cada homem ou mulher deve aprender por meio de seu próprio sistema autodidático.” Temos construído e conquistado o mundo através da nossa arte, mostrando que mesmo com limitações, somos capazes de fazer cinema de igual para igual. O Brasil carrega consigo uma escola de cinema muito bela que, vez por outra não é valorizada. Talvez pela facilidade de massificação dos filmes estrangeiros aqui, acabamos sempre com os olhos voltados para cima, para o exterior, para o norte. Infelizmente isso nos rouba os espaços para apreciar o que é nosso e ver que temos uma cultura bela, rica e plural. Com essa conquista, muitos outros novos (e futuros) cineastas se sentiram pela primeira vez capazes de alcançar o patamar internacional. Esse estímulo será vital para a futura geração do cinema nacional. O Globo de Ouro não é só uma competição que ganhamos em uma categoria específica. Ele é um recado de que sim, nós ainda estamos aqui e somos capazes de fazer cinema.
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