PARTE 3/3
Continuando com a análise pessoal do evento, outro debatedor alertou sobre a importância de que tudo deve ser medido, e que as informações devem ser abertas (“open data”) e confiáveis, e que colaboração é a palavra-chave, o que nem sempre é possível, quando algum ente alega segredo estratégico. Lá como cá, essa dificuldade existe.
Há, no entanto, uma abordagem feita por um dos dirigentes da AIVP que despertou especial atenção da audiência: um processo de “desglobalização” resultante da ação poderosa do narcotráfico internacional, que envolve, segundo ele, centenas de milhares de “empregados”. Ele a denominou de “talassocracia”, palavra de origem grega que significa domínio de uma nação sobre o mar. De fato, considerando as apreensões e, principalmente a rede associada ao narcotráfico em todos os setores da sociedade e, no caso, a portos e aeroportos, o narcotráfico tem se revelado também um “estado talassocrático”.
Essa manifestação dramática encontrou um bem-vindo alívio quando uma representante do Porto de Lisboa apresentou os planos do sistema portuário do país, logisticamente integrado como outros países europeus, com destaque para o Porto artificial de Sines, com profundidade de até -28m.
Portugal tem potencial para se tornar um novo concentrador de cargas, o que o Brasil deve observar com atenção.
Por fim, antes do encerramento formal do evento, Lisboa, primeira cidade a sediar duas vezes uma Conferência da AIVP, passou o “bastão” para que Nova Iorque sedie a 20ª Conferência, em 2025.
O representante da nova sede não deixou por menos, e fez uma espetacular apresentação sobre os projetos de integração porto-cidade de Nova Iorque, cujo porto atua em vários âmbitos que não apenas em operações portuárias.
Embora os debates tenham abordado temas variados, com a apresentação de teses e experiências específicas, resumindo a “ópera”, a frase-chave evento não é novidade: alinhar desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental e social, com destaque para iniciativas no âmbito de economias “verde” e “azul”.
Em nenhum momento os representantes de cidades e portos propuseram a extinção ou expulsam de atividades portuárias, logísticas e industriais das cidades, mas enfatizaram que todos os atores envolvidos, públicos, privados, comunidade e academia devem atuar de forma colaborativa, para buscar soluções para os problemas existentes.
Tão importante quanto as palestras e debates foi a troca de ideias e experiências nos intervalos. Nesse sentido, a 19ª Conferência Internacional da AIVP ratifica a relevância de eventos como este para o intercâmbio entre cidades portuárias, por sua importância estratégica para a economia mundial, para o desenvolvimento sustentado de nações, e para a qualidade de vida de seus habitantes.
A relação porto-cidade em Santos não é diferente de outras cidades portuárias mundiais, afora especificidades locais. A grande diferença é que em países desenvolvidos a questão é tratada bem mais como estratégia de Estado, razoavelmente acima de interesses político-partidários ou convicções ideológicas. Sempre existirão divergências as serem superadas. Para isso, a estabilidade regulatória e jurídica é fundamental, para evitar que o que se alcança pelo diálogo não seja prejudicado por interesses frustrados.
No caso de Santos, a evolução tem sido positiva ao longo dos últimos anos, mas tudo pode e deve ser aprimorado. No entanto, é fundamental que nenhum “fio fique solto”, para evitar protelações deletérias, que só prejudicam o efetivo desenvolvimento sustentado do Brasil.
É preciso diálogo proativo e colaborativo, sim! Mas também é premente revisar o arcabouço legal brasileiro.
A Reforma Tributária deverá criar condições para que o aumento da arrecadação decorra não de uma carga tributária ainda elevada, mas da dinamização da economia que promova. A revisão da Lei n.º 12.815/2013 deve levar em consideração questões sociais de forma a evitar tensões laborais, incluindo o fomento à formação para as novas atividades profissionais que surgirão. Porém, isso não será suficiente, enquanto a legislação que envolve as contratações públicas for constantemente sujeita a judicializações, em função de “pontos” e “vírgulas”. A legislação ambiental também deve ser revista, prevendo maior flexibilidade no que se refere a obras de infraestrutura e logística, utilizando o recurso das compensações de forma mais objetiva.
Essas mudanças são necessárias e urgentes, sob pena do Brasil continuar a ter potencial para ser uma grande potência mundial, o país de um futuro brilhante, mas que sempre tem sido adiado, principalmente por indefinições internas.
Adilson Luiz Gonçalves
Engenheiro, Pesquisador Universitário, Escritor e membro da Academia Santista de Letras