Adilson Luiz Gonçalves Colunistas

SOBRE A 19ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DA AIVP – LISBOA 2024

PARTE 2/3

A AIVP condensou os 17 ODS em 10, os quais relaciono a seguir, buscando fazer uma analogia com o que considero estar ocorrendo na Cidade e Porto de Santos e, em alguns casos, em nosso País:

  1. Adaptação às alterações climáticas – Preparar as cidades portuárias para as consequências das alterações climáticas.

Comentário: Tanto os Municípios como o Porto de Santos dispõem de estruturas institucionais, programas e processos colaborativos nacionais e internacionais, que envolvem as Prefeituras de Santos (PMS) e Guarujá, a Autoridade Portuária de Santos (APS), o Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), a iniciativa privada, a Academia e a sociedade. A APS já possuía uma equipe bem estruturada na área de meio ambiente, bem como a PMS, mas não havia uma integração ideal entre ambas. Foi a partir de sugestão da Comissão Municipal de Adaptação à Mudança do Clima (CMMC), coordenada pela Secretaria do Meio Ambiente (SEMAM) de Santos, ao MMA, que a agência de desenvolvimento do governo alemão (GIZ), que já atuava em apoio aos programas ambientais do Município, em parceria com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), elaborou estudos sobre o impacto das mudanças do clima em 21 (vinte e um) portos brasileiros, ampliando-os para os portos de Aratu (BA), Rio Grande (RS) e Santos (SP). A lógica foi simples: não faz sentido estudar os efeitos da mudança do clima, pois cidade e porto estão num mesmo território, inclusive com sistemas interligados. Portanto, as soluções também devem ser integradas. O Porto de Rio Grande, tempos atrás, utilizou sedimentos de dragagem para a produção de energia, a partir de biodigestores. Desconheço se esse projeto teve sequência. Já o Porto de Sevilha, na Espanha, comentou sobre a produção de tijolos igualmente utilizando material dragado, que é uma solução interessante desde que haja locais adequados para sua produção, mercado consumidor que a absorva, e que o material seja proveniente de água sem contaminação com sal, matéria orgânica ou materiais pesados, se for usado para construção civil. É algo para se pensar.

  • Transição energética e economia circular – Desenvolver indústrias inovadoras e sustentáveis para a transição energética dos territórios urbano-portuários;

Comentário: A questão energética, embora ainda embrionária, vem sendo objeto de estudos e, também, de ações, algumas nem tão recentes. Basta destacar que o Porto de Santos dispõe da Usina Hidrelétrica de Itatinga. A Universidade de São Paulo (USP) já tem estudos que preveem a diversificação da matriz energética do Porto de Santos. Em âmbito nacional, alguns portos possuem unidades de regaseificação de gás natural liquefeito (GNL), um combustível de transição. É o caso de Santos, também. O problema está na regulamentação de seu uso para o abastecimento de navios. A UE tem sido bem ágil nesse encaminhamento, que inclui a disponibilização de GNL, metanol, amônia e hidrogênio. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) precisa agilizar esse processo, pois de nada adianta promover incentivos tarifários, se o marco regulatório não estiver adequado às tendências mundiais, e os portos não estiverem aptos de fornecer os combustíveis adotados. No mais, é necessário ressaltar que existem estudos sobre a utilização de etanol no setor marítimo, em propulsores “multiflex”, o que pode ser interessante para o Brasil. As Zonas Econômicas Especiais existentes, mundo afora, sobretudo na China, têm sido importantes para o desenvolvimento de seus países, mas é preciso conhecer qual o seu nível de sustentabilidade. O representante do Port Vell, Barcelona, na Espanha, discorreu sobre seu polo de “startups”, concebido como um ecossistema de inovação. Como mencionado, a APS tem fomentado iniciativas inovadoras por meio de “startups”. A Fundação Parque Tecnológico de Santos (FPTS) igualmente atua nesse contexto inovador.

  • Mobilidade sustentável – Encontrar novas soluções de mobilidade para ligar a cidade e o porto.

Comentário: A ligação seca Santos-Guarujá está avançando, com sua licitação prevista para 2025. O novo acesso à margem direita do porto está sendo equacionada entre a APS e o Governo do Estado de São Paulo. O viaduto dos fundos da Alemoa tem evolução promissora no âmbito do governo estadual, o que também é de interesse da cidade e porto, já que reduzirá a demanda do Viaduto Paulo Bonavides, com a vantagem adicional de permitir a criação de uma linha de transporte público regular. As obras da Avenida Perimetral da Margem Esquerda serão realizadas, além da construção de passarelas de pedestres e viadutos, que eliminarão conflitos rodoferroviários e com pedestres, possibilitando o trânsito de trens maiores com velocidade e segurança, o que também valerá para caminhões e pessoas que acessam as instalações portuárias. A eficiência energética da matriz de transporte do Porto de Santos será beneficiada, no entanto, ainda há que se resolver a questão dos novos acessos rodoferroviários terrestres entre o planalto e a Região Metropolitana da Baixada Santista, sobretudo ao complexo portuário. Essa é uma questão que afeta toda a infraestrutura e logística nacionais, dadas as dificuldades para obter licenciamentos ambientais, e as constantes judicializações de processos licitatórios e obras, que tornam sua conclusão absurdamente demorada. Os europeus e demais países do Hemisfério Norte são bem mais objetivos, mesmo sendo democracias estáveis, é verdade. Porém, não se pode ignorar que há um pouco de propaganda enganosa ou excesso de marketing “para inglês ver” em certos discursos de alguns desses países. Curiosamente, cito o exemplo de Dunquerque, na França (Dunkirk, para os ingleses), famosa pela retirada de centenas de milhares de soldados majoritariamente britânicos, no início da Segunda Guerra Mundial:

O representante dessa cidade comentou que lá o transporte público era gratuito, o que despertou vivo interesse da assistência. Ele explicou que o transporte era custeado por um percentual da folha de pagamento das empresas…

Gratuito uma ova!

Seguindo seu discurso, ele afirmou que em 15 (quinze) anos o uso de veículo particular será restrito. Aliás, o transporte só poderá ser efetivamente gratuito quando for totalmente subsidiado por recursos oriundos de uma economia forte. E só fará com que a população de qualquer poder aquisitivo o adote, se propiciar: conforto, segurança, frequência, abrangência e pontualidade. Obviamente, esse transporte deverá ser menos poluente e constantemente renovado. Aí vem outra questão: como incluir os veículos obsoletos num contexto de economia circular e engenharia reversa. Embora óbvio, foi afirmado que a qualidade da mobilidade urbana é um importante fator de economia e descarbonização.

  • Governança renovada – Governança inovadora para cidades portuárias sustentáveis.

Comentário: A relação porto-cidade tem evoluído positivamente, ao menos em Santos, onde PMS e APS têm atuado de forma proativa e colaborativa. O Município participa do Conselho de Administração da APS desde 2021, e reveza com Guarujá na representação de cidades no Conselho de Autoridade Portuária (CAP) desde sua criação. A APS tem fomentado iniciativas inovadoras por meio de “startups”. A PMS tem iniciativas no âmbito de “economia criativa”. Essas e outras ações têm proporcionado uma produtiva colaboração. A Lei n.º 13.303/2016, conhecida como “Lei das Estatais”, estabeleceu bases para a gestão pública qualificada e responsável, em que a inovação tem sido uma ferramenta para a contínua de superação das restrições técnicas e legais existentes. A Ferrovia Interna do Porto de Santos (FIPS) é um exemplo emblemático de processos inovadores. Um dos aspectos da colaboração entre a PMS e a APS é a existência do Centro de Controle de Operações (CCO) do Município, onde a Autoridade Portuária tem assento, com imagens de câmeras de segurança compartilhadas entre ambas. É importante asseverar que a qualidade dos profissionais envolvidos, em todos os níveis, teve ser aprimorada constantemente. Esse aprimoramento envolve sistemas mais abrangentes, comportando todos os entes públicos e privados que atuam no ambiente portuário. O Porto de Bordeaux, na França, informou contar com um “gêmeo digital”, que permite simular cenários de acessos terrestres e marítimos. Há quem critique e elogie esse modelo, inclusive no Brasil. Como engenheiro, eu considero de extrema importância dispor de modelos numéricos e reduzidos que permitam avaliar cenários e ações. O Porto de Santos dispõe de alguns, na USP. No caso da cidade de Santos, apontei a necessidade de um simulador que disponha de dados atualizados e georreferenciados do sistema de drenagem urbano-portuário, que permita simulações de condições climáticas e testagem de soluções para mitigar efeitos da elevação do nível do mar e de eventos climáticos extremos. Infelizmente, para ele ser útil, será necessário que todo o sistema de drenagem seja atualizado, para fornecer dados confiáveis ao modelo. Bordeaux também criou ou um programa de “startups” para empresas portuárias, visando a descarbonização das indústrias existentes em seu em torno; e dispõe de um “Port Cummunity System” (PCS).

Outros portos adotaram esse modelo, incluindo o de Hamburgo, na Alemanha, cujo PCS foi indicado como referência, quando houve a tentativa de implantação de modelo similar no Porto de Santos. Boa parte do trabalho foi feita, do “as is” ao “to be”, mas ficou pendente a definição do investimento necessário para sua implantação e manutenção. O modelo de governança do PCS também vem sendo objeto de discussões: se pública, privada ou mista. Representantes dos Países Baixos, que há séculos aprenderam a lidar com as variações do nível do mar, afirmaram que os Portos de Eindhoven e Rotterdam são referências em economia “azul” e estratégias de inovação.

  • Investir no capital humano – O capital humano ao serviço do desenvolvimento portuário e social.

Comentário: Há polêmica sobre a revisão da Lei n.º 12.815/2013, na questão laboral. É fato que esse tema vem sendo objeto de preocupação desde a legislação anterior, de 1993, posto que a modernização das operações portuárias implicou em sensível redução da demanda por mão de obra, bem como exigiu novas competências da classe laboral. Enquanto por aqui ainda falamos em Indústria e Porto 4.0, a UE há alguns anos evoluiu para o estágio 5.0, incluindo a questão social, com ênfase no desemprego. No caso europeu, as alternativas não se restringem ao assistencialismo, mas ao fomento de atividades industriais, logísticas, energéticas, marítimas, inclusive pesca, marinas e esportes aquáticos; e turismo, criando empregos “verdes” e “azuis”. O Porto de Nova Iorque, nos EUA, comentou que a “economia verde” tem gerado empregos e receitas. Governos, iniciativa privada e academia se unem nesse processo, para permitir uma transição menos traumática entre o paradigma atual e o emergente. Port Vell informou que Barcelona treina cidadãos para atuarem e atividades ligadas a marinas e afins. No caso de Santos, extensivo ao Brasil, a implantação se Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), com ênfase em produção de alto valor agregado, alta tecnologia e baixo impacto ambiental é uma solução que permitirá reduzir nossa dependência de importações de países desenvolvidos, e potencializará que disputemos o mercado de exportações com eles. Milhares de empregos bem remunerados e especializados poderão ser gerados, capazes de absorver egressos de escolas técnicas e Instituições de Ensino Superior, bem como trabalhadores cujas profissões sejam descontinuadas pelo processo de transição tecnológica.

  • Cultura e identidade portuária – A identidade portuária local como ativo essencial para construir uma relação sustentável;

Comentário: A APS vem promovendo visitas monitoradas ao Porto de Santos. Recentemente, em parceria com a PMS, foi criado o Programa Porto à Vista junto a escolas do Município. O Museu do Porto também desempenha papel importante na questão cultural, pois dispõe de acervo que remonta ao início de operação da Companhia Docas de Santos (CDS), no século XIX. A Cidade de Santos e o Governo do Estado contam com patrimônio histórico diretamente ligado às operações portuárias, como a Estação do Valongo e a Bolsa do Café, por exemplo. Representante do Porto de Algeciras, na Espanha, comentou sobre obras portuárias no valor de aproximadamente 600 milhões de euros, dos quais 2% seriam destinados a um fundo cultural. Complementou que isso vale para toda a Espanha. O Parque Valongo foi viabilizado de forma semelhante, tendo total aderência à valorização da identidade portuária, por permitir acesso da população ao porto, a partir do Centro Histórico.

  • Alimentação de qualidade para todos – As cidades portuárias como elemento central de uma logística alimentar sustentável;

Comentário: Esse tópico pode parecer não tão evidente quanto os demais, mas é aplicável a qualquer cidade. No caso, as cidades portuárias têm papel diferenciado, pois é por meio delas que circulam insumos básicos à vida humana. No caso do Porto de Santos, a produção do agronegócio que por ele transita é responsável por boa parte da segurança alimentar do mundo.

  • Interface porto-cidade – A interface porto-cidade, um recurso para combinar atividades urbanas e portuárias;

Comentário: A moderadora de um dos painéis propôs a criação de espaços urbanos multifuncionais nas cidades portuárias. Isso não é novidade, pois já existe esse tipo de modelo em várias cidades do mundo, em áreas portuárias desativadas. Ela também discorreu sobre a necessidade de planejamento urbano-portuário integrado, e do estabelecimento de uma plano de ação comum, que reduza externalidades negativas, o que está bem em linha com o “Code of Practice on Societal Integration of Ports”, da European Sea Ports Organisation (ESPO). Em tese, isso é mais simples onde a cidade é responsável pelo complexo portuário, caso dos principais portos europeu. No entanto, mesmo o Porto de Santos sendo federal, a PMS tem participado dos processos que envolvem definições de poligonais, Planos Mestres, PDZs, arrendamentos portuários e obras, seja de forma direta, seja por meio da legislação municipal de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). O grande desafio tem sido a conciliação entre o que preconiza a Lei n.º 12.815/2013, ora em fase de revisão, e o Estatuto da Cidade, que estipula que a prerrogativa da definição de usos e ocupações do solo no território do município é atribuição das prefeituras. O planejamento urbano-portuário conjunto é a solução ideal para evitar esse tipo de conflito. Um dos palestrantes sugeriu a criação de um fundo com esse objetivo. No caso do Brasil, tal fundo poderia ser provido com percentuais da arrecadação de tributos das operações portuárias, ou de valores de outorga. Seriam algo como “royalties”, a exemplo do que ocorre com petróleo, eletricidade e mineração. Existem propostas no Congresso Nacional (PLs e PECs) prevendo percentuais de diferentes fontes de recursos a serem destinados a cidades portuárias para, isoladamente ou em parceria com as Autoridades Portuárias, serem aplicados na solução de conflitos urbano-portuários e melhorias nas interfaces cidade-porto. Uma delas foi minutada por mim, prevendo a destinação de um percentual dos valores de outorga para um fundo a ser gerido de forma paritária entre as prefeituras e autoridades portuárias. Infelizmente nenhuma delas prosperou até a data de elaboração deste artigo. Houve uma PEC que teve seu mérito reconhecido pelo relator, mas foi arquivada, sob a alegação de que representaria um precedente para que outras cidades requeressem compensações similares de outras atividades econômicas. No Brasil, o mérito nem sempre é favorecido.

  • Saúde e qualidade de vida – Garantir boas condições de vida para os habitantes das cidades portuárias;

Comentário: Incrementar o transporte ferroviário, de melhor eficiência energético do que o rodoviário; proporcionar OPS e combustíveis de menor impacto ambientais; reduzir a poluição ambiental nas operações portuárias, utilizada processos e equipamentos no “estado da arte” da tecnologia são iniciativas que favorecerão à melhoria da qualidade de vida dos habitantes lindeiros a terminais portuários, reduzindo impactos ambientais nos ambientes terrestres, aéreos e aquaviários. Como não é possível gerir sem medir, tanto a PMS como a APS dispõe de programas específicos de monitoramento ambiental.

  1. Proteção da biodiversidade – Preservar e proteger a biodiversidade nas cidades portuárias.

Comentário: Nesse caso específico, convém mencionar os ODS considerados, a saber: 6 (Água potável e saneamento), 11 (Cidades e comunidades sustentáveis), 14 (Proteger a vida marinha) e 16 (Proteger a vida terrestre). Como já mencionei, entendo que todos os ODS estão integrados, apesar de influenciarem em diferentes níveis um determinado tema. Existem exemplos nacionais e internacionais que mesclam Adaptações baseadas em Ecossistemas (AbE) ou Soluções Baseadas na Natureza (SBN). A Cidade de Santos tem um projeto AbE em processo no Monte Serrat e também controla a qualidade da água do mar, ao longo de sua orla. De parte da APS, existem programas de monitoramento ambiental em vários âmbitos, inclusive associados à dragagem do canal de navegação e ao Polígono de Disposição Oceânica (PDO). A qualidade da água foi um tema recorrente no evento da AIVP. Tanto a questão terrestre quanto a marinha vem sendo abordadas sob múltiplos aspectos, que incluem: água de lastro, contenção de vazamentos de embarcações, controle de descarga de efluentes e poluição difusa na rede pública de drenagem. As pesquisas científicas e tecnologias têm evoluído bastante nesse setor, e é obrigação do setor público e privado mitigarem os riscos envolvidos, punindo os responsáveis, mas também exigindo soluções para evitar novas ocorrências.

Adilson Luiz Gonçalves
Engenheiro, Pesquisador Universitário, Escritor e membro da Academia Santista de Letras

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