Preliminarmente, cumpre esclarecer que a Lei Estadual nº 22.130/2024 do Estado do Paraná, publicada em 09 de setembro de 2024, possui uma “vacatio legis” de 180 (cento e oitenta) dias, entrando em vigor em 07 de março de 2025. Tal marco temporal é essencial para o planejamento das adequações normativas e operacionais exigidas pela norma.
Trata-se de um diploma legal de elevada importância, que promove a consolidação das normas de defesa do consumidor no Estado do Paraná, unificando em uma única legislação os princípios constitucionais (art. 5º, inciso XXXII; art. 170, inciso V; e art. 24, incisos V e VIII), o Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/1990) e as disposições da Constituição Estadual (art. 145).
A norma reflete o compromisso do Estado em garantir dignidade, saúde, segurança, qualidade de vida e transparência nas relações de consumo, bem como harmonizar os interesses de consumidores e fornecedores. A seguir, abordaremos os aspectos mais relevantes, dando ênfase na contratação por idosos, e destacaremos outros pontos que demandam atenção para a conformidade da instituição.
CONTRATAÇÃO POR IDOSOS – REQUISITOS LEGAIS E IMPLICAÇÕES
O tema da contratação por idosos, aposentados e pensionistas é regulado na Seção V do Capítulo II da Lei, que dispõe sobre a proibição de celebração de contratos de empréstimo por meios telefônicos ou eletrônicos.
O art. 92, § 1º, estabelece:
“A celebração de empréstimos A celebração de empréstimos de qualquer natureza com idosos, aposentados e pensionistas de que trata este artigo deve ser realizada mediante a assinatura física de contrato, com apresentação de documento de identidade idôneo, ou por meio de assinatura eletrônica simples, não sendo aceita autorização dada por telefone, aplicativo de comunicação, fotografia e gravação de voz.”
Assim, resta claro que a assinatura eletrônica simples supre a necessidade da assinatura física do contrato.
Como sabido, a assinatura eletrônica simples é uma forma de autenticação que utiliza métodos eletrônicos para vincular um indivíduo a um documento, mensagem ou transação digital. Ela é considerada o nível mais básico de assinatura eletrônica, diferindo da assinatura avançada e da qualificada por não exigir requisitos técnicos mais rigorosos, como certificados digitais a validade da assinatura eletrônica simples é garantida pela Lei 14.063/2020 desde que ela cumpra os requisitos de associar o autor ao ato e de sua aceitação.
Dessa forma, a assinatura eletrônica simples é admitida como substitutiva da assinatura física, desde que cumpra os requisitos legais de autenticidade, rastreabilidade e vinculação inequívoca entre o autor e o ato, conforme preconizado pela Lei Federal nº 14.063/2020.
A assinatura eletrônica simples, apesar de ser o nível mais básico de assinatura digital, possui validade jurídica quando implementada com processos que assegurem a vinculação do signatário ao documento e o registro de sua aceitação. Para isso, é imprescindível:
· Sistemas de autenticação robustos, que comprovem a autoria da assinatura;
· Armazenamento seguro das evidências digitais, como IP, data, hora e outros metadados;
Ainda quanto ao ponto em análise, o parágrafo segundo do artigo 92 estabelece que as contratações realizadas em canais não presenciais obriga, por parte da contratada, em enviar as condições apresadas por e-mail, ou qualquer outro meio eletrônico disponível, e em caso de impossibilidade, por via postal ou outro meio físico que possibilite o correto acompanhamento de seus termos, sob pena de nulidade.
Entendemos que, em que pese a obrigatoriedade do ato, caso ocorra sua efetivação e guarda das informações pelas instituições financeira, mitigará em muito as chances de indagações judiciais uma vez que, comprovar-se-á que todos os atos estabelecidos na norma foram cumpridos reduzindo as chances de êxitos quando discutido judicialmente.
Superado a análise quanto a aplicação da norma em contratos celebrados com idoso, necessário apontar, brevemente outros pontos que, poderão impactar a comercialização dos produtos e até mesmo a logística interna das instituições financeiras.
PRÁTICAS DE CRÉDITO RESPONSÁVEL E PREVENÇÃO AO SUPERENDIVIDAMENTO:
A Lei nº 22.130/2024 impõe uma série de obrigações que impactam diretamente as operações das instituições financeiras, identificamos que, dentro das normas gerais aplicadas a todos os fornecedores, cabe destaque para as especificações contidas no Capítulo III da norma em seus incisos VIII e IX vejamos:
“VIII – a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira, de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;”
“IX – a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;”
Assim a norma garante práticas de crédito responsável, com análise criteriosa da solvabilidade do consumidor para evitar o comprometimento do mínimo existencial;
Essas disposições ampliam a responsabilidade das instituições financeiras na concessão de crédito e impõem a adoção de critérios técnicos e éticos mais rigorosos.
Assim, verifica-se que a responsabilidade pela informação e concessão de crédito será única e exclusivamente da instituição financeira contratada e em caso de não verificação plena serão aplicadas as sanções previstas em Lei.
COBRANÇAS TELEFÔNICAS – GRAVAÇÃO E DISPONIBILIDADE
Já dentro das normas comuns que se aplicam para todos os fornecedores, temos como destaque a necessidade das cobranças realizadas, seja por departamento interno ou externo das instituições financeiras da realização e manutenção de gravações, identificando, inclusive a hora e data da gravação. Tal especificação está contida no artigo 24 da referida lei, vejamos:
“Art. 24 – As cobranças de dívidas realizadas por empresas de cobrança ou por setores internos de empresas de médio e grande porte, quando efetuadas por ligações telefônicas, deverão ser gravadas, identificando-se a data e a hora do contato.
Parágrafo único. Caberá ao cobrador comunicar ao consumidor a obrigatoriedade da gravação da ligação e da disponibilidade em fornecê-las em até sete dias úteis, quando solicitadas.”
Resta claro que a ausência de registros ou sua indisponibilidade pode configurar infração administrativa e prejudicar a defesa da instituição em eventuais litígios.
REGISTRO E TRATAMENTO DE RECLAMAÇÕES
Outro ponto de grande importância reza sobre a obrigatoriedade de as empresas disponibilizarem, seja por meio físico ou digital, a possibilidade de registro de reclamações inclusive, em casos de pessoas analfabetas de disponibilizarem pessoas que os ajudem no registro da reclamação, vejamos:
“Art. 34 – Ficam obrigados os fornecedores e prestadores de serviços a disponibilizarem meios físicos ou digitais para o registro de reclamações do consumidor.
§ 1º Deverá ser disponibilizado ao consumidor a cópia ou gravação e o protocolo de atendimento.
§ 2º Os meios digitais para o recebimento de reclamações deverão conter obrigatoriamente campo para o preenchimento dos dados do consumidor e fornecedor, o registro da reclamação e a anexação de arquivos de áudio, vídeo, imagem e documentos.
Art. 35 – Na impossibilidade do consumidor registrar a reclamação, seja por analfabetismo, deficiência física ou visual, permanente ou transitória ou qualquer outra razão, os fornecedores ou prestadores de serviço deverão, desde que solicitada, redigir a reclamação nos termos indicados pelo consumidor e somente finalizá-la após sua anuência.
Parágrafo único. Na hipótese de ocorrência do disposto no caput deste artigo, o consumidor poderá, também, solicitar o auxílio de outrem para redigir a sua reclamação.”
Assim, as instituições financeiras que trabalham com produtos digitais deverão se adaptar para a referida norma uma vez que sua não disponibilização poderá, caso seja questionada, infringir na quebra da norma e sendo está uma Lei Estadual prevalecerá o entendimento contido na lei específica.
INSERÇÃO DE LINK AO PROCON-PR:
Outro ponto de extrema importância identificado é quanto a necessidade do fornecedor em inserir link direto em seus meios de comunicação que remeta ao endereço eletrônico oficial da Coordenação Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor – Procon-PR, conforme artigo que se colaciona:
“Art. 49 – Ficam obrigados os fornecedores e prestadores de serviços que mantêm sites e demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo, de compras coletivas ou modalidades análogas de contratação, a inserir link que remeta ao endereço eletrônico oficial da Coordenação Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor – Procon-PR.
Parágrafo único. A inserção do link previsto no caput deste artigo deverá ser feita em local de destaque e de fácil visualização.”
A não adaptação para tal ato poderá inclusive infringir o direito difuso e coletivo abrindo margem inclusive para um procedimento investigativo por parte do Ministério Público quanto a não adaptação da norma.
DEVOLUÇÃO EM DOBRO PARA DESCONTOS INDEVIDOS
Ressaltamos ainda o contido no parágrafo segundo do artigo 81 que prevê que, em casos que se verifiquem que, após a solicitação por parte do consumidor do cancelamento ou suspensão e pagamentos de cobranças futuras descontada diretamente da conta ou folha de pagamento bem como de cobranças parceladas contratadas em cartão de crédito e, se identifique que os descontos foram indevidos eventuais contratações é a devolução, EM DOBRO, por parte da instituição financeira. Vejamos:
“Art. 81 – O consumidor poderá requerer junto as instituições financeiras e demais empresas de pagamento a suspensão ou cancelamento das cobranças das parcelas futuras descontadas diretamente da conta bancária ou em folha de pagamento, assim como aquelas cobranças parceladas contratadas por meio do cartão de crédito, enquanto não encerrada a apuração da contestação, quando o serviço ou o produto não for contratado, prestado ou entregue.”
“§ 2º Nos descontos indevidos, a instituição financeira deverá restituir, em dobro, os valores cobrados durante o período da suspensão ou cancelamento.”
Tal determinação é temerária uma vez que a própria doutrina e jurisprudência determina que, para que haja a devolução em dobro é de necessidade cabal a comprovação de MÁ-FÉ por parte da instituição financeira e a norma aqui analisada afasta tal necessidade ampliando o risco jurídico para a instituição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei Estadual nº 22.130/2024 apresenta um marco regulatório abrangente e exigirá adaptações significativas nos processos internos da instituição, especialmente na oferta de crédito, formalização de contratos, cobrança de dívidas e atendimento ao consumidor.
Ressaltamos que a adequação integral às exigências legais é imprescindível para mitigar riscos de sanções administrativas, questionamentos judiciais e potenciais prejuízos reputacionais.
Estamos à disposição para esclarecer eventuais dúvidas e para assessorar na implementação de medidas de conformidade, assegurando que as operações da instituição estejam alinhadas com as disposições da nova legislação.
Sobre o autor:
Aislan de Faria Thieri – Coordenador de Direito Bancário do Vigna Advogados Associados