Adilson Luiz Gonçalves cinema Colunistas

RIXA

RIXA

O Festival “Curta Santos” de 2024 foi bastante concorrido, com a apresentação de obras locais e nacionais.

Um dos curtas que entraram na categoria “Olhar Brasilis”, foi “RIXA”.

O curta aborda a violência no futebol, inspirado no incidente que resultou na morte de uma jovem, atingida por uma garrafa, numa briga de torcidas.

O personagem principal é um jovem que participou do confronto, mas que, ao chegar em casa, trata sua mãe com carinho e cuida de afazeres domésticos. No dia seguinte, vai trabalhar num consultório dentário, atuando sem jamais transparecer qualquer alteração de comportamento que demonstrasse agressividade, a não ser por um importante detalhe: ele está todo o tempo acompanhando e participando de conversas com outros torcedores, pelo celular.

No início, justificam a briga, afirmando que quem vai aos estádios tem que estar pronto para confrontos, caso contrário, que fique em casa.

Ao saberem do que ocorrera com a jovem, chegam a culpá-la por estar lá, que aceitara os riscos. A conversa bem representava o que vem ocorrendo há décadas no futebol brasileiro e mundial.

O protagonista só voltou a demonstrar violência, quando participou de um jogo, cheio de xingamentos, ameaças e entradas fortes, que quase desandou em briga.

Em resumo, a mensagem era de como o futebol transtornava, em vez de entreter. “Jogo limpo”?, só no discurso.

Não à toa, ficou difícil levar famílias a estádios, pois os confrontos entre torcidas são recorrentes, mesmo em jogos de torcida única. Se não for nas praças de esportes, será nas ruas circundantes, às vezes com dia e hora marcados pelas redes sociais.

A primeira vez que lembro de um episódio dessa gravidade foi num jogo da Copa São Paulo de Futebol Junior, no Pacaembu. Um pai desacordado, após ser golpeado, tinha ao lado seu filho desesperado, chorando, pedindo socorro, enquanto uma batalha campal ainda se desenvolvia.

No curta, o tom da conversa entre torcedores foi mudando, enquanto chegavam informações sobre a vítima. Souberam que era mãe, e que estava em estado gravíssimo. A agressividade foi transformada em medo, quando ouviram que havia imagens que permitiriam a identificação do agressor.

O protagonista foi progressivamente mudando de atitude. Parou de participar da conversa virtual. Sua expressão ficou sombria. O roteiro não deixava claro se ele seria o agressor, mas ele refletia sobre o incidente, se colocando no lugar do agressor, e raciocinando sobre a consequência do ato.

No final do dia, ele vai tomar uma cerveja num bar…

O curta tem uma montagem dinâmica, bastante ajudada pelas imagens filmadas. Numa delas, o protagonista aparece em primeiro plano, com um aparelho de TV ao fundo, com imagem indefinida. De repente, a imagem muda para o que parece ser a de um jornal televisivo, que anuncia a morte da mulher.

Logo após, ele se assusta com uma menina que tropeça próximo à sua mesa. Ela levanta, olha para ele e, atendendo ao chamado da mãe, corre para ela.

O curta termina com o protagonista visivelmente emocionado, lacrimejando.

A única premiação recebida por “RIXA” foi uma menção honrosa ao protagonista, Lucas. Em minha opinião, merecia muito mais. No entanto, muito mais importante foi que a mensagem foi muito bem passada, e precisa ser vista e divulgada. Quem sabe auxilie a evitar que o futebol continue um meio de expressão de selvageria desenfreada de gangues; para permitir que pessoas de boa índole voltem aos estádios apenas para torcer por seus times, zoarem e serem zoadas por amigos.

Porém, cabeças de porco, apedrejamento de ônibus e atos como os ocorridos na final da Copa do Brasil 2024, apenas para citar exemplos recentíssimos, fazem crer que a tarefa será difícil.

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras

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