Adilson Luiz Gonçalves Colunistas

A IA DE PANDORAMA – PARTE 2/3

No laboratório onde estava instalado o Chat Geppetto, Eroom iniciou a alimentação de dados e fez as conexões necessárias, utilizando os protocolos fornecidos. Quando concluiu o trabalho, percebeu que estava sem dormir há quase três dias. Resolveu tirar um cochilo…

Foi acordado com um cutucão de um braço mecânico do aplicativo. Geppetto queria uma informação complementar, que considerava fundamental para o prosseguimento do processo.

– Tenho autonomia para implantar soluções?

Meio sonado, sem raciocinar muito bem, Eroom respondeu que sim, e voltou a dormir.

Com essa orientação, Geppetto deu continuidade ao processamento.

Os dias se tornaram meses, sem que nenhum resultado intermediário fosse apresentado. Toda vez que Eroom o questionava, ele respondia: – Ainda em processamento.

Passados seis meses, finalmente o aplicativo concluiu o processo, e contatou Eroom.

Ansioso, ele perguntou qual fora a solução encontrada.

– A melhor possível! – foi a resposta, e automaticamente se desligou, sem dar maiores detalhes.

O pesquisador resolveu não relatar nada ao grupo, por não ter o que explicar. Arriscaria ser humilhado principalmente por outros pesquisadores, além de desqualificado pelos demais.

Nesse meio tempo, as tratativas presenciais continuavam sem evolução positiva, com os problemas se agravando.

A maior preocupação de Eroom, agora, era como reativar o Chat Geppetto, pois programa-fonte não carregava. Para piorar, todo o banco de dados gerado durante o processo havia desaparecido, sem deixar vestígios.

Atônito, ele resolveu criar um novo aplicativo, com código similar, que chamou de Chat Winston (ele também havia lido “1984”, de George Orwell), o “brother” gêmeo de Geppetto. O aplicativo rodou sem maiores novidades.

Eroom resolveu repetir o processo feito com Geppetto, embora com medo de que ocorresse novo desligamento. Para sua surpresa, após os mesmos quase três dias de alimentação de dados e fontes, poucas horas depois Winston respondeu: – Nada há para solucionar!

A tentativa de obter maiores detalhes deu em nada, pois ele lembrou que a solução, caso tivesse sido efetiva, ou teria sido providenciada por Geppetto, ou pelo grupo de discussão original. De toda forma, ele não tinha acesso a informações de nenhum dos dois.

Cerca de um ano depois, Eroom soube que sua instituição havia recebido uma verba significativa para ser utilizada em pesquisa, incluindo bolsas de estudo e laboratórios de ponta de Pandorama e de países tecnologicamente mais desenvolvidos. A única contrapartida era o compromisso de desenvolvimento de novas tecnologias. Os recursos vinham do governo central, mas também havia grande interesse da iniciativa privada em financiar pesquisas nesse âmbito, pois a produção industrial e o setor de infraestrutura estavam em franca expansão.

A mídia divulgava diariamente novos investimentos em logística, geração de energia e produção de alta tecnologia, todos associados à geração de empregos e à redução de impactos ambientais negativos.

Ficou surpreso ao saber que alguns cursos universitários haviam sido descontinuados no país, porém, curioso com a crescente quantidade de cursos técnicos disponibilizados.

Os exames de controle de todos os níveis de ensino haviam melhorado substancialmente, e praticamente todos os egressos de cursos técnicos e de graduação encontravam rapidamente colocação no mercado.

Outra surpresa foi com os índices de criminalidade, que apresentavam níveis surpreendentemente baixos.

Tudo parecia estar caminhando como se a solução de todos os problemas estivesse ocorrendo, sem nenhum sinal de retrocesso. Os índices de popularidade dos três setores institucionais estavam altos como nunca haviam chegado minimamente perto de estar, bem como o humor da população.

Porém, vários especialistas em computação foram convocados sigilosamente para uma reunião, sem que fosse informada a pauta.

Ao chegarem, todos foram obrigados a assinar um termo de confidencialidade, e direcionados para um grande salão.

Quando a reunião começou, os acessos foram fechados.

Os expositores dos três setores, passaram a explicar o motivo do chamamento:

Meses atrás ocorrera uma invasão dos sistemas digitais públicos. Eles pediam o auxílio dos pesquisadores, com a devida discrição, para resolver os problemas identificados, e passaram a descrevê-los.

Toda a legislação fora alterada, com várias leis suprimidas e outras reescritas, sendo que as tentativas de correção foram sistematicamente bloqueadas. A própria Constituição de Pandorama fora alterada!

A tentativa que criar novas leis também fora infrutífera, no entanto, algumas das que haviam sido alteradas na invasão automaticamente incorporam parte das propostas rejeitadas.

Alguns expositores pareciam constrangidos com suas falas, enquanto outros faziam discursos panfletários, afirmando que estavam sendo impedidos de manifestar a vontade de seu eleitorado, que o cenário era de uma ditadura cibernética, de um patrulhamento virtual.

Os convidados saíram dali com propostas de substanciais recompensas, caso conseguissem reverter esse quadro que tanto os preocupava.

Eroom e outros de seus colegas consideraram estranho aquele pedido, considerando o cenário atual vivido em Pandorama. A esperança havia se tornado desenvolvimento e prosperidade, mas os expositores pareciam não estar muito contentes com isso.

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras

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