*Mayra Cardozo
Quando entrou em cartaz nos cinemas brasileiros, o filme É Assim Que Acaba, baseado no livro homônimo da autora Colleen Hoover colocou novamente a obra sob os holofotes. No entanto, muitas críticas internet afora enfatizaram que a história de Hoover é um grande sinal de alerta sobre relacionamentos abusivos, em especial a romantização destes e a glamourização da violência doméstica.
Muitas pessoas alegaram que a abordagem de conto de fadas no início, uma escolha narrativa que dá a impressão de ser artificial e distante, dificulta a conexão com a realidade da violência doméstica. Além disso, a roteirista Christy Hall foi criticada por manter a “reviravolta” narrativa escondida por muito tempo, que tirou um pouco do peso da moral da história.
Em meio a recepções mistas, com um lado elogiando a humanidade dos personagens e as lições do filme e o outro sentindo que a adaptação perdeu o carisma do material original e entregou uma abordagem sem rumo e pouco marcante, é importante notar que pontos de vista e experiências são amplamente variáveis. E é justamente sobre isso que quero discorrer neste artigo.
Quando li o livro anos atrás e agora tendo assistido ao filme, tive uma percepção diferente. Para mim, ambos retratam a complexidade da violência doméstica e a dificuldade de perceber o abuso e sair de uma relação abusiva. Colocar o espectador para torcer pelo casal e apresentar o abusador como irresistível e carismático é uma forma de fazer o público vivenciar o ciclo da violência, assim como a vítima.
No início, a violência é sutil, e ficamos em dúvida sobre o que está acontecendo, como a vítima também esteve. Quando o agressor se arrepende e conhecemos sua história, sentimos vontade de perdoá-lo, tal qual a vítima. O filme não glamouriza a violência, mas proporciona uma experiência sensorial do ciclo do abuso.
Filmes que retratam o agressor como um vilão absoluto distanciam a sociedade da empatia pela vítima, que acaba sendo julgada por não sair da relação. Talvez a abordagem tenha incomodado tanto porque, por um momento, você torceu pelo casal, assim como a vítima, que ama, tem uma família e acredita na mudança do parceiro.
Colocar o agressor como um monstro dificulta nossa compreensão e nos afasta da capacidade de ajudar. Entender que você também poderia se envolver em um relacionamento assim nos aproxima da realidade das vítimas e nos faz perceber que ninguém está imune a viver um relacionamento abusivo. Isso nos leva a questionar nossos próprios relacionamentos e a refletir sobre o que já vivemos, identificando se houve, ou há, sinais de abuso.
Nada é preto ou branco; os relacionamentos são complexos, o ciclo da violência é complexo, e a dificuldade da vítima em deixar o agressor também é.
*Mayra Cardozo é mentora de Mulheres e Advogada, especialista em gênero e sócia do escritório Martins Cardozo Advogados Associados. Idealizadora do método alma livre criado para auxiliar mulheres a saírem de relacionamentos tóxicos e abusivos.
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