Adilson Luiz Gonçalves Colunistas

A IA DE PANDORAMA – PARTE 1/3

Argos é um planeta que fica na galáxia Odisseia, a alguns anos-luz da Via Láctea, colonizado por terráqueos, que chegaram lá quase no limite dos recursos técnicos e de subsistência de sua expedição. Por isso, tiveram que começar praticamente do zero.

Embora a intenção dos colonizadores iniciais fosse de tentar não repetir os erros cometidos na Terra, eles ocorreram “naturalmente”, enquanto ao longo dos séculos, o planeta foi novamente dividido em países, com interesses conflitantes e estruturas de poder semelhantes.

Um desses países era Pandorama.

Pandorama sofria com alguns problemas de caixa, mas seu povo mantinha esperança de que as coisas poderiam melhorar. Potencial não faltava.

Por conta disso sua economia era pouco limitada, assim como seu comércio com outros países de Argos, pois era basicamente exportador de produtos agrícolas e minerais que pouco valiam, e importador de produtos industrializados de alta tecnologia, com poucos investimentos internos em pesquisa e desenvolvimento, nesse âmbito.

Algumas iniciativas de alteração desse quadro socioeconômico foram feitas, mas a instabilidade jurídica prejudicava sua efetivação, por conta de judicializações frequentes, envolvendo processos licitatórios, licenciamentos ambientais e execução de obras de infraestrutura, prejudicando substancialmente seu desenvolvimento. Parece que todo o sistema fora concebido para que Pandorama não evoluísse. Sempre havia um empecilho, um poderoso interesse antagônico interno ou externo.

Sua legislação, de fato, potencializava conflitos, interpretações e recursos em várias instâncias. Além disso, entidades atuavam para inviabilizar empreendimentos em infraestrutura e atividade econômica, ou fazendo com que tantas restrições fossem impostas, que provocavam desistência dos investidores privados e, até, públicos. Em verdade, seus financiadores externos não queriam concorrência para seus produtos industrializados, além de assegurar suprimento de matérias-primas essenciais a baixo custo. Isso além de impor barreiras comerciais.

O ambiente político interno era conflituoso, com disputas ideológicas, o que contribuía ainda mais para dificultar o andamento de projetos, pela falta de visão estratégica. O único interesse era obter e manter o poder para seus grupos de interesse, embora os discursos fossem bastante parecidos.

Apesar de seguidas reformas estruturais, a carga tributária permanecia elevada, restritiva, sem reflexos positivos na economia, na geração de empregos, na oferta em quantidade e qualidade de serviços essenciais. Em contrapartida, sustentada pela carga tributária, a estrutura pública estava cada vez mais “inchada”.

Nesse cenário, a evolução econômica não acompanhava as despesas públicas, inclusive onerando programas sociais, e a percepção da população variava entre inércia, estagnação e retrocesso, dependendo do aspecto considerado, desacreditando da publicidade institucional.

Pandorama tinha uma estrutura parecida com a da maioria dos países de seu planeta, ou seja, composta por três setores: o que governava, o que fazia leis e o que julgava.

As relações entre eles não eram das melhores, com ingerências de um setor sobre outro. Mas todos viam com temor as crescentes manifestações públicas de desagrado. Radicalismos e extremismos ideológicos pioravam ainda mais esse quadro.

A sensação de insegurança e impunidade em Pandorama também era tensa, com condenações por corrupção sendo anuladas e marginais de alta periculosidade sendo soltos em curto espaço de tempo, ambos rapidamente retomando suas “funções”. Governadores de províncias e alcaides também reclamavam da dificuldade de atuar, tantas as ingerências externas. Outro problema era a escalada da criminalidade, que tornava algumas áreas inadministráveis, praticamente inacessíveis.

Embora fosse consenso que ações eram necessárias e urgentes para fomentar o desenvolvimento socioeconômico de Pandorama, seus governantes não sabiam bem como desatar os vários “nós górdios”, sem lançar mão da espada de Alexandre, o Grande.

Considerando a tendência de deterioração da situação, os membros dos três setores resolveram se reunir, para avaliar alternativas que poderiam ser adotadas para eliminar os conflitos e instabilidades existentes.

Diferenças ideológicas, interesses político-partidários e “lobbies” internos e externos tornaram as discussões acaloradas, mas pouco efetivas. Embora alguns problemas fossem evidentes, as soluções propostas encontravam restrições pontuais. Para cada solução, vários problemas eram apontados, legais ou por prejudicarem interesses de alguma parte. Em verdade, para alguns, acomodados com status quo, mudanças não eram interessantes.

Ao longo de meses de discussão, nenhuma solução consensual emergiu. E mesmo as que pareciam mais factíveis, no entender da maioria, não teriam impacto significativo, ou poderiam ser questionadas judicialmente pelos contrariados. Sempre alguém alegava inconstitucionalidade das propostas, com boas chances dessa tese prosperar, apesar da presença de membros da Suprema Corte de Pandorama participarem das tratativas. Não parecia haver entendimento viável!

Passado algum tempo, ainda sobre pressão popular, resolveram incluir pesquisadores acadêmicos no grupo, na esperança – sempre ela – de que trouxessem novas possibilidades, planos de ação e meios de projeção/mensuração de eficácia de alternativas. Talvez quisessem transferir a culpa para terceiros.

Cada Área de Conhecimento apresentou suas linhas de pesquisa, e como elas poderiam contribuir para a solução da crise. O problema estava na dificuldade de integrá-las, considerando-as de forma holística, e encontrar uma solução que fosse de aplicação mais rápida e de melhor resultado.

Cada um considerava sua proposta ideal, recusando-se a revisá-la ou minimamente alterá-la. Alguns bradavam seus currículos, com a intenção de desqualificar quem se opunha. Com isso, os conflitos foram ampliados, agora também no âmbito científico.

Parecia impossível conciliar aspectos socioeconômicos e ambientais, interesses estratégicos internos e ingerências internacionais, prerrogativas constitucionais, convicções ideológicas e egos. Agora era uma virtual “torre de babel”!

Foi quanto um pesquisador chamado Eroom, que até então só havia observado as discussões, além de ter ajudado a apartar algumas discussões que de outra forma teriam descambado em agressões, pediu a palavra. Só a obteve depois de alguns exórdios.

Ele informou que havia desenvolvido um aplicativo de Inteligência Artificial – IA para “rodar” no supercomputador recém adquirido pelo instituto onde atuava.

Os resultados dos testes iniciais do Chat Geppetto (Eroom era fã da estória de Pinóquio) haviam demonstrado um enorme potencial de compilação e tratamento de dados, apresentando conclusões rápidas e efetivas.

Os dados disponíveis e as propostas apresentadas poderiam ser inseridos no aplicativo, para obter aquela que melhor conciliasse todos os interesses envolvidos com os objetivos almejados.

As reações foram de surpresa, curiosidade, desconfiança e irritação, nesse caso por parte dos que ficaram indignados com a ousadia de Eroom em não acatar suas propostas. Alguns desdenharam, afirmando que aquilo era utópico.

Felizmente, essa indignação não impediu que a grande maioria indagasse sobre o que seria necessário para ao menos fazer um teste, que comprovasse a utilidade prática do aplicativo.

Eroom, que tomara conhecimento das discussões desde as primeiras tratativas, comentou que de tudo o que havia lido e ouvido, a questão legal parecia ser a principal condicionante. No entanto, acreditava que já seria possível aprofundar mais o estudo, pois o algoritmo do Chat Geppetto, quando identificava incongruências, buscava dados e fontes complementares. O tempo de resposta dependeria do grau de complexidade do problema.

Ouviu-se uma voz: “Xi… Isso vai longe!”, mas ninguém riu. Pelo contrário, isso incomodou alguns dos presentes, e fez tantos outros concordarem imediatamente com a proposta. Afinal, ela poderia ocorrer paralelamente às tratativas em curso.

Eroom perguntou se seria possível ter acesso a toda a legislação vigente. Responderam que sim, pois ela era pública, acessível via rede digital.

Em seguida, ele questionou sobre qual o objetivo real do grupo, caso pudesse ser resumido em poucas palavras.

A expressão mais frequente foi “desenvolvimento sustentado”.

Eroom pediu que definissem como o “desenvolvimento sustentado” deveria ser entendido. Os destaques foram para temas ambientais, sociais e econômicos.

Ele perguntou se eles acreditavam que seria possível equilibrar todos esses aspectos. A maioria considerou isso o ideal, embora alguns insistissem e discursassem de forma apaixonada, que sua percepção era a mais importante. Uma turma chegou a gritar palavras de ordem. No entanto, como o grupo era bem diverso, não houve maior adesão ao protesto.

Ainda houve quem relacionasse outros temas, que consideravam pertinentes, tais como: acordos e convenções internacionais, modelos econômicos, regimes políticos, ideologias e até dogmas religiosos.

A “torre de babel” começou a esboçar um embrião de “esperanto”.

Eroom afirmou que submeteria tudo o que já havia sido discutido ao aplicativo, bem como o conectaria à rede planetária, para identificar experiência em outros países de Argos. Também solicitou que os protocolos de acesso fossem disponibilizados sem restrições, de maneira que o Chat Geppetto pudesse ter acesso total às informações necessárias ao processamento.

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras

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