Outro dia, precisei usar serviço de táxi.
Vi um veículo estacionado no ponto, com um senhor de uns setenta anos nas proximidades, aproveitando a sombra de uma frondosa árvore.
Olhei para ele e apontei para o veículo. Ele assentiu e dirigiu-se ao carro.
Sentei no banco da frente, o cumprimentei e informei minha destinação.
Ato contínuo, ele ligou seu aparelho de som. A música era um jazz tradicional, instrumental.
Não sou muito de conversar com taxistas, primeiro para não os distrair, segundo porque imediatamente começo a verificar mensagens e notícias no celular. Não foi absolutamente o caso.
Comentei com ele: “Opa, jazz!”. Ele confirmou, com um sorriso.
Complementei: “Parece a Traditional Jazz Band.”. Aí, ele olhou comigo com viva surpresa: “É!”.
A partir daí, começamos um bate-papo animado sobre essa longeva banda brasileira, premiada inclusive nos EUA.
Eu a conhecia desde a década de 1970, ouvida principalmente na Rádio Eldorado de São Paulo. Em rápida pesquisa, vi que ela existia desde meados da década anterior, formada basicamente por estudantes universitários.
O motorista, fã incondicional deles, alertou que apenas um dos membros era músico profissional.
Comentei que era uma pena eu nunca ter assistido uma apresentação deles.
Para minha “vergonha”, o motorista comentou que eles já estiveram em Santos ao menos três vezes, e que ele havia assistido todas, com toda a “tietagem” que tinha direito.
Lamentou a qualidade das músicas que tocam na mídia, atualmente. Concordei!
Comentei que infelizmente, são raras as alternativas musicais e artísticas, em geral. Há uma massificação alienante.
Ele comentou que gostava tanto de jazz, que não se perdoava por ter estado algumas vezes nos EUA, mas nunca ter ido à Nova Orleans, onde ser popular exige qualidade vocal e instrumental.
Falamos sobre vário ícones do jazz e suas histórias.
Lembrei do filme “Por volta de meia-noite” (EUA/França, 1986). Ele comentou sobre “Ray” (EUA, 2004). Citei “Bird” (EUA, 1988)… Também comentamos sobre as “Big Bands” de outrora, como as de Glenn Miller, Benny Goodman… Na hora, esqueci de Harry James!
Grandes instrumentistas desfilaram nessa animada conversa, mas comecei a me preocupar, pois ele estava dirigindo a 20 km/h na faixa da esquerda da Av. Conselheiro Nébias! Felizmente, ele “acordou” e voltou a dirigir com a atenção necessária.
Tive minha parcela de culpa, reconheço. Essa conversa era para ter num bar temático, ao som de um solista ou de uma banda de jazz. Nem precisaria de bebida alcoólica, pois, para mim, basta se o assunto for interessante. Uma água mineral sem gás, com gelo e limão espremido, está mais do que bom.
Mas o som estava lá, com os instrumentos “conversando” entre si, com o mesmo entusiasmo de nosso bate-papo.
Quando chegamos ao meu destino, agradeci pela viagem musical. Genuinamente, ele afirmou que o prazer havia sido dele. Antes de deixar o táxi, lembrei que aquele curto trajeto me fizera lembrar do filme “Música e lágrimas” (EUA, 1954), que romanceava a vida de Glenn Miller.
Numa cena, Sammy Davis Sênior caminhava por uma rua, quando ouviu uma música da banda desse grande “band leader”, desaparecido durante a Segunda Guerra Mundial, a partir do rádio de um táxi
Incontinente, ele entrou no táxi, com uma expressão feliz.
Quando o motorista lhe perguntou a destinação, ele respondeu que não importava: o que ele queria era ouvir aquela música…
Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras
Patrocinado