O cenário do transporte marítimo mundial tem sido uma constante aplicação da
expressão latina “Mutatis Mutandis” (mudando o que tem de ser mudado).
Essas mudanças, no entanto, não raro são revisitas ao passado, mais ou menos como
ocorre com a moda, bem ao estilo da antiga canção de Zé Rodrix, que dizia: “De vinte
em vinte anos aparece no mundo uma nova geração. Mas de quarenta em quarenta
(anos) é que todas as coisas se repetem”.
Durante muito tempo, empresas de vários setores da economia eram estruturadas de
maneira a gerir diretamente todo processo de seu negócio, inclusive a logística.
Atualmente, isso seria considerado como “verticalização”. Depois, alguns setores
foram terceirizados, inclusive em áreas nevrálgicas, reduzindo custos, mas
potencializando riscos. Isso configurava uma “horizontalização”.
O “Mutatis Mutandis” varia conforme os cenários, pendendo para um lado ou outro,
ou adaptado em configurações híbridas. No entanto, normalmente os objetivos
básicos são os mesmos, desde que o mercado seja bem regulado, de maneira a
favorecer competição, em tese resultando em vantagens para quem vende e compra,
além de compromissos com a sustentabilidade. São eles: confiabilidade e agilidade na
cadeia produtiva e distributiva, segurança, imagem de mercado, redução de custos,
lucro e, mais recentemente, foco na satisfação e fidelização do cliente, por razões que
superam a simples tradição.
Obviamente, como é quase impossível agradar “gregos e troianos”, qualquer modelo
pode ter suas “sequelas” além de estar sujeito a “intempéries”, dentre as quais:
desemprego, crises econômicas e energéticas, conflagrações, mudanças de paradigma,
etc.
Considerando que o transporte marítimo é responsável por aproximadamente 90% do
comércio internacional, qualquer mudança tem implicações diretas, quase imediatas,
embora os sinais de alerta estejam visíveis bem antes.
O Brasil tem sido vítima das circunstâncias, no contexto da globalização. O empenho
de produtores e exportadores têm permitido relativamente rápida adaptação às
exigências de países desenvolvidos, parte delas influenciada por protecionismos e
interesses hegemônicos. No entanto, nossa participação no comércio internacional é
relativamente pequena, baseada majoritariamente na exportação de commodities de
baixo valor agregado, importantes para a produção industrial e segurança alimentar de
países desenvolvidos, mas que pouco têm revertido para a solução de problemas
estratégicos do Brasil. As instabilidades jurídica e regulatória vigentes por aqui pouco
têm ajudado nesse processo.
O Brasil precisa de investimentos urgentes em infraestrutura de transportes, produção
industrial, educação de qualidade e pesquisa científica voltada à inovação tecnológica
e produção de patentes, entre outras. Esses investimentos terão impacto direto e
positivo na solução de questões socioeconômicas e no desenvolvimento sustentado do
País.
Nossa matriz energética é muito mais “limpa”, e as áreas destinadas ao agronegócio
percentualmente muito menores do que as de países que nos cobram ações pela
preservação do meio ambiente, exigindo o que não fazem internamente, sem
contrapartidas compatíveis
Porém, mesmo com todos esses “freios” externos – que também financiam “freios”
internos -, o Brasil continua a ter potencial para ir além, ter luz própria em vez de
permanecer na sombra das grandes potências econômicas mundiais.
Os desafios enfrentados pelo mundo exigem invenções, reinvenções e adaptações
para evitar ou contornar crises e conflagrações.
Basicamente, a estabilidade mundial depende de fatores econômicos,
independentemente de questões ideológicas ou religiosas. Estas geralmente se
manifestam de forma mais aguda, revolucionária ou reacionária, quando a economia
vai mal. E nem sempre resultam em efetiva evolução, em nome de um bem geral.
É preciso produzir, exportar e importar, pois nem todo país é plenamente
autossuficiente em matérias-primas e diversificação industrial.
A evolução da humanidade ainda se baseia na “Lei do mais forte”, mas essa fortaleza é
menos decorrente da força física, em qualidade e quantidade. O “colonialismo” atual é
econômico e geopolítico, mas ainda sítios a quem não se submete aos interesses dos
poderosos da vez.
Investidores inescrupulosos não se importam em quebrar a economia de países,
ignorando as consequências de seus propósitos: desemprego, pobreza e fome,
fermentos de tensões sociais. A história é repleta de exemplos de tiranos e líderes
carismáticos que usaram o desespero de povos para chegarem ao poder.
Hoje, o mundo discute limites para assegurar a preservação do planeta e,
consequentemente dos seres vivos. O foco principal está no meio ambiente, o que faz
todo o sentido.
A evolução da economia mundial sempre teve impactos sociais e ambientais, positivos
e negativos. Partindo do artesanato, passando pela linha de montagem, chegando à
automação e IA, profissões foram e tendem a ser descontinuadas, enquanto novas,
cada vez mais especializadas e complexas foram e são criadas, num processo sempre
associado ao crescimento populacional, com suas antigas e novas demandas de
consumo e expectativas de vida.
Isso impacta todos os setores da sociedade, portanto, e poucos consideram como
opção sustentável o retorno aos tempos em que seres humanos eram caçadores-
coletores. Os caçadores provavelmente seriam mal vistos, e os coletores poderiam ser
tratados como invasores ou infratores.
Como já mencionado, o transporte marítimo e as operações portuárias estão
diretamente associados à economia mundial. O frete vem a reboque dela.
Seja pela “horizontalização”, seja pela “verticalização”, os impactos sociais e
ambientais são sensíveis, por vezes dramáticos, assim como as propostas de medidas
mitigadores.
Nesse contexto, as exigências são por embarcações cada vez maiores, de melhor
eficiência energética e menos poluentes.
É preciso viabilizar negócios e para tanto é preciso ser competitivo, mas também
sustentável em sentido amplo.
A Física nos ensina que um tripé é um sistema que favorece ao equilíbrio. A Geometria
explica que um triângulo é a figura minimamente equilibrada, mas que sua melhor
configuração é o equilátero, ou seja, de lados iguais. Uma pesquisa aceitável exige ao
menos três fontes de consulta.
Assim, três é um número exaltado pela ciência, porém, também guarda simbolismos
multifacetados, e necessita de complementos! Afinal, o mundo real é tridimensional,
mas o tempo, como quarta dimensão, é relativo.
Não à toa, o moderno conceito de sustentabilidade considera o equilíbrio entre três
“pilares”, a saber: ambiental, social e econômico. O tempo entra na elaboração de
cenários, que podem ser pessimistas, tendenciais ou otimistas, incluindo variantes.
Tudo o que se fala hoje sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e
Environmental, Social and Governance (ESG) pode ser resumido nesses três pilares.
Para haver sustentabilidade, eles devem estar equilibrados, contribuindo igualmente.
O lado social talvez seja o de mais difícil equacionamento, pois pensar apenas na
preservação do meio ambiente, desprezando a economia, pode afetar ambos. Uma
economia fraca compromete empregos, e limita a capacidade de investimento de
governos em educação, saúde, segurança e habitação, potencializando a ocupação
irregular de áreas preservadas, ampliando a degradação.
Uma economia forte associada a uma visão holística de sustentabilidade tem mais
chance de gerar bons, amplos e mútuos resultados. Para tanto, o bom senso deve ser a
matéria-prima dos pilares da sustentabilidade.
Como visto, a economia, em todos os setores, transita entre a “horizontalização” e a
“verticalização”, dependendo do ângulo de visão, ou seja, também é tridimensional.
Então, que o bom senso e o equilíbrio consequente sempre estejam presentes em
qualquer análise, projeção e iniciativa, sob pena de um dia só nos restar apelar para a
Santíssima Trindade.
Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro, Pesquisador e membro da Academia Santista de Letras