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SEMPRE APRENDIZ

Lecionei por 31 anos, sempre em cursos universitários. Parei por questões de saúde.

Curiosamente, ainda é comum me chamarem de professor, mesmo quem nunca foi meu aluno.

Ao longo desse tempo, tentei usar como exemplos os professores que respeitei durante minha formação, do antigo Primário à Universidade, agregando a experiência e conhecimentos que fui adquirindo em pós-graduações lato e stricto sensu; e profissionalmente, enquanto engenheiro e portuários, tudo isso permeado por valores pessoais.

No entanto, nunca achei isso suficiente, talvez por conta da criação que recebi.

Meu pai, usava algumas frases de efeito que ecoam até hoje em minha mente:

Quando eu tirava boas notas e comemorava, ele dizia: “Não fez mais nada além do que sua obrigação”, ao mesmo tempo em que repetia: “Só os melhores evoluem na vida”.

Por conta disso, sempre acho que estou “devendo” em tudo o que faço, que nunca é o suficiente. E toda vez que vejo um trabalho ou texto antigos, penso que poderia ter feito melhor.

Por conta disso, aprender passou a ser uma obsessão de tal monta, que às vezes preciso parar e me interrogar sobre o real sentido dessa obstinação. Se “aprender não ocupa espaço”, às vezes é preciso saber a utilidade desse aprendizado, que eu entendo como equacionar inteligência e cultura, para ter como resultado sabedoria.

Conheço pessoas inteligentes, cultas, não necessariamente ambos, mas é raro encontrar pessoas sábias. Porém, algo comum quando as encontro é notar que elas não são arrogantes ou esnobes.

Também aprendi que inteligência e sabedoria são como pedras brutas, que todos somos. Nascemos com instintos e potenciais, mas ambos precisam ser lapidados. Aí entram os sentidos dados ao verbo lapidar: pode ser atirar pedras, na consumação de um suplício, ou tornar as preciosas ainda mais valiosas. O ser humano é assim, para o bem o para o mal, e quem assume a função de lapidá-lo, pode destruir seus potenciais positivos e exacerbar seus piores instintos, ou exaltar e desenvolver suas melhores qualidades.

Aí está um dos grandes desafios de quem se propõe a educar: não se deixar seduzir pelo poder que lhe é dado!

No início deste texto, mencionei “professores que respeitei” porque nunca idolatrei nenhum deles. Não me limitei ao que ensinaram, nem considerei suas opiniões como únicas.

Tive sorte, reconheço, de não ter nenhum que exigisse que sua visão de mundo como condição para ser aprovado em suas matérias. Em verdade, tive uma, que verdadeiramente me aterrorizou e a meus colegas, ao tentar nos cooptar para sua religião. Mas já soube de casos de professores que condicionaram a aprovação de seus alunos a compactuarem com suas ideias e crenças, inclusive humilhando os que questionavam e não se submetiam.

Professor deve ser estrada e não muro! E se a vida é um labirinto, o melhor que ele pode fazer é ensinar “cartografia” a seus alunos, ou, no mínimo, dotar-lhes de um “fio de Ariadne”, para que não ser percam em descaminhos.

Lecionar, até por conta de minha profissão de origem, Engenheiro, é uma das atividades possíveis.

Em outras áreas especializadas, isso também é atribuição, o que faz com que alguns alunos perguntem: “Além de dar aula, você trabalha?”, como se lecionar não fosse um dos trabalhos mais nobres que existe.

Dar aula… Um colega certa vez respondeu: “A gente cobra baratinho, mas não dá aula”.

Uma vez, um imbecil, em tom jocoso, me perguntou, quando nos encontramos num corredor de Universidade: “Você dá onde?”.

Conhecendo seu nível de estupidez e intencionalidade maldosa, respondi: “Eu leciono, não dou em lugar nenhum”.

Vida de professor tem dessas coisas, ainda mais na atualidade, em que alguns alunos, apoiados por seus pais e alguns setores da sociedade, inclusive institucionais, acreditam que ao entrarem numa Universidade têm o direito de receber diploma sem nenhum mérito; que uma nota ruim pode afetar psicologicamente; ou que, por pagarem seus salários, os professores são seus empregados.

Felizmente, tive poucos conflitos e algumas frustrações, ao longo desses anos, embora cada um deles tenha deixado marcas indeléveis, por sempre ter as frases de meu pai em mente.

Aprendi mais do que ensinei, e nunca fui limite, só caminho. Aliás, continuo aprendendo e me cobrando, o que tem ajudado a suportar outros aprendizados que a vida vem me proporcionando.

Ser professor é, também, um processo de lapidação, muito mais rigoroso, progressivo, interminável, reflexivo…

Isso sem falar que os alunos passam de ano, enquanto os professores permanecem no mesmo…

Uma piadinha sem graça, para encerrar.

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras

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