Adilson Luiz Gonçalves Colunistas

ONDE TODOS SÃO PRIMOS

Adilson Luiz Gonçalves

Ser primo depende de uma relação de parentesco, ou seja, familiar. No entanto, existe um lugar onde todos se tornam “primos”, apenas por ingressarem lá: a Escola Estadual Prof. Primo Ferreira, em Santos.

Ao que consta, desde 1968 ela está localizada no Bairro Vila Belmiro. Nessa época, seu prédio era moderno, com amplas instalações, professores e recursos pedagógicos diferenciados.

Eu tinha terminado o, então, Curso Primário no também estadual Grupo Escolar Cesário Bastos, onde hoje é um campus da USP, na Av. Rangel Pestana, e não queria mais estudar. No entanto, meu pai, sem me avisar, me inscreveu para fazer Exame de Admissão no Primo Ferreira. Sim! Era preciso passar por esse processo seletivo para ser aprovado em algumas escolas estaduais consideradas diferenciadas.

Meu irmão “do meio”, quase cinco anos mais velho do que eu, já estava lá, transferido de uma escola privada, para cursar o último ano do Ginásio. Foi reprovado na primeira tentativa.

Ao saber que eu havia passado no exame, ele, grande incentivador, sentenciou que eu iria “me ferrar” com a Dna. Hilda, professora de Matemática, sua algoz.

O mesmo nome de minha mãe, que era tão legal! Seria possível?

Contrariando o vaticínio, fui muito bem em Matemática, que era um dos “fortes” da escola, assim como as demais disciplinas da área de Exatas. Foi mais uma prova de que filhos não saem de uma linha de montagem padrão.

Além de jogar bola no “imenso” terreno que separava a escola do Quarto Ginásio, outra de nossas diversões era fazer manutenção da escola no período de férias. Era uma “farra” lavar a escola, pintar paredes, lixar e envernizar carteiras… Eu e meus “primos”, sob coordenação do Prof. Âmer, montamos a sala de inglês, que não deixava absolutamente nada a dever às de escolas de idiomas. “English as it is in the USA: Book One, Lesson Eleven”, era o anúncio fonográfico de uma nova aula, com projeção de diapositivos manejada pelo professor.

Tive sorte de ter amigos de formação familiar, valores e sonhos parecidos com os meus. A maioria seguiu no Primo Ferreira, cursando o Colegial.

Eu, por orientação de meu pai, fui passar por novo processo seletivo, agora para o curso Técnico de Edificações no Colégio Técnico Industrial de Santos, que depois foi Otávio dos Santos e Escolástica Rosa, até virar Aristóteles Ferreira. Poderia ter mantido a denominação original, muito mais imponente. No mesmo ano, comecei a trabalhar, economizando para cursar Engenharia ou Arquitetura, por conta dos empregos que tive, a partir dos quinze anos.

Voltamos a nos encontrar muito tempo depois, para descobrirmos que continuamos e sempre seremos “primos”, por laços de tempos vividos, de amizades que nunca deixaram de ser.

Curiosamente, a maioria seguiu carreiras na área de Ciências Exatas, eu incluso.

Formados em uma escola pública diferenciada, com infraestrutura e professores de alto nível – salvo algumas exceções -, havia politécnicos e pós-graduados no exterior, que contam suas histórias sem arrogância, pois ainda são os mesmos que distribuíam pernadas “a três por quatro”, nas “peladas” do campo de areia da escola.

O Primo Ferreira era efetivamente nossa segunda casa: um lugar para onde íamos com prazer, e estudar era, mais do que uma obrigação, um projeto de vida, um meio de realização de nossos sonhos!

Alguns deles tiveram início nas aulas de Artes Industriais, do Prof. Clóvis, onde o gosto pela Engenharia começou para muitos de nós.

Como é bom quando a escola nos motiva e dá “régua e compasso” para que realizemos nossos sonhos!

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras

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