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O PÁSSARO E A PALAVRA

O PÁSSARO E A PALAVRA

Toda vez que uma mulher se defende, sem nem perceber que isso é possível, sem qualquer pretensão, ela defende todas as mulheres.

Maya Angelou

Margarete Hülsendeger

Maya Angelou, nascida Marguerite Ann Johnson (1928-2014) em St. Louis, Missouri, foi uma escritora, poetisa e ativista dos direitos civis amplamente respeitada. Sua vida esteve repleta de desafios, incluindo a segregação racial e experiências de abuso, que influenciaram profundamente sua obra literária. Ela é conhecida por sua série de autobiografias, incluindo, Eu sei por que o pássaro canta na gaiola (1969), Reúnam-se em meu nome (1974), Cantando e dançando e ficando feliz como o Natal (1976) e O Coração de uma Mulher (1981), e por sua poesia, como Ainda assim eu me levanto (1978).

Além da carreira literária, Maya Angelou também desempenhou um papel significativo na luta contra o racismo e pela justiça social nos Estados Unidos. Ela trabalhou ao lado de líderes dos direitos civis, como Martin Luther King Jr. e Malcolm X, e sua escrita e discursos se tornaram uma voz poderosa na promoção da igualdade racial e dos direitos humanos. Angelou, combateu as injustiças enfrentadas pela comunidade afro-americana, inspirando mudanças por meio de seu ativismo.

Eu sei por que o pássaro canta na gaiola[1], primeiro volume da autobiografia de Maya Angelou, oferece um relato vívido e comovente da infância e adolescência da autora, capturando o espírito indomável e a resiliência diante de adversidades severas. É considerado uma obra fundamental para a compreensão da literatura afro-americana e da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. O título é inspirado em um poema do poeta afro-americano Paul Laurence Dunbar (1872-1906), intitulado Sympathy (1899). Nele, Dunbar usa a metáfora do pássaro preso na gaiola para ilustrar o sentimento de aprisionamento e a luta pela liberdade. Da mesma forma, o título reflete a luta de Maya Angelou contra as dificuldades da sua infância e a busca pela independência e autoexpressão.

A escrita de Angelou é um dos aspectos mais notáveis da obra. Sua prosa é marcada por uma fluidez poética e uma sensibilidade narrativa que tornam suas experiências acessíveis e profundamente impactantes para o leitor. Um exemplo disso é a descrição vívida da segregação racial em Stamps, Arkansas: “Em Stamps, a segregação era tão completa que a maioria das crianças negras não tinha a menor ideia de como os brancos eram”, e, mais adiante, ela reconhece que durante muito tempo nunca acreditou que os brancos eram reais.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

A narrativa do livro é construída com uma mistura de introspecção e observação social, refletindo o estilo único de Angelou, que combina aspectos autobiográficos com uma análise mais ampla do contexto sociocultural. Uma presença constante na memória da autora é a de sua vó paterna, com quem foi morar após a separação de seus pais. Momma, como era chamada pelos netos e vizinhos, foi, segundo Angelou, uma fortaleza de calma e sabedoria, que lhe ensinou a importância da dignidade e da autoafirmação, mesmo quando tudo ao seu redor parecia estar desmoronando.

A obra é também notável por sua forma inovadora de tratar do silêncio forçado e da voz emergente. Maya Angelou, que perdeu a voz devido a um trauma profundo na infância, usa a escrita como uma ferramenta de expressão e testemunho. Em uma das muitas cenas poderosas do livro, ela descreve a brutalidade do silêncio que lhe era imposto, devido à cor da sua pele: “Era horrível ser negra e não ter controle sobre a minha vida. Era brutal ser jovem e já estar treinada para ficar em silêncio, ouvindo as acusações feitas contra e minha, cor sem chance de defesa”.

A obra de Angelou é muito mais do que um relato de sofrimento; é uma celebração da resiliência e da dignidade humana. Por meio de uma narrativa rica e sincera, Eu sei por que o pássaro canta na gaiola não só documenta a luta pessoal de Maya Angelou como também oferece uma visão penetrante da experiência afro-americana e da luta contínua por justiça e igualdade. Este livro é uma leitura essencial para quem busca compreender o impacto do racismo e da adversidade na formação da identidade pessoal e coletiva. Maya Angelou, com sua habilidade narrativa e profundidade emocional, cria uma obra que ressoa em leitores de todas as origens e continua a inspirar e provocar reflexão.


[1] ANGELOU, Maya. Eu sei por que o pássaro canta na gaiola. Tradução Regiane Winarski. São Paulo: Astral Cultural, 2018 (Edição Kindle).

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