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Preparem o solo, o poeta chegou!

Por Gilberto da Silva
Todas as vezes que eu começo a mexer com a terra no meu pequeno espaço adquirido com muito esforço, eu sinto que nem sempre minha dedicação para com a lavoura diminuta é inútil. Volto quase sempre cansado para dentro da casa e entro em repouso absoluto. Preparar um solo, plantar regar, esperar brotar, cuidar, amar e desamar são ações necessárias, mas nem sempre produtivas na arte de cuidar da terra. Quantas sementes derramamos no leito do solo com o sonho sonhado de nele germinar uma espécie bela e produtiva? Assim é a literatura, creio.

Estamos a viver numa terra pouco produtiva, e o pior, de pouco reconhecimento aos que se dedicam a laborar com maestria. Assim, incomodado, penso nos artistas e na cultura. Entre idas e vindas ao quintal para preparar o cultivo de árvores frutíferas, hortaliças e leguminosas resolvi ler com atenção o livro Pequeno Manual de Preparo do Solo para um constructo de Destroços, de Zeh Gustavo. De pronto, para pensar no desenvolvimento que a palavra cultura passou em toda a sua existência, observamos o quão múltiplo e facetado é a sua história. “Em todos os primeiros usos, cultura era um substantivo que se referia a um processo: o cuidado com algo, basicamente com as colheitas ou com os animais”, dessa forma e com um razoável poder de síntese, Raymond Williams classifica a cultura em Palavras-Chave – um vocabulário de cultura e sociedade.

O agricultor, digo, o escritor vive a plantar a laborar sua lavoura entre momentos cíclicos de produtividade e sazonalidade. Acompanho ao longo de algumas décadas, ao longe e atento, o trabalho desse agroescricultor que vive a sambar, compor, revisar e escrever e até arriscar a cantar em rodas de samba da cidade do Rio de Janeiro. Fosse apenas um agricultor, Zeh estaria a fazer agro em alguma comunidade ambientalista ou agricultura familiar em terreiro do MST. Produzir alimentos sem agrotóxicos, sem danificar o solo, sem explorar outrem é difícil em terras brasilis, porém Zeh é um teimoso do bem a produzir cultura.

No Brasil produzir livros já é uma aventura, romance, um drama, então o que dizer do produtor de poemas? “poema não vale nada” e um poeta “não vale nada tampouco debaixo de sua cama”. Confesso que o texto gustaviano foi algo como ler Nietzsche, ou coisa parecida. Cada poema do livro exercitou na minha lida a necessidade de pensar fora da minha caixa usual. Refiz repertório.  Zeh, que já foi Dumas, mas sempre Gustavo, que evoluiu em seu projeto de preparar o solo num ambiente árido e hostil. Fazer poemas não é tão simples como escovar os dentes e não basta apenas jogar as sementes no solo para que elas cresçam sem ajuda.

Gilberto da Silva é formado em sociologia e jornalismo, mestre em Comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi professor do ensino secundário e universitário. Edita a revista P@rtes (www.partes.com.br).

Fruto da maturidade de quem já preparou outros solos como Da Perspectiva do Quase, Pedagogia do Suprimido, Uma virgula no findomundo  e  Contrarresiliense (resenhei os quatros), entre outros, Zeh atinge a maturidade. Apenas não tive o prazer de ler Eu algum na multidão de motocicletas verdes agonizantes que foi vencedor do prêmio Lima Barreto, da Academia Carioca de Letras.
Em Pequeno manual de Preparo do solo para um constructo de destroços, nosso agroescricultor surge mais autobiográfico, um pouco descontente com os rumos das plantações a queimarem em solo mãe não tão gentil.

Num dos poemas o poeta lembrou o gaúcho Lupicínio Rodrigues através da referência da música Esses Moços e percebi que mesmo que as portas estejam fechadas urge escutar o coração.

Findo a leitura do manual e após tomar uma cachaça de um alambique aqui das proximidades volto à terra, a revolver o solo seco e sem nutrientes que em outras aragens um cultivador teimou em usar agrotóxicos e ao manusear o solo e a se entender com a ferramentas. Ali, bem perto uma espécie brota para além da secura real desses tempos e lembro do poema que fecha o livro, O Broto; “Antes esteio – onde se embebeu cada flor de constructo, em latente sopro, até que se deu o fruto- a fonte também é o rumo”.

Pequeno manual de preparo do solo para um constructo de destroços

Zeh Gustavo

Editora: Urutau

isbn: 978-65-5900-653-3
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 13×19,5cm
páginas: 92 páginas
papel polén 90g
ano de edição: 2024
edição: 1ª

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