Quando eu era criança, no início dos anos de 1960, havia um desenho animado chamado “O Poderoso Hércules”.
O tema de abertura era tão poderoso quanto o herói, o mesmo valendo para seu grito: “Olíííímpiaaa!”.
Seus personagens subvertiam a lenda: Dédalo, o arquiteto do labirinto de Creta, é o vilão; Helena de Troia é enamorada do herói; e Newton – nada a ver com o cientista inglês – é um centauro com problemas de identidade, pois toda a vez que o chamavam, respondia: “Sou eu! Sou eu!”.
Segundo a mitologia greco-romana, Hércules nasceu de um embuste de Zeus, que aproveitando da ausência de Anfitrião, assumiu sua aparência para possuir sua esposa, Alcmena. Conhecendo essa estória, evito chamar de anfitriões quem recebe pessoas em suas casas ou eventos…
Mas o que Hércules tem a ver com as Olimpíadas?
Consta que ele foi o criador dos Jogos Olímpicos, realizados pela primeira vez nas proximidades do templo de Zeus, seu pai, em Olímpia, na Grécia Antiga. A “chama eterna” teria sido acesa ali.
Essa chama remete ao mito de Prometeu, que teria roubado o fogo da forja de Hefesto, outro deus grego, para entregá-lo humanidade.
Bem o “fogo” não era bem esse, literal, mas a luz do conhecimento. Não à toa, Prometeu foi punido por Zeus, que mandou acorrentá-lo no Monte Cáucaso, com uma ave diariamente comendo seu fígado, num suplício que seria eterno. Que dureza!
Mais uma vez, Hércules se faz presente, matando a ave – podia tê-la só espantado, uai! – e libertando Prometeu.
Passando do mito à história, os Jogos Olímpicos da Antiguidade, teriam ocorrido entre 776 a.C. e 393 d.C., com intervalos de 4 anos, celebrando o ideal grego de corpo são e mente competitiva.
A competição era tão importante, que a Guerra do Peloponeso (século V a.C.) foi interrompida, para que atletas de Atenas e Esparta a disputassem. Creio que só o Santos F.C. repetiu tal proeza, interrompendo a Guerra de Biafra, em 1969.
Esses jogos foram banidos pelo Imperador romano Teodósio I, por questões religiosas, e só foram retomados em 1896, por obra do francês Pierre de Frédy, Barão de Coubertin, que idealizou as Olimpíadas Modernas como um instrumento de educação, de aproximação entre povos e de promoção da paz.
Mussolini, Hitler e, durante a Guerra Fria, EUA e URSS as utilizaram como meio de demonstração de sua superioridade, com ou sem “doping”, abusos e outros tipos de falcatruas. Em Berlin, 1936, os nazistas esqueceram de explicar isso para Jesse Owens que, aliás, correu com sapatilhas produzidas por uma empresa alemã.
Ao que consta, nenhuma guerra foi interrompida durante sua realização. Pelo contrário, elas tiveram hiatos, em função delas, em 1916, 1940 e 1944. Conflitos também foram trazidos para elas, tendo nas Olimpíadas de Munique, em 1972, um de seus episódios mais tristes.
Os mais belos exemplos das Olimpíadas Modernas não são os de vencedores arrogantes, mas dos que entendem o esporte segundo a concepção de Coubertin. O caso da “selfie” entre coreanos do Norte e do Sul é um belo exemplo.
Obviamente, conquistar medalhas é um sonho, um desejo, uma obstinação baseada em esforços sobre-humanos, bem ao estilo de “No pain, no gain!”. Exigem, sim, corpo são, mente competitiva e inteligência, o que também vale para as Paraolimpíadas, talvez de forma ainda mais gloriosa. Esses eventos são, sem dúvida, um momento de congraçamento entre povos, em que pessoas se conhecem e se respeitam independentemente das intenções de seus líderes políticos e religiosos.
A França é um palco ideal para sua realização, repetindo 1900 e 1924: cem anos de interregno!
Só é pena que eventos de tal magnitude sejam usados por radicais, fanáticos e oportunistas para expressarem mundialmente sua estupidez e violência.
Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras