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SAGRADOS ELEMENTOS

Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não haveria pobreza no mundo e ninguém morreria de fome.

Mahatma Gandhi

Por Margarete Hülsendeger

As religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda, possuem uma profunda conexão com o meio ambiente, que se manifesta no respeito aos elementos da natureza, na utilização de plantas sagradas em rituais e na preservação ambiental. Essas tradições, originárias das culturas africanas trazidas ao Brasil pelos escravizados, mantêm até hoje um relacionamento íntimo e reverente com o mundo natural.

Nesse sentido, os Orixás, divindades cultuadas no Candomblé e na Umbanda, estão diretamente associados a elementos naturais específicos. Oxum, Orixá das águas doces, rios e cachoeiras, está associada ao ouro, à beleza e a fertilidade, e suas oferendas são frequentemente deixadas em margens de rios. Iansã, Orixá dos ventos, tempestades e dos espíritos dos mortos (eguns), é evocada em rituais que buscam coragem e mudança, simbolizando o poder de transformação. Ogum, associado às florestas e ao ferro, é chamado para conceder força e proteção. Xangô, Orixá do trovão, do fogo e da justiça, representado por pedras e trovões, é invocado em rituais que buscam justiça e equilíbrio.

As plantas também desempenham um papel crucial nas práticas religiosas afro-brasileiras. Elas são utilizadas de diversas maneiras, cada uma com propriedades específicas para cura, proteção e purificação. A escolha e o seu uso são orientados por um profundo conhecimento tradicional, passado de geração em geração. A arruda, por exemplo, é amplamente usada para afastar energias negativas e promover a limpeza espiritual, sendo comum em banhos de descarrego e defumações. A planta guiné é utilizada para proteção espiritual, eficaz em banhos e defumações para quebrar feitiços e afastar maus espíritos. O alecrim, conhecido por suas propriedades de purificação e proteção, é também usado em banhos e defumações para limpar a aura. A espada-de-São-Jorge, empregada para proteção e para cortar energias negativas, é com frequência plantada na entrada das casas e terreiros. Apesar de não existir erva de um Orixá, algumas plantas são especialmente consagradas a determinadas entidades, como a aroeira e o boldo para Xangô, alfazema e alecrim para Iemanjá e a erva doce para Oxum. Além disso, os pais e mães de santo possuem um conhecimento profundo sobre a combinação de ervas para diferentes propósitos espirituais.

No coração das religiões de matriz africana também está presente a crença de que tudo na natureza é sagrado e possui uma força vital conhecida como axé. Esse conceito é fundamental, pois representa a energia que permeia todos os seres vivos e elementos naturais, incluindo animais, plantas, rios, montanhas e até fenômenos atmosféricos. Como resultado, a relação simbiótica entre essas religiões e a natureza também se traduz em práticas de preservação ambiental. A reverência aos elementos naturais e a necessidade de manter o axé em equilíbrio promovem uma consciência ecológica intrínseca.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

Muitos praticantes do Candomblé e da Umbanda veem a degradação ambiental como um desequilíbrio espiritual que afeta diretamente a saúde e o bem-estar da comunidade. Por esse motivo, as cerimônias são com frequência realizadas em ambientes naturais, como florestas (Ogum e Oxóssi), praias (Iemanjá) e cachoeiras (Oxum), o que leva à conservação desses locais sagrados. A colheita sustentável de plantas e a utilização responsável dos recursos da natureza também são princípios fundamentais para garantir que esses elementos sagrados permaneçam disponíveis para as futuras gerações.

Em tempos de desastres naturais recorrentes, as religiões de matriz africana oferecem uma visão holística da natureza, onde o respeito, a utilização consciente de recursos e a preservação ambiental são partes integrantes da prática espiritual. Esse relacionamento harmonioso com o mundo natural não só preserva tradições ancestrais, como também serve como um exemplo poderoso de como a espiritualidade pode promover a sustentabilidade e a proteção do meio ambiente. Ao entender e valorizar essas práticas, podemos aprender importantes lições sobre o respeito à natureza e a necessidade urgente de proteger nosso planeta para as futuras gerações. As religiões afro-brasileiras nos lembram que a natureza não é apenas um recurso a ser explorado, mas uma entidade viva e sagrada que merece nosso cuidado e veneração.

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