Os desafios para a efetivação da educação inclusiva no contexto escolar brasileiro
Valéria Cordeiro da Silva*
Joice Stella de Melo Rocha*
O artigo busca analisar os desafios para a efetivação da educação inclusiva no contexto escolar, entender a proposta da educação Especial e inclusiva no Brasil, discutir sobre a formação continuada dos professores para a Educação Especial, além de apontar as dificuldades encontradas pelos professores regentes ao atender alunos com deficiências específica. Utilizou-se a pesquisa bibliográfica. Evidenciou-se que a formação de professores para a efetivação da Educação Especial é fundamental, no entanto ainda é insuficiente.
Palavras-chave: Educação Especial; Formação de professores; Educação inclusiva.
The challenges to achieve the effectiveness of the inclusive education in the brazilian school context
This article analyzes the challenges to an effective inclusive education in the school context, and also it has the purpose of the special and inclusive education in Brazil. It also discusses the continuing graduation of the teachers for the Special Education, besides it demonstrates the difficulties encountered by the regent teachers at the moment that they assist the students with special needs. It was used a bibliographic research. The continuing graduation for the teachers was also emphasized for the effectiveness of the Special Education which is fundamental, however it is still insufficient.
Key_word: Special Education: Graduation for the teachers; Inclusive Education.
Introdução
A inclusão escolar de crianças com deficiências no ensino regular tem sido ponto de reflexões atualmente, levando em consideração os pressupostos teóricos e metodológicos para a implementação das suas diretrizes. A proposta está centrada na concepção de universalização do ensino, na garantia de sua qualidade e no respeito á diversidade.
Considerando as questões da formação, estrutura, e remuneração dos profissionais da educação no geral e em específico da educação especial , além da participação dos pais na vida escolar, as questões médicas e de vivência afetiva preconizadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) , é bem visível no atual cenário que estes aspectos são desprezados nos projetos e programas governamentais, visto que buscam trazer uma abordagem geral para os alunos com deficiência específica, ocorrendo assim, uma prática falha e com lacunas em alguns aspectos importantes na vivência escolar e social desse público.
Neste contexto a realização desta pesquisa se justifica pela necessidade recorrente de refletir e questionar sobre a importância da formação docente especializada para efetivar as propostas de educação especial e inclusiva no Brasil. Mesmo que existam leis que regulamentem o direito das pessoas com necessidades especificas terem acesso ao ensino regular, sabe-se que na prática não é algo simples, já que, para atender as necessidades específicas de cada aluno, aplicando estratégias e métodos específicos, exige-se dos professores formação específica, o que também nem sempre acontece.
Sendo assim é importante discutir criticamente sobre os meios que favoreçam a efetivação da inclusão escolar,dando destaque a formação dos professores.
Metodologia
A pesquisa bibliográfica foi usada como método para a coleta de dados para a construção deste trabalho, recorrendo-se a materiais impressos e disponíveis na internet, de autores renomados que escreveram sobre o tema, além da consulta a documentos oficiais. Inicialmente realizou-se um levantamento de artigos científicos publicados nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (ScieElo) e Google Acadêmico.
A proposta da Educação Especial no Brasil e seus desafios
Até meados dos anos de 1960, os métodos educacionais utilizados para atender as pessoas com alguma deficiência não contemplavam igualmente a todos. Crianças e jovens eram retirados das escolas de ensino regular das classes comuns, por não avançarem no processo educacional. (MENDES ,1996).
Como forma de atender essa importante demanda social, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada no ano de 1988, estabeleceu em seu artigo 208 que ficaria sob a tutela do estado garantir a educação especializada aos alunos com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Nos anos de 1990, novos questionamentos sobre o papel da escola a nível mundial surgiram, a partir da Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada na Tailândia, em 1990, e a Conferência Mundial de Educação Especial realizada em 1994, na cidade de Salamanca, na Espanha. Desse evento, originou-se a denominada Declaração de Salamanca, que influenciou na construção de debates sobre a necessidade de inclusão dos alunos com deficiência específica no contexto brasileiro, enfatizando a necessidade de fundir os sistemas especiais e regulares (GUEBERT, 2007).
Prova dessa influência internacional foi que a Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,atentando também às premissas constitucionais da Carta Magna de 1988, acabou incorporando as orientações tanto da Declaração Mundial de Educação para Todos quanto da Declaração de Salamanca, universalizando o direito ao acesso e à permanência no ensino. Em seu artigo 58, tal regramento definiu que a educação especial deveria ser “oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos com deficiência”. Além disso, como forma de instrumentalizar as ações para a efetivação desse ensino, determinou, em seu parágrafo 1º que: “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial”.
Nesse sentido, deve-se salientar que o estado brasileiro, ao reconhecer a necessidade de atender as demandas específicas dos alunos com algum tipo de deficiência específica, atentou-se para a organização de um aparato profissional docente capaz de concretizar o direito de acesso e permanência desse público na educação. Essa assertiva fica evidente no próprio inciso III do artigo 59 da LDB/96, quando se definiu que “Professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns” (BRASIL, 2002,p.39).
Pode-se apontar como uma das provas do esforço governamental foi o Plano Nacional de Educação de 2001, que enfatizou a necessidade de professores preparados para atender aos alunos com necessidades educacionais específicas, deixando claro o dever das instituições de educação superior, no que diz respeito à formação de profissionais qualificados para atender pessoas com deficiências. (BRASIL, 2001).
No entanto, cabe a observação com relação ao conceito “Educação Especial” utilizado nos regramentos apresentados. De acordo com Garcia (2013), o mesmo se refere a área de conhecimento e modalidade de ensino que não se restringe apenas aos processos de inclusão escolar do seu público no ensino regular. Em seu cerne, estão inseridas ações voltadas para a política educacional previstas na legislação, sobrepondo funções já definidas para o ensino regular, na medida em que institui a flexibilização e adaptação dos currículos, bem como inseriu a figura do professor de atendimento especializado, sob condições de trabalho distintas da educação regular, para atender as especificidades dos alunos portadores de alguma necessidade especial. (GARCIA, 2013, p. 115).
Nesse caso, a partir do que expõem as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, deve-se observar que o que se pretende é garantir a escolarização a todos os alunos conforme disposto em seu artigo 2º: “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com deficiências, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos” (BRASIL, 2001, p.1).
Entretanto, conforme destaca Mantoan (2008), apesar das legislações existentes que garantem e normatizam a Educação Especial e a inclusão de pessoas com deficiência no ambiente escolar, deve-se pensar que a concretização desse direito está além das inovações no campo educacional. Nesse sentido, adaptação dos espaços escolares para promover a efetivação da inclusão de alunos com deficiência é um ponto essencial, eliminando possíveis barreiras arquitetônicas, urbanísticas, bem como nos equipamentos, mobiliários, nos transportes escolares, assim como nos próprios meios de informação.
No caso do processo de alfabetização de crianças com deficiência, Arroyo (2007) chama atenção para o papel da família como parte integrante no processo. Porém, destaca que, na maioria dos casos, as famílias se preocupam apenas em buscar a cura das deficiências através da ciência, e não em estimular a criança a desenvolver suas habilidades cognitivas. Essa atitude, por outro lado, pode provocar um atraso na aprendizagem, visto que estes alunos chegam à escola com inúmeras dificuldades. Pois o ler e o escrever para o aluno com deficiência especifica precisa ser diferenciados.
Segundo César (2003), o envolvimento da família junto às propostas de inclusão dos alunos com necessidades especiais é elementar para o desenvolvimento desses indivíduos no processo educacional, potencializando sua maior integração no ambiente escolar. Esse é o espaço ideal para que a inclusão aconteça, sendo, assim, necessário que todas as oportunidades sejam aproveitadas para estimulá-lo, articulando espaço familiar e escolar.
Por outro lado, Sassaki (1998) chama atenção sobre a necessidade de investir na formação dos educadores, além da própria questão da estrutura das escolas e da adequação dos currículos para que a educação especial aconteça efetivamente. De acordo com Garcia (2013), para que o atendimento às diversas demandas dos alunos com necessidades especiais seja de fato garantida, a Educação Especial passou a exigir o trabalho multisseriado com os alunos, determinando a necessidade do envolvimento de profissionais especializados de várias áreas do conhecimento, como educadores físicos, professores regentes, professores de atendimentos especializados, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.
Logo, para que a universalização da educação para a população com deficiência de acordo com o modelo de inclusão, objetivado pelo Plano Nacional de Educação-PNE (2001), é preciso investir na formação e capacitação dos professores e na adaptação dos espaços físicos escolares para contribuir com a efetivação das propostas da educação inclusiva/especial.
Coelho (2010) lembra que existem leis que asseguram ao professor a capacitação para atuar na educação inclusiva, servindo de suporte orientador e mudanças, o que, por outro lado, não significa a efetivação da inclusão. A existência dos aportes legais, por si só, não é capaz de concretizar as ações necessárias para ofertar o ensino de qualidade aos alunos que necessitam de atendimento especializado, sendo preciso articular outros fatores, como a reformulação dos cursos de graduação, investimento em capacitação e especialização em Educação Inclusiva e maior atenção das autoridades competentes.
Na visão de Miranda (2008), tem-se no Brasil uma formação inicial de professores para atender as demandas da educação especial ainda muito inconsistente, já que a maioria dos profissionais já iniciam a carreira com pouca experiência, descontentes com suas próprias formações e desconhecedores das próprias políticas que envolvem seu trabalho. Como forma de superar tamanha lacuna, tem-se utilizado da modalidade de Educação a Distância para promover a formação continuada desses profissionais.
Ribeiro, Cordeiro e Bastos (2007) partiram da premissa de que a maioria dos cursos de formação de professores pouco contribui para que a prática do docente se modifique com relação ao atendimento dos alunos com deficiência específica. Portanto, essas instituições necessitam de reformulação de seus currículos, para que sejam incorporadas novas práticas que possibilitem a apropriação das habilidades necessárias para lidar com os desafios dessa realidade.
Faz-se necessário, portanto, que a formação de professores esteja conectada com esse novo contexto, onde se torna cada vez mais preciso pensar e planejar as possibilidades de superação do ensino tradicional.
Percebe-se que, apesar do professor ser a peça principal para fazer com que a inclusão realmente aconteça, as bases legais e as instituições de ensino superior têm, de alguma forma, falhado na formação desses profissionais para promover o desenvolvimento pleno dos alunos com deficiências específicas a partir de um contexto social e educacional que exigem outras posturas e práticas.
Dificuldades dos docentes para a promoção da Educação Especial e a inclusão
Diante de tantos desafios para viabilizar a promoção da educação especial no Brasil, bem como da escassez de professores especialista, faz necessário analisar as dificuldades encontradas pelos docentes para efetivar a inclusão. Parte-se, inicialmente, da noção de Angelucci (2002) sobre as complicações encontradas pelo professor brasileiro, em especial aqueles no ensino público, que deparam com a falta de comprometimento do poder público com a educação.
Não pode ignorar o conjunto de condições que influem no trabalho do professor. Sua retribuição econômica, suas condições de trabalho, sua valorização social e suas expectativas profissionais são, ao lado da formação permanente, fatores que facilitam ou dificultam sua motivação e sua dedicação (MARCHESI, 2004, p. 44).
Nesse sentido, para que a inclusão aconteça, segundo as reflexões de Mantoan (2005), a sociedade e a escola precisam reconhecer que todos são diferentes, mas, os maiores desafios que encontramos em uma instituição como a escola ou em uma sociedade que não avançou no sentido da inclusão, é repensar as suas próprias regras, o próprio modo de atuar a partir de práticas naturalmente excludentes e/ou sem subsídios para o trabalho focado na individualidade de cada aluno com deficiência.
Desse modo, Alves (2009), por seu turno, considera que para superar as possíveis barreiras na efetivação da inclusão no espaço escolar, não deve apenas ocorrer a capacitação dos professores, mas estabelecer ações que busquem qualificar os demais profissionais envolvidos no ensino uma vez que “Não adianta cobrar sem dar subsídios suficientes para uma boa adaptação deste indivíduo na escola. Esta preparação, com todos os profissionais serve para promover o progresso no sentido de escolas inclusivas” (ALVES,2009, p.45-46).
Nesta perspectiva, ao se tratar do processo ensino aprendizagem da criança com alguma deficiência, cabe construir um novo perfil de professor, que não seja aquele mero repassador de informações, ou simplesmente um repetidor de modelos já experimentados e de conteúdos diversos. Seu papel passa a ser mais relevante, exigindo um aperfeiçoamento de sua prática pedagógica principalmente ao lidar com crianças com deficiências específicas no processo de construção do conhecimento em um ambiente escolar e suas variantes dentro deste contexto. (ALVES, 2009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio desta pesquisa, ficou evidente que a proposta de Educação Especial no Brasil partiu da construção de legislações internacionais e nacionais que buscaram atender as premissas da inclusão, salvaguardando o direito das pessoas portadores de qualquer deficiência específica, o acesso ao ensino de qualidade com as mesmas oportunidades nas turmas de ensino regular. No entanto, apesar de iniciativas governamentais para atender esse direito, observou-se que a realidade escolar brasileira estabelece um cenário que impõe dificuldades para aplicação dessas próprias leis, tornando-as, de alguma forma, ineficazes para a concretização da inclusão dos alunos com deficiência nos espaços escolares.
Entendeu-se que, dentre as dificuldades encontradas pelos professores para atuação com os alunos com algum tipo de deficiência no ensino regular, estão a escassez de recursos didáticos adaptados para adequação das atividades às especificidades de cada aluno atendido, problemas estruturais e organizacionais das unidades escolares.
No entanto, concluiu-se que a formação continuada de professores para atendimento especializado é fundamental para promover a inclusão, pois sua falta, diante da difícil realidade escolar brasileira, inviabiliza o desenvolvimento pleno desses alunos nas salas de aulas regulares.
REFERÊNCIAS
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