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A VIDA EM LIÇÕES

A VIDA EM LIÇÕES

E embora você pense que o mundo está a seus pés, ele pode se levantar e pisar em você.

Ian McEwan

Por Margarete Hülsendeger

“Você tem de escrever como se os seus pais estivessem mortos”, foi o conselho do escritor norte-americano Philip Roth (1933-2018) ao, então, jovem Ian McEwan. Pelo resultado de suas primeiras publicações, parece que ele seguiu à risca a recomendação do colega mais experiente a ponto de ter recebido o apelido de “Ian, o macabro”. Conhecido por livros como Amsterdam (1998), Reparação (2001), Solar (2010), A barata (2019), entre outros, a obra de McEwan se caracteriza não só por uma prosa elegante e precisa, como também pela exploração de temas complexos como a ética, a culpa, o amor e a perda, e a capacidade de criar personagens memoráveis e multifacetados. Seus romances frequentemente abordam questões sociais e políticas pertinentes, e muitas vezes se passam em momentos históricos importantes.

Seu último livro, Lições[1], apresenta todas as características mencionadas acima, demonstrando que MacEwan, aos 75 anos, continua sendo um mestre na construção de personagens e no desenvolvimento de narrativas envolventes. Nessa obra, o autor britânico leva o leitor a uma jornada extraordinária através das tumultuadas águas do século XX e XXI, ancorando-se na vida, aparentemente comum, de seu protagonista, chamado Roland Baines. McEwan habilmente entrelaça eventos históricos com a experiência pessoal de Roland, oferecendo uma visão panorâmica da Europa e das interseções complexas entre o individual e o coletivo.

A história começa com Roland, um menino de onze anos, enfrentando a solidão e os desafios de um internato distante da família. É nesse cenário que ele desenvolve uma conexão intensa (e proibida) com sua professora de piano, Miriam Cornell, que irá afetar profundamente a visão de si mesmo e do mundo ao seu redor. À medida que o personagem amadurece e encara as complexidades da vida adulta, a sociedade também passa por transformações monumentais – que vão desde a crise dos misseis até a pandemia do Covid-19.

Assim, enquanto o protagonista lida com os desafios e as incertezas da maturidade, ele também é confrontado com seus próprios demônios internos, incluindo a fuga da esposa e sua busca por respostas em meio aos traumas do passado. É uma trajetória marcada por reviravoltas inesperadas, momentos de profunda introspecção e, em última análise, uma procura permanente pelo significado da vida em um mundo em constante mudança. Por meio das experiências de Roland, o autor explora temas universais como o arrependimento, a culpa, a solidão e o amor, proporcionando ao leitor uma experiência introspectiva e reflexiva.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

A estrutura do romance permite uma compreensão profunda do personagem, embora em alguns momentos a narrativa possa parecer um pouco dispersa. A inclusão de eventos históricos oferece uma rica tapeçaria de fundo, mas ocasionalmente pode dar a impressão de sobrecarregar a história pessoal do protagonista. No entanto, esses são pequenos problemas diante da escrita sempre contundente e refinada de McEwan. Sua habilidade em descrever cenas e emoções com detalhes vívidos é um dos pontos fortes do livro. Além disso, cada personagem é ricamente desenvolvido, com motivações complexas e camadas de profundidade que os tornam marcantes e envolventes. O autor nos convida a mergulhar nas mentes e corações desses personagens, explorando suas alegrias, angústias e conflitos com uma sinceridade e uma empatia notáveis.

Lições é um testemunho do talento de Ian McEwan para criar uma ficção literária que é ao mesmo tempo pessoal e universal. É um livro no qual se explora a forma como a memória molda nossa identidade e como o passado continua a influenciar o presente, proporcionando uma exploração intensa e comovente da natureza humana. Lições exige do leitor reflexão e sensibilidade, recompensando-o no final com um entendimento mais profundo das complexidades da vida e das cicatrizes que carregamos ao longo dela.


[1] MCEWAN, Ian. Lições. Tradução Jorio Dauster. São Paulo: Companhia das letras, 2022.

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