Durante minha infância e adolescência, eu costumava escutar músicas nas rádios AM (as FM vieram um pouco depois).
A programação incluía canções e intérpretes de vários idiomas. Eu pouco entendia, mas as melodias e as vozes soavam maravilhosamente em inglês, francês, italiano e espanhol. Infelizmente, isso mudou radicalmente, na atualidade.
As músicas ficaram na memória, bem como aquela diversidade de vozes, que despertava curiosidade em ver os rostos.
Nos anos de 1970, o Jornal Hoje, da Rede Globo, tinha como regra encerrar suas edições com músicas, como “Evie” (Johnny Mathis) e “Pombo Correio” (Moraes Moreira).
Era um diferencial interessante, por isso mesmo, cativante!
Esses dois cantores já eram conhecidos e consagrados no Brasil, e o inglês e o português predominavam nas programações musicais dos meios de comunicação.
Foi quando colocaram uma música francesa ao final do jornal: “La question” (A questão).
A voz era suave e a melodia muito bem arranjada, incluindo uma transição para violão solo.
Pouco depois, conheci a cantora e compositora Tuca (1944-1978) que, numa entrevista, contou sua experiência na França, onde teve profícua parceria com Françoise Hardy.
“La question” era de sua autoria, interpretada por Françoise!
Eu tinha o nome, mas não tinha o rosto.
Quando estudei na Alliance Française, algumas professoras incluíam música nas aulas.
Ouvíamos, entendíamos e cantávamos.
Todas as canções da infância estavam lá, agora fazendo sentido. Foi quando vi o rosto de Françoise pela primeira vez, que eu me lembre: lindíssima!
Lembrei que ela havia feito uma “ponta”, “roubando a cena”, no filme “O que é que há, gatinha?” (1965, EUA/França), que eu vira, quando criança.
Ouvi mais algumas músicas dessa parceria, mas as canções francesas foram perdendo espaço nos meios de comunicação brasileiros.
Fiz um pós-graduação na França, entre 1985 e 1986.
Lá, conheci o profundo respeito que os franceses têm pela arte em geral, não importa a idade dos artistas.
Havia apenas cinco emissoras de TV, três delas estatais: TF-1, Antenne 2 e France 3. As demais eram TMC (de Montecarlo) e La 5, que tinha como um dos proprietários Silvio Berlusconi. La 5 era abominada pelos puristas franceses, pois cometia o “sacrilégio” de entremear filmes com publicidade.
TF-1 e Antenne 2 exibiam, sobretudo no fim de noite, vídeos antigos.
Num deles, vi Françoise Hardy, no esplendor de seus vinte e poucos anos, cantando “Comment te dire adieu?” (Como te dizer adeus?), que tinha Serge Gainsbourg como um dos autores.
“Mon coeur de silex, vite prend feu! Ton coeur de pyrex, résiste ao feu!” (Meu coração de sílex rápido se incendeia! Teu coração de pyrex resiste ao fogo!).
Pouco tempo de pois, vi uma entrevista de Françoise na TV.
Aos 42 anos ela exibia uma beleza sóbria.
Mostraram alguns vídeos seus, inclusive um, gravado num parque de diversões, no qual ela cantava “Tous Les Garçons Et Les Filles” (Todos os rapazes e moças).
Creio que nunca ouvi uma letra tão equivocada para ela: “Oui mais moi, je vais seule, car personne ne m’aime.” (Sim, mas eu, eu vou só, pois ninguém me ama.).
Françoise, um ícone de beleza e talento, viveu seus oitenta anos (1944-2024) em plenitude, deixando músicas inesquecíveis.
Ninguém é eterno, é certo. Mas a saudade é inevitável.
Daí, fica a dúvida: “Comment te dire adieu”, Françoise?
Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras