Crônicas Margarete Hülsendeger Religião religião

DESAFIANDO PRECONCEITOS

DESAFIANDO PRECONCEITOS

O preconceito é um fardo que confunde o passado, ameaça o futuro e torna o presente inacessível.

Maya Angelou

Por Margarete Hülsendeger

O conceito de estereótipo pode ser encontrado em qualquer dicionário, mas nunca é demais lembrar que se trata de uma imagem simplificada e, muitas vezes, exagerada de um grupo de pessoas, com base em características superficiais e generalizações imprecisas. Quando consideramos as religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, logo constatamos que estereótipos negativos têm sido perpetuados ao longo do tempo, influenciando a maneira como essas religiões são percebidas e compreendidas. Essa situação gera discriminação, segregamento e até mesmo violência contra seus adeptos, além, é claro, de manter viva uma visão distorcida e preconceituosa dessas tradições.

Um dos estereótipos mais comuns é aquele que associa as religiões afro-brasileiras à magia negra e ao satanismo. Essa ideia deturpada ignora completamente a essência dessas crenças, que valorizam a ancestralidade, a natureza e o equilíbrio entre os planos físico e espiritual. Nos terreiros de Umbanda e Candomblé, não há espaço para rituais macabros ou invocações de entidades malignas; o foco principal está na busca pelo bem-estar, na cura e na harmonia entre os seres humanos e o universo.

Do mesmo modo, a visão estereotipada dos seguidores dessas religiões apresentando-os como figuras excêntricas, bruxas ou indivíduos envolvidos em práticas macabras. Além disso, eles são retratados como pessoas menos inteligentes e cultas, quando, na verdade, nos diferentes terreiros, observa-se que são indivíduos com diferentes níveis de educação e áreas de conhecimento, assim como qualquer outro grupo da sociedade. Esse olhar preconceituoso não só menospreza a riqueza cultural e intelectual dessas tradições, como desconsidera sua profunda filosofia de vida, rica em história, literatura, música, artes e costumes orais que se perpetuam ao longo de gerações.

Na esteira desse preconceito, há também a ideia de que as religiões de matriz africana são primitivas ou supersticiosas. Essa percepção desconsidera o fato de que seus rituais foram preservados e transmitidos no decurso do tempo, adaptando-se e evoluindo de acordo com as circunstâncias históricas e sociais. Ademais, estereótipos que as associam apenas com a música e a dança reduzem sua importância a meras expressões artísticas, desconsiderando sua riqueza espiritual e cultural.

Nesse sentido, é importante destacar que as religiões de matriz africana não são monolíticas, mas sim compostas por uma diversidade de rituais, crenças e costumes que variam de acordo com a região, a comunidade e o contexto histórico. O Candomblé, por exemplo, tem suas raízes nas práticas religiosas dos povos iorubás da África Ocidental, enquanto a Umbanda é uma religião sincrética que incorpora elementos do Catolicismo, do Espiritismo e das tradições indígenas brasileiras.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

O fato é que esses estereótipos afetam profundamente a opinião das pessoas, difundindo equívocos e preconceitos que dificultam a aceitação e o respeito por essas tradições. Infelizmente, a internet tem se tornado um espaço propício para a propagação de discursos de ódio e discriminação na forma de comentários maldosos, memes ofensivos e fake News, alimentando assim hostilidade e a intolerância contra esses grupos. Como resultado, muitos terreiros sofrem com a violência na forma de profanação de símbolos religiosos e agressões físicas a seus adeptos. Tais atos demonstram a necessidade urgente de ações concretas para combater o racismo religioso e promover o respeito à diversidade.

Desconstruir os estereótipos sobre as religiões de matriz africana e incentivar o respeito à pluralidade religiosa é o único caminho possível e deve ser um compromisso de todos nós. Para alcançar esse objetivo, é fundamental promover a educação e o diálogo intercultural, desafiando ativamente essas representações distorcidas e destacando as diferenças e a profundidade das práticas religiosas afro-brasileiras. Além disso, é essencial confrontar o racismo e a intolerância religiosa que frequentemente estão na raiz desses estereótipos, promovendo a igualdade, a inclusão e a consideração às diferentes crenças. Portanto, a luta contra ideias preconcebidas e informações falsas sobre as religiões afro-brasileiras requer um esforço coletivo para estimular a compreensão mútua, o respeito e a valorização da diversidade religiosa e cultural do Brasil.

Deixe um comentário