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AMOR, ÓDIO E O FUTURO

Lulu Santos, quando ainda vivia com Scarlet Moon de Chevalier, compôs “Toda forma de amor”, lançada em 1988.

Uma das frases marcantes dessa música era: “Consideramos justa toda forma de amor”.

Será que toda forma de amor é justa, ou a palavra amor precisa ser contextualizada?

Segundo o Oxford Languages, amor é definido como: “forte afeição por outra pessoa, nascida de laços de consanguinidade ou de relações sociais”. Nesse último caso, podemos incluir o amor ao próximo e, por consequência, à vida!

Segundo a Enciclopédia de Significados, paixão é definida como: “um sentimento humano intenso e profundo, marcado pelo grande interesse e atração da pessoa apaixonada por algo ou alguém”.

Assim, paixão não pode ser confundida com amor, pois a paixão pode transpor perigosamente a racionalidade, seja em relação a algo ou a alguém.

Não à toa, paixão aparece na definição de fanatismo também segundo o Oxford Languages: “zelo religioso obsessivo que pode levar a extremos de intolerância; faccionismo partidário; adesão cega a um sistema ou doutrina; dedicação excessiva a alguém ou algo; paixão”.

O amor pode se transformar em ódio?

Segundo a mesma fonte, ódio é: “aversão intensa geralmente motivada por medo, raiva ou injúria sofrida; odiosidade”.

Com base nessas definições, amor e ódio não são antônimos, pois amor jamais poderia se transformar em ódio, pois isso trairia a essência de ambos.

Assim, não faz sentido nem o “amor ao mal” nem o “ódio do bem”, pois amar uma coisa não pode ser diretamente associado ao ódio a outra. Isso confronta a dialética e a própria racionalidade.

Não há como entender um amor que leva à morte, mas é bem comum um ódio que a justifica.

Amar a morte beira ao delírio de não amar a vida. E há ideologias e religiões que disseminam que matar e morrer em seus nomes serão premiados no pós-vida.

Isso não é amor!

E geralmente quem prega matar e morrer por “amor” a algo ou alguém não se coloca como agente, mas apenas como indutor.

O mesmo Lulu Santos gravou, em 1994, “Assim caminha a humanidade”. Nela, salvo engano, ele apresenta uma visão semelhante à de Vinícius de Moraes, que em seu “Soneto da Fidelidade”, de 1939, afirmou: “Eu possa me dizer do amor (que tive):/Que não seja imortal, posto que é chama/, Mas que seja infinito enquanto dure”. Disse Lulu: “Não acredite que te quero mal./Apenas não te quero mais”.

O amor é uma emoção complexa, que jamais pode ser confundida com uma paixão autoconsumptiva ou que corra o risco de se converter em ódio ou repulsa.

Mas ao contrário de outra frase dessa música, o caminho da humanidade não tem sido “com passos de formiga e sem vontade”. Pelo contrário, ela tem caminhado de forma vertiginosa, desenfreada e nem sempre adiante. Nesse sentido, está mais para a afirmação de Cazuza, em “O tempo não para”: “Eu vejo o futuro repetir o passado. Eu vejo um museu de grandes novidades”.

De fato, ideias antigas surgem com novas roupagens, mas permanecem anacrônicas, tendo o amor e nobres ideais como mote, mas o ódio como meio consentido, por vezes fomentado, de consumação.

É triste ver o “amor” que vem sendo incutido nas novas gerações, despertar o desejo de morte de quem não segue o algo ou alguém que amam.

Isso não é amor, mas fanatismo que “pode levar a extremos de intolerância”.

Se é assim que caminha a humanidade, é preciso que famílias, educadores, religiosos e ideólogos revisem seus conceitos, sob pena de estarem projetando um futuro tenebroso, no qual a vida será apenas um item descartável, como já foi no passado e, na mente de alguns, continua sendo.

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras

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