Ter fé é acreditar naquilo que você não vê; a recompensa por essa fé é ver aquilo em que você acredita.
Santo Agostinho
Por Margarete Hülsendeger
As religiões de matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé, têm suas raízes profundamente enraizadas em um contexto histórico marcado pela brutalidade da escravidão e pela diáspora africana. Durante séculos, os africanos escravizados no Brasil encontraram na religião uma forma de preservar sua cultura e identidade, adaptando suas tradições espirituais às novas realidades impostas pela escravidão.
Apesar da proibição de praticar suas crenças tradicionais, eles mantiveram vivas suas tradições espirituais por meio de adaptações criativas e sincréticas. Um exemplo disso é a sincretização das divindades africanas com os santos católicos, uma estratégia para camuflar suas práticas religiosas e evitar a perseguição dos colonizadores. Nos quilombos, comunidades formadas por escravizados fugitivos, as práticas religiosas africanas floresceram em relativa liberdade. Lá, rituais de iniciação, culto aos ancestrais e celebrações dos Orixás se tornaram elementos centrais da vida cotidiana, fortalecendo os laços comunitários e preservando a identidade cultural africana.
Com o fim da escravidão em 1888, os praticantes dessas religiões enfrentaram novos desafios. A discriminação racial e a marginalização social persistiram, levando muitos a praticar suas crenças de forma clandestina ou em comunidades fechadas. No entanto, a resiliência dessas tradições prevaleceu, e no início do século XX, o Candomblé e a Umbanda começaram a se estabelecer como movimentos religiosos reconhecidos. Com o passar do tempo, essas religiões continuaram a se expandir e a se transformar, atraindo seguidores de diferentes origens étnicas e sociais. O surgimento de terreiros e centros espíritas em áreas urbanas, especialmente no Rio de Janeiro e em Salvador, contribuiu para a disseminação dessas práticas e para sua integração na paisagem religiosa brasileira. Como resultado, muitos dos rituais que antes eram realizados em completo sigilo passaram a ser conhecidos por pessoas de fora dessas religiões.
A iniciação, por exemplo, é, até os dias de hoje, um marco fundamental, representando o início de um processo de aprendizado e desenvolvimento espiritual. Rituais longos e complexos marcam essa etapa, com vestimentas específicas, cantos, danças, sacrifícios animais e rezas, tecendo um caminho de transformação e conexão com o divino. No Candomblé, a iniciação é chamada de “feitura de santo” e pode durar até 21 dias, durante os quais o iniciado permanece recluso no terreiro, passando por diversos rituais de purificação e consagração.
Já nas festas dos Orixás, bem mais populares, ocorre a celebração da energia e das características de cada Orixá, com cantos, danças, oferendas, comidas típicas e a presença de médiuns que incorporam essas entidades, em um espetáculo de fé e devoção. O mesmo se observa nas celebrações sazonais que marcam o calendário religioso. Nessas datas, rituais específicos, oferendas, comidas típicas e momentos de confraternização unem a comunidade em torno da fé e da tradição, fortalecendo os laços ancestrais. Uma festa muito conhecida é a que celebra Iemanjá, no dia 2 de fevereiro, quando os adeptos se vestem de branco e azul, oferecem flores e presentes à orixá e participam de uma procissão que segue em direção ao mar e ao longo da costa.
As consultas aos oráculos também são uma prática comum nessas religiões, oferecendo orientação espiritual e respostas para questões pessoais e problemas cotidianos. O jogo de búzios, por exemplo, é uma forma tradicional de consulta aos oráculos no Candomblé, onde um sacerdote experiente interpreta os padrões formados pelos búzios lançados sobre uma superfície sagrada. Por meio da interpretação de certos sinais, sacerdotes traçam um caminho para o futuro, aconselhando e iluminando os adeptos em suas decisões e conectando-os à sabedoria ancestral. Essas consultas são realizadas em terreiros e centros espíritas em todo o país, como o Terreiro do Pai Maneco, em Curitiba, Paraná, que é conhecido por suas práticas de Umbanda e pela consulta aos oráculos.
Hoje, o Candomblé e a Umbanda são reconhecidos como parte integrante do patrimônio cultural brasileiro, influenciando não apenas a espiritualidade, mas também a música, dança, culinária e artes. Suas práticas religiosas continuam a ressoar nas ruas das cidades e nos corações dos devotos, refletindo uma profunda conexão com as raízes africanas do Brasil. Além disso, o reconhecimento legal dessas tradições como patrimônio cultural imaterial fortaleceu sua posição na sociedade brasileira, destacando sua importância na preservação da diversidade cultural do país. Ao estudarmos e compreendermos essas religiões, somos convidados a celebrar a riqueza da herança africana no Brasil e a reconhecer o papel vital que desempenham na construção da identidade nacional, além de promoverem a tolerância religiosa e o respeito à diversidade.
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