Nos cursos de Engenharia Civil aprendemos que há solução para quase tudo, desde que haja recursos humanos e financeiros para implantá-la. Mas é importante salientar que raramente qualquer solução pode ser considerada definitiva.
Uma das recomendações frequentes na formação de engenheiros civis e afins é de evitar construir em encostas e fundos de vales.
A recomendação para evitar ocupar áreas de fundo de vale advém do fato de que elas são inundáveis, por serem o caminho natural das águas que escoam superficialmente, inclusive das encostas de morros, configurando rios e seus afluentes.
No caso de encostas, a própria força da gravidade já engendra movimentação do solo. Quando este está encharcado em função de chuvas intensas e duradouras, esse movimento é ainda mais potencializado.
Mas evitar não quer dizer proibir!
As obras contra inundações e deslizamentos são custosas, sujeitas à burocracia estatal e a demorados licenciamentos ambientais. Além disso, no entender nefasto de alguns políticos, elas têm pouca “visibilidade”.
Ao contrário do que alguém possa acreditar, a falta de recursos financeiros não se resolve com “canetadas” ou proselitismo.
Mas um amigo me disse, certa vez, que o custo do “não fazer” é muito maior do que o custos de “fazer”. E o que tem que ser feito deve ocorrer de forma contínua, que transcenda mandatos, ou seja, disputas político-partidárias e vaidades.
A prevenção ocorre por meio de legislação urbanística, que define usos e ocupações de áreas por meio do zoneamento; e pela execução de obras que devem ser projetadas segundo parâmetros bem definidos em normas técnicas e levantamentos de campo, executadas com exatidão e esmero, e submetidas a constante manutenção, sobretudo no que se refere a sistemas de macro e microdrenagem.
Os projetos também estimam a vida útil da obra, o que não quer dizer que, atingido esse limite, a obra entrará em colapso. Nesse caso, vida útil tem a ver com o custo de manutenção, que tende a aumentar com o tempo. Em algum momento, novas obras serão necessárias.
No caso da legislação urbanística, também é necessário enfatizar que não basta criar leis rigorosas, pois é indispensável que a fiscalização esteja sempre atenta, para evitar ocupações indevidas.
Processos de antropização (ocupação pelo ser humano) sem planejamento e controle, normalmente potencializam consequências dramáticas, catastróficas, que não distinguem condição social, credo, etnia ou ideologia.
O adensamento urbano sem controle, ao ocupar áreas inundáveis, potencializa danos materiais e humanos, que vão de doenças a óbitos. No caso de encostas, podem ocorrer deslizamentos e desmoronamentos de edificações, com as mesmas consequências fatais. As catástrofes de Angra dos Reis/RJ, Guarujá/SP, São Sebastião/SP e agora, de forma ainda mais dramática, no Rio Grande do Sul são alguns exemplos emblemáticos.
Enquanto isso, os problemas persistem; danos ao patrimônio público e privado continuam e vidas são perdidas.
O drama atualmente vivido pelo Rio Grande do Sul tem despertado, mais uma vez, a solidariedade e apoio da população brasileira. A estupefação e o inconformismo também estão presentes.
A natureza tem sua parcela de imprevisibilidade nesses eventos, seus extremos. Mas isso não é desculpa para a inação inconsequente de quem tem o poder de decisão.
O bom tempo faz com que esqueçam? Não conseguem distinguir lágrimas de gotas de chuva?
A única certeza é que não são as lágrimas que fazem as enchentes.
Adilson Luiz Gonçalves
Engenheiro, Pesquisador Universitário, Escritor e membro da Membro da Academia Santista de Letras